Acórdão nº 295/13.0TBPNI-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório O A..., SA com sede na Rua (...), Funchal, veio instaurar acção executiva comum contra B..., residente no Largo d (...), Peniche, tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de €7 547,17 (sete mil, quinhentos e quarenta e sete euros e dezassete cêntimos), dando à execução dois documentos particulares.

Em sede de requerimento executivo alegou, em síntese, ter concedido ao executado um empréstimo no valor de € 6 000,00 nos termos do acordo com ele celebrado e datado de 1/4/2009, data em que lhe foi disponibilizado o aludido montante.

Nos termos do acordo celebrado, a quantia mutuada seria reembolsada ao banco exequente em 84 prestações mensais e sucessivas. Sucede, porém, que a partir de 3 de Março de 2011 o executado deixou de proceder ao pagamento das prestações acordadas, vencendo-se todas as que se encontravam ainda em dívida, ascendendo a dívida de capital ao montante de € 4 879,37, a que acrescem os juros à taxa de 12% e uma sobretaxa de 4%, que liquidou em € 1806,45, sendo ainda devido imposto de selo à taxa em vigor.

Mais alegou ter celebrado com o mesmo executado um segundo contrato de mútuo em 13/1/2010, nos termos do qual lhe concedeu um empréstimo no valor de € 817,69, quantia que foi creditada na conta à ordem do mutuário naquele mesmo dia.

Nos termos contratualmente fixados, o valor mutuado seria reembolsado ao banco exequente em 24 prestações mensais e sucessivas, obrigação que o executado deixou de cumprir a partir de 1/11/2010, vencendo-se todas as prestações, sendo a dívida de capital de €547,09, sobre o qual são devidos juros, que liquidou em €232,76, e imposto de selo à taxa em vigor.

* Ordenada a penhora do salário do executado, conforme requerido, e citado este, deduziu oposição à execução e à penhora, o que fez com os fundamentos que sinteticamente se alinham: - os documentos particulares dados à execução pelo banco exequente -dois contratos de crédito pessoal- não satisfazem o requisito da exequibilidade, por deles não resultar a constituição ou reconhecimento da obrigação, uma vez que dos mesmos não consta terem sido efectivamente entregues ao executado as quantias neles mencionadas; - acresce que, sendo reclamadas quantias para além das prestações alegadamente não pagas, previstas em cláusulas indemnizatórias, como é o caso da sobretaxa de 4%, duvidosa é a sua exigibilidade no âmbito da acção executiva, por não ser certo que o executado tenha tido consciência das mesmas, apesar da sua assinatura no contrato; - o banco exequente cobra juros sobre juros, ainda para mais sobre prestações que somente se venceriam no futuro, ao abrigo de cláusulas de duvidosa legalidade, posto que, estando-se perante contratos de adesão, vale o princípio “in dubio pro consummatore”; - trata-se de cláusulas manifestamente abusivas, leoninas, e, nessa medida, nulas, que deveriam ter-se por excluídas dos contratos, nos termos dos art.ºs 8.º, al. c) e 12.º da LCCG (DL 446/85); - o executado não é responsável pela quantia exequenda e nada deve, porque nada recebeu, desconhecendo a origem da dívida reclamada, já que assinou os contratos a pedido do seu então cônjuge C..., não se tratando de uma dívida comunicável; - ademais, aquando do divórcio, assumiu aquela C... o pagamento de todos os empréstimos, uma vez que todo o activo do casal lhe foi adjudicado na partilha; - é em todo o caso questionável a possibilidade de tais créditos terem sido aprovados, atendendo a que ambos os mutuários se encontravam na altura desempregados; - o executado é ainda parte ilegítima porquanto, constando dos contratos dados à execução como mutuária o então seu cônjuge C..., a execução teria que ter sido instaurada contra ambos.

Com tais fundamentos requereu fosse declarada extinta a execução e levantada a penhora ordenada sobre o seu salário.

Convocando o disposto no art.º 819.º do CPC, requereu ainda a condenação do banco exequente nos termos ali previstos, devendo acrescer-lhe condenação como litigante de má-fé, por ter vindo a juízo deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.

* Notificada a instituição bancária exequente, apresentou contestação, peça na qual defendeu a exequibilidade dos contratos de mútuo dados à execução, por deles decorrer a constituição da obrigação sem necessidade de documentação complementar (ex. extracto de conta). Assim não se entendendo, alegou competir ao executado/oponente a prova de que as quantias neles referidas não foram depositadas em conta dos mutuários, sendo certo que, atentos os princípios da colaboração e cooperação na descoberta e apuramento da verdade, se disponibilizou para apresentar toda a documentação entendida como necessária, desde que devidamente acautelado o seu dever de sigilo bancário, salvo se do mesmo fosse dispensada.

