Acórdão nº 334/13.4TTCBR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: No Tribunal do Trabalho de Coimbra e em acções separadas, cuja apensação foi entretanto ordenada, vieram A..., B... e C... demandar D..., Ldª, E... e mulher F..., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem a cada um dos Autores respectivamente as quantias de € 46.376,02, € 47.066,03 e € 38.266,83, a título de retribuições, subsídios de férias e de Natal em atraso e de indemnização por resolução com justa causa com base na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, quantias essas acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos.

Alegaram, em síntese, que estavam ligados à 1ª Ré por contrato de trabalho, tendo procedido à respectiva resolução, com invocação de justa causa, devido ao não pagamento pontual de diversas retribuições.

Reclamam a respectiva indemnização bem como os créditos salariais em falta.

Pelo seu pagamento são responsáveis também o 2º e 3º Réus, uma vez que o crédito reclamado nos presentes autos tem origem em actos praticados pelo 2º Réu, enquanto sócio gerente da 1ª Ré, tendo dos mesmos resultado o proveito comum dos 2º e 3º réus.

Para além de outros meios de prova, vieram requerer a realização de prova pericial, nos seguintes termos: “IlI-PROVA PERICIAL: Mais requer peritagem, mediante exame à contabilidade da La Ré, nos termos do disposto no art.° 43.° do C. Comercial, a efectuar por Técnico Oficial de Contas ou Revisor Oficial de Contas nomeado pelo tribunal, para prova dos factos alegados nos art.°s 16.° a 22.°, 26.°, 27.°, 47.° a 55.°, 57.° a 60.°, 62.° a 67.°, 79.°, 86.°, 97.°, 105.°, 114.° a 117.°, 122.°, 125.°, 126.°, 129.°, 132.°, 135.°, 136.°, 137.°, 140.°, 143.°, 146.°, 160.°, 161.°, 185.°, 191.°, 193.°, 195.°, 201.° a 204.°, 206.° a 208.° e 211.°, devendo ser ainda esclarecidas as seguintes questões de facto: - Quais os valores pagos pela I." ré ao 2.° réu marido durante os anos de 1999 a 2012? - Por que meio foram feitos tais pagamentos? - Quando foram feitos tais pagamentos? - Em cumprimento de que obrigação da 1ª ré perante o 2.° réu marido eram feitos tais pagamentos? - Existem contratos em que se consignem tais obrigações? - Em caso afirmativo quais? - Qual a justificação contabilística para a emissão dos cheques identificados nos art.°s 49.°, 50.° e 51.

0? - Qual a justificação contabilística para a emissão dos cheques identificados nos art.°s 59.°, 60.°, 61.° e 63.° a 66.

0? “.

Contestaram os Réus, deduzindo, entre outra defesa, a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal do trabalho e de ilegitimidade dos Réus - E... e mulher F..., e formulando pedidos reconvencionais contra cada um dos Autores.

Estes responderam às contestações, onde defenderam a não admissibilidade da reconvenção.

Foi, em 23/9/2013, proferido despacho saneador, no qual, e no que interessa aos recursos, foi decidido o seguinte: “Saneamento Incompetência em razão da matéria A 1.ª R. veio arguir a incompetência do tribunal do trabalho para conhecer da presente acção, argumentando que o “conflito” trazido pelos os AA. é, pela sua natureza, societário porquanto os AA. são ou foram sócios da 1.ª R. desde a sua constituição (no ano de 1998) e que a tal estatuto dos AA. se reconduzem as questões que nesta acção pretendem dirimir e que, além disso, a relação contratual que os AA. invocam não configura um verdadeiro contrato de trabalho, sendo laboral só na aparência, estando necessariamente conexa e dependente da relação societária.

Os AA. responderam àquela matéria de excepção argumentando que, pese embora serem ou terem sido sócios da 1.ª R., não é esta a relação contratual que está em causa neste autos, mas a relação de contrato de trabalho que vigorou entre a 1.ª R. e os AA., que executavam as tarefas a cada um distribuídas de acordo as instruções, ordens, orientações e critérios definidos por aquela R., pugnando pela improcedência daquela excepção.

Cumpre apreciar e decidir.

Como resulta do teor das petições iniciais e das respostas às contestações, os AA. configuram a relação material controvertida como uma relação de trabalho subordinado que mantiveram com a 1.ª R. até Março de 2012, alegando factos que caracterizavam, do ponto de vista substantivo, tal relação de trabalho.

Assim, pese embora a sua qualidade de sócios, os AA. alegam a existência de uma relação de trabalho subordinado com a 1.ª R. e factos caracterizadores da mesma. E isto basta para que se considere competente para conhecer da presente acção o tribunal do trabalho.

