Acórdão nº 929/13.6TYLSB.L1 -7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1–RELATÓRIO: RP intentou a presente ação declarativa contra N. Dias e I..., Lda., alegando, em síntese, que a 13 de Fevereiro de 2013 foi registada a cessação das funções da 1ª ré, como gerente da 2ª ré, constando do registo como causa de tal cessação de funções, a renúncia datada de 20 de Dezembro de 2012.

O registo teve por base um documento em que a 1ª ré renuncia à gerência da 2ª ré, assim como um registo dos CTT – Correios de Portugal e o respetivo aviso de receção.

Porém, tal documento nunca foi remetido e rececionado pela 2ª ré ou pela autora, antes tendo sido recebido na sociedade um documento que não se encontrava assinado pela 1ª ré.

O registo da renúncia de N. Dias é nulo por ter sido feito com base em título falso, sendo também, por si só, insuficiente para a prova legal do facto registado.

A autora conclui assim a petição inicial: Nestes termos, e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e, em consequência: a)- ser o registo declarado nulo, e consequentemente ser ordenado o seu cancelamento, nos termos do artigo 22º, n.º 1, alínea a) do Código do Registo Comercial; ou, caso assim não se entenda, b)- ser o registo declarado nulo, e consequentemente ser ordenado o seu cancelamento, nos termos do artigo 22º, n.º 1, alínea b) do Código do Registo Comercial.

* Regularmente citadas as rés, apenas a 1ª ré contestou, pugnando para que a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.

Pede ainda a condenação da autora a indemnizá-la por litigância de má-fé.

* Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que: - julgou a ação improcedente, por não provada e, em consequência, não declarou a nulidade do registo da cessação de funções da gerente da sociedade I..., Lda. – Em Liquidação, por parte de N. Dias, a que corresponde a inscrição Av. 3 – Ap. 6...; - julgou improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora a indemnizar a ré por litigância de má fé.

* Inconformada com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim a respetiva alegação: 1.

- (…); 2.

- (…); 3.

- Entende a A./Recorrente terem sido incorretamente julgados os pontos de facto identificados nas al. a), b), c), d), e e) dos factos não provados (…), os quais, deveriam, isso sim, ter sido considerado como provados; decisão que se impunha pela análise da prova existente nos autos, mormente a prova documental junta com a petição inicial, em especial, os documentos nº 2 e 3 a ela anexos e a prova produzida em sede de audiência de julgamento, concretamente as declarações de parte da A./Recorrente – que foram prestadas no dia 02.05.2017 e ficaram gravadas entre as 14:20:05 e as 14:41:08, na Plataforma Citius – e as declarações da testemunha Cátia... – que foram prestadas no dia 02.05.2017 e ficaram gravadas entre as 14:41:53 e as 14:50:58, na Plataforma Citius –.

  1. – O que a Recorrente procurou - e, no seu entender logrou, - demonstrar no âmbito dos presentes autos foi que o documento que foi apresentado para efeito de registo não foi o que foi rececionado pela sociedade, e, assim sendo, o documento que foi usado para prova de que a renúncia foi dirigida à sociedade e que foi recebida é falso e, por conseguinte, nulo o registo que o teve na base.

  2. – De acordo com o entendimento do tribunal a quo os factos a), b), c), d), e e) foram tidos por não provados na medida em que a autora não logrou fazer prova que a ré N. Dias não remeteu à sociedade uma carta de igual teor à que serviu de base ao registo da sua renúncia às funções de gerentes, essencialmente porque a prova foi parca e insuficiente, sendo que a prova apresentada foi constituída pelos documentos juntos com a pi., pelas declarações de parte da autora e pelo depoimento da testemunha Cátia...

    Pois bem, sobre a prova documental: 6.– A Recorrente apresentou ao douto tribunal dois documentos, a saber: (i) o documento que consta do dossier registal da Recorrida I..., junto aos autos como documento nº 2, aquando da apresentação da petição inicial e (ii) documento rececionado nas instalações da Recorrida I..., a que respeitava o código de registo CTT RD 71951273PT, que não se encontrava assinado pela Recorrida N. Dias, junto aos autos como documento nº 3.

  3. – A respeito destes documentos pode ler-se, em síntese, na douta sentença recorrida, que “os dois documentos apresentados e juntos aos autos (…), se é certo que são diferentes, nos termos alegados pela autora, não bastam para comprovar, sem margem para dúvida, que nas instalações foi recebido o segundo e não o original do que serviu de base ao registo posto em crise nos autos. Esta prova apenas poderia ter sido realizada pela apresentação do original do documento recepcionado, por forma a permitir ao tribunal confirmar do seu efectivo teor. (...) dúvida que facilmente a autora poderia ter afastado exibindo o original, prova que estava ao seu alcance e que não procurou produzir.” (…).