No que concerne à alegação de que estaria em causa a cobrança de juros sobre juros, esclareceu que, tratando-se de mútuo oneroso, é aplicável o disposto no art.º 1147.º do CC, pelo que são devidos os juros acordados, não se verificando qualquer capitalização de juros (cálculo de juros sobre juros).

Mais invocou não estar o executado de boa-fé ao suscitar a questão de eventual falta de consciência na subscrição do contrato, o que sempre consubstanciaria um claro exemplo de “venire contra factum proprium”.

Pugnou ainda pela improcedência da arguida excepção da ilegitimidade passiva, esclarecendo encontrar-se legalmente impedido de demandar a segunda mutuária, por ter sido entretanto declarada insolvente (cf. art.º 88.º do CIRE).

Impugnou por fim a demais factualidade alegada pelo oponente, sublinhando que as quantias mutuadas foram depositadas em conta de que o próprio era titular, sendo irrelevante o que quer que seja que tenha acordado com o seu ex-cônjuge em sede de assunção do passivo do casal.

Refutando a final a imputação como litigante de má-fé, alegou ser o oponente quem afinal litiga com má-fé material e instrumental, não só por saber que não lhe assiste o direito que ajuizou, como pelo mau uso dos meios processuais, concluindo pela improcedência da oposição e condenação daquele em multa a arbitrar de harmonia com o prudente arbítrio do Tribunal e indemnização a seu favor, esta a liquidar a final nos termos do disposto nos art.ºs 456.º n.º 1 e 457.º do C.P.C.).

* Findos os articulados proferiu a Mm.ª juíza a quo despacho saneador, no qual julgou improcedente a arguida excepção dilatória da ilegitimidade passiva e, na consideração de que o processo continha todos os elementos de molde a permitirem a prolação de decisão conscienciosa sobre o mérito, dele passou a conhecer, julgando procedente a oposição por não reconhecer força executiva dos documentos particulares dados à execução, cuja extinção consequentemente determinou.

Inconformado, apelou o banco exequente e, tendo produzido doutas alegações, rematou-as com necessárias conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes: i. Veio o Tribunal a quo julgar procedente a Oposição à Execução apresentada pelo Recorrido e, em consequência, declarar extinta a execução com o consequente levantamento das penhoras.

ii. A fundamentação da decisão recorrida assentou no entendimento de que dos documentos juntos pela Autora/Recorrente não se extrai que os créditos foram efectivamente concedidos, ou seja, entendeu o Tribunal “a quo” que pela Recorrente não foi junto qualquer suporte documental complementar aos contratos juntos como título executivo, de onde resulte que os mesmos tenham sido efectivamente concluídos.

iii. Concluindo o Tribunal “a quo” que tais documentos não têm força executiva, decidiu pela procedência da oposição à execução determinando, em consequência, a extinção da execução e o inerente levantamento das penhoras.

iv. Ressalvando-se o devido respeito pela opinião do Ilustre Julgador “a quo”, vem a Autora/Recorrente interpor recurso da Sentença proferida, porquanto crê que a sua decisão quanto à matéria de facto não tem qualquer apoio na prova documental produzida, não resultando a sentença da melhor interpretação da matéria assente e, consequentemente, da melhor interpretação da lei ao caso aplicável.

  1. Com o devido respeito, entende a aqui Recorrente que andou mal o Tribunal “a quo” quando decidiu pela falta de força executiva dos títulos apresentado à execução, pois que deveria a efectiva conclusão dos contratos ter sido dada como provada, uma vez que dos documentos juntos aos autos ficou inteiramente evidente que os contratos foram aceites, assinados, tendo em consequência, e em simultâneo, sido mutuado o valor solicitado pelo Recorrido.

    vi. E, bem assim, se concluindo pela força executiva dos documentos particulares dados à execução, sem necessidade de prova complementar, pois toda a prova produzida aponta em sentido contrário ao decidido, bem como as disposições legais aplicáveis.

    vii. Senão vejamos: da simples leitura de ambos os títulos apresentados à execução se conclui que estamos perante dois contratos de mútuo, nomeadamente contratos de crédito pessoal, celebrados entre o mutuante, aqui Recorrente, e os mutuários, sendo um deles aqui Recorrido.

    viii. Tais contratos preenchem em toda a sua essência o disposto na redacção anterior da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do C.P.C., consistindo em documentos particulares, assinados pelos devedores, que importam a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinado nos termos do anterior artigo 805.º do C.P.C.

    ix. Razão pela qual não compreende a aqui Recorrente como pôde vir o Executado arguir a inexistência e/ou inexigibilidade do aqui título executivo, e até o Tribunal “a quo” decidir pela falta de força executiva de tais documentos particulares.

  2. Nos presentes autos a obrigação/dívida é, “ab initio”, certa, exigível e líquida, estando reunidos os requisitos da obrigação exequenda.

    xi. Toda a execução tem por base um título que, além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos, conforme...

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