Atento o exposto, julgo improcedente a excepção da incompetência deste tribunal em razão da matéria suscitada pela 1.ª R.

Custas deste incidente pela 1.ª R., fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (cfr. art.º 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e tabela II anexa ao RCP).

Notifique.

* O Tribunal é competente em razão do território, da hierarquia e da nacionalidade.

Não há nulidades que invalidem todo o processado. A petição não é inepta.

O processo é o próprio.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária.

Ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR.

Os RR. suscitam igualmente a excepção da ilegitimidade passiva dos 2.ºs RR..

Alega, para o efeito, a 1.ª R. que a intervenção dos 2.ºs RR. apenas poderia fazer sentido se se pudesse desconsiderar a personalidade jurídica da 1.ª R. ou se esta conjecturasse um qualquer hipotético direito de crédito sobre o seu gerente que pudesse ser aproveitado por terceiros credores da sociedade, o que não aceita verificar-se.

Por seu turno, os 2.ºs RR. alegam para fundamental tal excepção que a sua intervenção processual só faria sentido se se pudesse desconsiderar a personalidade jurídica da 1.ª R. e, cumulativamente, alguma relação laboral se pudesse conjecturar entre os AA. e os 2.ºs RR., ou se antes tivesse sido reconhecido (em foro próprio) que os 2.ºs RR. praticaram quaisquer actos que directamente pudessem ser considerados lesivos para a 1.ª R. e que a tivessem feito sua credora ou ainda que esta última tivesse conjecturado e reclamado, na forma e foro próprios, um qualquer hipotético direito de crédito sobre o seu gerente (o 2.º R.) que pudesse ser aproveitado por terceiros credores da sociedade, situações que não se verificam no caso dos autos.

Acrescenta ainda, quanto à 2.ª R., que a mesma nunca interferiu ou participou em qualquer acto da 1.ª R, seja ele de gestão e/ou de gerência, nem tem qualquer identificação processual com a relação material controvertida, nem com o pedido nem com a causa do pedido e que dos actos praticados pelo 2.º R. no âmbito dos seus poderes de gerência não resultou proveito comum para o casal, no sentido de que possa ser tido como solidariamente entre si ou com a 1.ª R. pelo pagamento das importâncias reclamadas pelos AA.

Responderam os AA. à excepção referida, argumentando que no caso dos autos está em causa a responsabilidade civil extracontratual solidária dos 2.ºs RR. com a sociedade comercial 1.ª R. ao abrigo do disposto no art.º 335.º do CT/2009, que remete para o art.º 78.º do CSC e, ainda, do disposto nos art.ºs 1691.º e 1692.º do C.Civil, uma vez que os AA. reclamam créditos laborais de que são devedores a 1.ª R. e, solidariamente com esta, os 2.ºs RR., quer por via de comportamentos ilícitos violadores das normas de protecção do capital social enquanto garantia de créditos da sociedade, quer por via do proveito comum do casal.

Defende, assim, que os 2.º RR., quer por terem interesse directo em contradizer, atentos os termos em que os AA. configuram o seu direito e a correlativa obrigação dos RR., quer por serem efectivos titulares da relação material controvertida, são parte legítima na presente acção.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o disposto no artigo 26.º n.ºs. 1 e 2 do CPC, o autor será parte legítima quando tiver interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da acção. O réu será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer, exprimido pelo prejuízo que da procedência da acção possa advir.

No âmbito do código de processo civil na versão anterior à reforma operada pelos Decretos-Lei nº 329-A/95, de 12/12 e nº 180/96, de 25/09, existia polémica quanto a saber se “a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objectivos, isto é, abstraindo apenas da efectiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjectivos, isto é, com abstracção também da sua efectiva titularidade” (c fr. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, I vol, pág. 52, Coimbra Editora 1999).

Defendiam a primeira tese, entre outros, Alberto dos Reis e Antunes Varela. A segunda tese era integrada por Barbosa de Magalhães e Castro Mendes. Sendo que, “Para os autores integrados na primeira corrente, a legitimidade processual apura-se mediante a determinação da pessoa que, no pressuposto da existência do direito ou do interesse a verificar no processo, o pode fazer valer, considerados para tanto todos os factos trazidos ao processo e produzidas as provas necessárias (…). Para os integrados na segunda corrente, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última (cfr. ob. citada, pág. 52).

No âmbito da reforma efectuada ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Lei acima mencionados, o legislador veio pôr cobro a tal discussão, mediante a adesão à segunda tese supra indicada, através da disposição, no nº 3 do artigo 26º do Código de Processo Civil, de que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor”.

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que os AA. alegam existência de um contrato de trabalho com a sociedade comercial 1.ª R. e que esta é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT