Acórdão nº 3/10.7TASBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Por despacho de 30 de Outubro de 2013, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal indeferiu o requerimento do denunciante A...
, apresentado de folhas 548 a 560, dirigido ao Ex.mo Procurador da República, visando recorrer hierarquicamente para este dos despachos proferidos pelo Ex.mo Procurador Adjunto, solicitando que lhe seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.
Inconformado com o douto despacho judicial dele interpôs recurso o denunciante A... para este Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.ª No entendimento do recorrente, e salvo melhor opinião, a Mma Juiz “a quo” não se devia ter pronunciado relativamente à questão em apreço, pelo que deve ser considerado nulo, uma vez que um pedido de exame dos autos fora da secretaria, apresentado ao abrigo do n° 4 do art. 89° do Código de Processo Penal, não está sujeito a controlo judicial. A única forma de contra ele reagir é suscitando a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho.” 2.ª Por outro lado, já tinha sido deferida a consulta dos autos anteriormente ao despacho do MP e da douta decisão ora recorrida, pelo que não se compreende esta inflexão de ideias.
Assim, por já fazer caso julgado nos autos não poderia ter sido alterada a autorização de consulta dos autos.
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O recorrente é irmão germano da B...
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Nos presentes autos investiga-se um crime de fraude fiscal face ao aumento de nível de vida da D. B..., designadamente: apartamento no Algarve, aquisição de veículos novos, aquisição de um apartamento para a filha mais velha em Almada, aplicações financeiras junto de bancos e do IGCP, entre outras.
Considera o recorrente que as quantias utilizadas pela B... e marido para a aquisição de tais bens provêm das contas bancárias, aplicações financeiras e dos negócios dos pais do recorrente e de B....
O recorrente tem interesse em consultar os autos, pois nestes poderá encontrar as movimentações efectuadas das contas dos seus pais para as da sua irmã e marido e também para as filhas destes.
Além disso, terá acesso aos depósitos nas contas bancárias dos arguidos, de molde a se puder apurar de onde vêm as quantias depositadas, uma vez que só têm como fonte de rendimento o seu salário no trabalho por conta de outrem que prestam.
Apuradas tais entradas de dinheiro e tais aquisições os arguidos terão de justificar tais quantias junto da Fazenda Nacional, se se tratam de desvios de dinheiro ou de doações.
A serem doações dos pais do recorrente, tais quantias estão sujeitas a impostos, ao ónus de colação e ainda a redução por inoficiosidade aquando das partilhas por óbito dos pais do recorrente.
É indubitável que o recorrente é herdeiro legitimário dos seus pais, e com o falecimento destes é ele e a irmã quem em igualdade de circunstâncias irão concorrer à herança.
Por tudo isto o recorrente tem toda a legitimidade e interesse em consultar os autos, pois além de se tratar de uma fraude fiscal é também uma fraude às legítimas expectativas do recorrente na herança dos seus pais.
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O recorrente por si e pelos seus pais deve ter acesso aos presentes autos, de modo a poder analisar os extractos das contas bancárias juntas após a reabertura do inquérito.
O património dos seus pais foi “esvaziado” em mais de 500000€, os arguidos fazem vida faustosa, têm bens de valor elevado, sem quaisquer dívidas ao banco.
Não pode esta situação passar impune aos olhos de V.Exas.
Nestes termos, requer a V.Exas. se dignem considerar procedente e provado o recurso, e em consequência considerar nulo o despacho recorrido, com as legais consequências, ou subsidiariamente autorizarem o recorrente a consultar o processo, confiando-lhe o mesmo caso se afigure necessário.
O Ministério Público na Comarca do Sabugal respondeu ao recurso, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da decisão recorrida.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação apôs visto nos autos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação Despacho recorrido l. A fls.535, A..., veio requerer a consulta dos presentes autos, tendo em vista eventual recurso hierárquico.
Por decisão de 08.10.2013 o Ministério Público indeferiu tal requerimento, alegando, em síntese, que a lei não atribuiu ao requerente, enquanto (mero) denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito dos presentes autos.
Inconformado com tal decisão veio o denunciante, a fls.548, apresentar “recurso hierárquico” requerendo que seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.
Alega, em síntese, que veio requerer a confiança do processo, bem como a consulta dos mesmos, tendo tais pedidos sido indeferidos, contudo os mesmos justificam-se atento o disposto no art.86.°, n.°l e art.90.°, ambos do Código de Processo Penal, tendo o recorrente interesse legítimo em consultar o processo, uma vez que pretende tomar conhecimento das quantias que eventualmente foram doadas pelos seus pais à sua irmã e cunhado, denunciados, de modo a que estas quantias sejam contabilizadas na herança dos pais que futuramente será partilhada.
Determina o art.89.°, n.°2 do Código de Processo Penal, que “Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível”.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Dispõe o art.86.º, n.º l do Código de Processo Penal, que “Durante o inquérito o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, (..
Ora, nos presentes autos, o requerente não assume a qualidade de arguido, assistente ou parte civil.
Considerando a natureza dos crimes investigados nestes autos (fraude fiscal e...
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