Acórdão nº 5278/14.0TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: No processo comum supra identificado, do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa–J7 do Tribunal da Comarca de Lisboa, foi proferido despacho de arquivamento relativamente ao denunciado crime de falsidade de testemunho contra G….

A assistente A..., S.A. requereu a abertura da Instrução.

Realizada a mesma, foi proferida a Decisão Instrutória na qual se decidiu não pronunciar o arguido pela prática do crime que lhe era imputado na denúncia.

Discordando daquela decisão de não pronúncia, a assistente veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 412 a 442 dos autos, onde escreveu as seguintes: CONCLUSÕES 1)– A ora recorrente assenta as suas alegações em duas linhas de argumentação: a primeira reside na ausência de fundamentação de facto do despacho de pronúncia, em virtude de este não conter a indicação dos factos que se consideram indiciariamente provados e não provados face à prova recolhida nos autos. Tal falta afecta esse despacho de nulidade perante o disposto no art.º 308º nº 2, por referência ao art.º 283º nº 3 al. b), ambos preceitos do C.P.P.

2)– A exigência de fundamentação das decisões dos tribunais, ressalvadas as que sejam de mero expediente, consagrada com a revisão constitucional de 1982 e alargada com a revisão de 1989 (de que provém a norma contida, após a renumeração operada pela revisão de 1997, no actual nº 1 do art.º 205º da C.R.P.), foi erigida em princípio geral extensivo a todos os ramos do direito, e, no âmbito do processo penal, constitui uma das garantias constitucionais de defesa, aludidas no nº 1 do art.º 32º da nossa Lei Fundamental.

3)– O dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitem a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a colectividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários. A fundamentação dos actos, que deve ser expressa, clara e coerente e suficiente, “permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.” (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294.) 4)– Ao estatuir que a fundamentação das decisões judiciais a que alude se faça na forma prevista na lei, o legislador constitucional remeteu para a lei ordinária a delimitação do âmbito e extensão que a fundamentação há-de assumir relativamente a cada tipo de decisão, tendo em conta o respectivo objecto, mas respeitado que seja sempre o conteúdo mínimo da imposição constitucional, traduzido na possibilidade de conhecer as razões que motivaram a decisão.

5)– A exigência constitucional foi transposta para a nossa lei processual penal, prescrevendo o n.º do art.º 97º que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

6)– São estes os requisitos mínimos a que deve obedecer a fundamentação das decisões judiciais, quer conheçam de alguma questão interlocutória, quer ponham termo ao processo, nos casos em que lei não impõe requisitos mais alargados, como sucede no que concerne à sentença (cfr. nº 3 do art.º 374º do C.P.P., diploma ao qual pertencem os preceitos adiante citados sem menção especial), ao despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do T.I.R., à acusação (cfr. nº 3 do art.º 283º), ao despacho de pronúncia ou de não pronúncia (cfr. nº 2 do art.º 308º).

7)– Quanto à inobservância do dever de fundamentação, há que atentar no regime estabelecido nos nºs 1 (“A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”) e 2 (“Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular) do art.º 118º.

8)– Assim, e porque inexiste norma que, de forma genérica, comine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados, eles só serão nulos nos casos em que a lei o determine expressamente; inexistindo tal cominação, a falta de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do art.º 123º do mesmo diploma.

9)– A decisão recorrida assume, inequivocamente, a natureza de acto decisório, pois como tal são definidos os despachos dos juízes, quando, não se tratando de sentenças, puserem termo ao processo (cfr. al. b) do nº 1 do art.º 97º do C.P.P.). Sendo-lhe aplicável, por força do disposto no nº 2 do art.º 308º, o estabelecido nos nºs 2, 3 e 4 do art.º 283º, o despacho de não pronúncia (à semelhança do que sucede com o de pronúncia) deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência da prova indiciária, imprescindível para decidir se existe ou não uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. O dever de fundamentação a que está sujeito pode ser cumprido “por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução” (cfr. arts. 308º nº 2 e 307º nº 1 do C.P.P.).