  4. – (…).

  5. – O artigo 411º do CPC, referente ao princípio do inquisitório, uma vez associado à ratio do artigo 6º, do mesmo diploma, reforça os poderes do tribunal no domínio da produção da prova, autorizando, ao mesmo tempo que impõe, que o tribunal realize todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

  6. – O artigo 132º do CPC determina a obrigatoriedade da tramitação eletrónica do processo e, por sua vez, o artigo 144º do mesmo diploma obriga a que os atos praticados por escrito, pelas partes, sejam apresentados, em juízo, por transmissão eletrónica de dados nos termos definidos em Portaria.

  7. – Mais referem, o nº 2 e o nº 4 daquele artigo 144º do CPC que A parte que pratique o ato processual nos termos do número anterior deve apresentar por transmissão eletrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os originais sendo que os documentos [nestes termos] apresentados têm a força probatória dos originais.

  8. – Acrescenta,ainda, o nº 5 daquele artigo que o disposto no nº 2 não prejudica o dever de exibição dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine.

  9. – Ora, face às normas vindas de referir, não pode a Recorrente conformar-se com a posição sufragada na douta sentença recorrida, a propósito da necessidade de junção do original do documento rececionado nas instalações da Recorrida I....

  10. – Face ao teor da lei, os documentos juntos pela A/Recorrente deveriam ser considerados, pelo douto Tribunal, como se de originais se tratassem! 15.– Houvera, por parte do decisor, dúvidas a esse respeito, deveria o mesmo, em rigoroso cumprimento dos seus deveres e em honra ao vertido no artigo , 411º e 144º /4/5 do Código de Processo Civil, ter notificado a A./Recorrente para vir juntar aos autos os documentos que acompanhavam a petição inicial em suporte papel, mormente aquele que juntou como documento nº 3.

  11. – Todavia, dado que assim não foi, i.e., dado que a omissão não foi da parte, mas, ao invés, do próprio Tribunal, não pode a A./Recorrente ser prejudicada por um ato nulo do próprio tribunal. Sobre a prova por declarações de parte: 17.– Mais se diz, na decisão recorrida que “o tribunal considera não ter sido demonstrado que a sociedade não recepcionou o documento (com a parte manuscrita) levado ao registo”, “o tribunal não logrou concluir que o escrito que serviu de base ao registo da renúncia não foi o que foi remetido à sociedade através da carta registada com o número RD071951273PT” e “Nesta medida entendemos ter ficado por apurar qual o efectivo teor da carta remetida por N. Dias à sociedade I..., Lda.”.

  12. – Como é do conhecimento público, é à gerência das sociedades por quotas que cabe, de acordo com a lei, providenciar pelo normal funcionamento da sociedade, enquanto pessoa coletiva, determinando o modo como funciona no dia-a-dia e tomando as inerentes decisões. Significa isto, por conseguinte, que há informações referentes ao dia-a-dia da sociedade que são do conhecimento, em exclusivo, das pessoas singulares que ocupam o cargo de gerente.

  13. – Também do conhecimento público é o facto de as sociedades por quotas terem um órgão deliberativo, composto pelos seus sócios, a quem incumbe tomar, entre outras, as decisões constantes do artigo 246º do Código das Sociedades Comerciais. Significa isto, por conseguinte, que há informações e decisões referentes ao dia-a-dia da sociedade que são do conhecimento, em exclusivo, dos titulares de participações sociais dessas mesmas sociedades.

  14. – De acordo com a factualidade dada como provada, a Recorrente RP e a Recorrida N. Dias eram as únicas sócias e gerentes da Recorrida I..., sendo, por conseguinte, as únicas pessoas que tinham acesso a certo tipo de informações referentes à Recorrida I....

  15. – Quer isto dizer que, em dezembro de 2012, aspetos havia, referentes à Recorrida I..., que eram do exclusivo conhecimento das aqui Rccorrente e Recorrida.

  16. – Em sede de declarações de parte da Recorrente, a mesma afirmou, tal qual referido pelo douto tribunal, que “foi recepcionada na sociedade uma carta registada remetida por N. Dias contendo o segundo escrito (ou seja, o que não contém a parte manuscrita), a qual chegou à sua posse pela funcionária Cátia, que a tinha recebido”.

  17. – Na sétima página da sentença recorrida pode ler-se o seguinte: “ Ora, no que ao valor das declarações de parte se refere (em abstracto), entendemos não poder relevá-las como meio de prova de um facto desacompanhado de outros elementos que as confirmem atento o evidente e natural interesse do declarante na sorte da decisão e a norma (e até desejável) coerência entre o vertido na pá. e o declarado em audiência. Sucede que os mais elementos a conjugar com aquelas...

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