10)– Lendo o despacho recorrido, verificamos que o mesmo se limita a tecer considerações gerais e, quanto à apreciação da prova recolhida nos autos, a salientar a inexistência indícios susceptíveis de integrar a tipicidade objectiva e subjectiva; no mais se atrelando ao despacho de arquivamento proferido pelo MP (que já de si continha uma apreciação muito incompleta e redutora da prova indiciária até então recolhida nos autos, como adiante se verá) para concluir não haver prova indiciária suficiente para submeter o arguido a julgamento pelo crime de abuso de confiança.

11)– Salvo o devido respeito, uma apreciação tão ligeira, mais do que constituir fundamentação deficiente, pode ser equiparada a falta de fundamentação. E que o despacho recorrido padece, efectivamente, da nulidade que ora lhe aponta a recorrente.

12)– O segundo fundamento do recurso reside na existência nos autos de indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento.

13)– Antes de verificarmos se se verifica a invocada suficiência de indícios, vamos equacionar a questão no quadro legal atinente. As finalidades da instrução estão expressas no nº 1 do art.º 286º do C.P.P. (deste diploma serão os preceitos adiante citados sem menção especial): a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou o controlo judicial da decisão do MºPº de arquivar, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento.

14)– Nessa tarefa, e devido à estrutura acusatória do processo, “o juiz de instrução está vinculado (…) aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente”, quer uma, quer o outro, já deduzidos nos autos.

15)– A prolação de despacho de pronúncia depende - para além da existência dos necessários pressupostos processuais e demais condições de validade para que o tribunal possa conhecer em julgamento do mérito da acusação, - da recolha, até ao encerramento da instrução de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.

16)– Para efeitos de pronúncia, o conceito de indícios suficientes é o que vem enunciado no nº 2 do art.º 283º, aplicável por determinação expressa do nº 2 do art.º 308º: são aqueles dos quais resulta uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.

17)– O juízo comprovativo cometido ao juiz de instrução não se confunde com o julgamento da causa; a aferição dos indícios faz-se em função das probabilidades de o feito, uma vez levado a julgamento, vir a possibilitar uma decisão condenatória.

18)– Por isso, o grau de exigência quanto à consistência e verosimilhança dos indícios é menor do que aquele que é imposto ao juiz do julgamento, sem, no entanto, se prescindir de um juízo objectivo e apoiado no acervo probatório recolhido nos autos.

19)– Como resulta dos próprios autos de Inquérito, a assistente é uma sociedade comercial anónima que exerce a sua actividade nas áreas da consultadoria, tecnologias de informação, sistemas de informação geográfica e desenvolvimento de software à medida.

20)– O arguido foi trabalhador de uma empresa - B..., Lda. – desde 3 de Setembro de 2012 até ao dia 2 de Março de 2013.

21)– Durante aquele período de tempo, o arguido exerceu as funções de Director Técnico para a empresa B..., Lda.

22)– O objecto social da empresa mencionada no artigo anterior e da ora assistente complementam-se uma vez que, ambas as sociedades pertencem, entre outras, ao Engenheiro C..., Administrador da assistente e gerente da empresa na qual o denunciando exerceu funções de Director Técnico.

23)– Não obstante, em Janeiro de 2013, a assistente instaurou um processo disciplinar a uma trabalhadora sua, D....

24)– Esse processo disciplinar tinha como objectivo proceder ao despedimento da trabalhadora com justa causa.

25)– No entanto, a trabalhadora supra identificada, antecipou-se à conclusão do processo disciplinar instaurado pela ora assistente, e resolveu o contrato, alegando justa causa.

26)– Posto isto, não aceitando a ora assistente a resolução com justa causa da trabalhadora, nem as suas consequências, veio a aludida ex-trabalhadora instaurar a competente acção judicial contra a ora assistente, que correu termos pela...

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