Acórdão nº 150/12.0EACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução17 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, os arguidos A..., Lda, NIPC (...), com sede na (...), Ansião B...

, filho de (...) e de (...), natural de (...), nascido a 31.05.1958, divorciado, empresário, residente na (...), Vale Mosteiro, e; C...

, filho de (...) e de (...), natural de (...), Covilhã, nascido a 30.07.1977, casado, chefe de loja, residente da (...), Avelar; imputando-se-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação praticado por negligência, previsto e punido: - Quanto à sociedade arguida, pelos artigos 3.º, 7.º e 35.º, nºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01; - Quanto ao arguido B... pelos artigos 2.º e 35.º, nºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01; e - Quanto ao arguido C... , pelos artigos 2.º e 35.º, n.ºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença de 13 de Fevereiro de 2013, decidiu julgar a acusação pública procedente, por provada e, em consequência: - Condenar a arguida A... , Lda, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros), o que perfaz a quantia global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação – nos termos conjugados dos arts 3º, 7º e 35º, nºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01 - Condenar o arguido B... na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €7,5 (sete euros e cinquenta cêntimos) – o que perfaz a quantia de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) – pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação p. e p. pelos arts. artº 2º e 35º, nºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01.; e - Condenar o arguido C... na pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros) – o que perfaz a quantia de €1.560,00 (mil quinhentos e sessenta euros) – pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de especulação p. e p. pelos arts. 2º e 35º, nºs 1, al.c), e 3, 4 e 5 do DL 28/84, de 20.01.

Inconformados com a douta sentença dela interpuseram recurso os arguidos “ A... , Lda”, B... e C... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.° Efectivamente, duvidas não restam que no seguimento de uma acção inspectiva foram detectados dois produtos cujo preço afixado no linear não correspondia ao preço que passava na caixa, o Bloco Sanitário Deo Liq Fresh 50 M WC Pato estar marcado com o preço de 2,59€ e passar na caixa a €2,69, e o Lipton Ice Tea Pêssego, 11, estar marcado no linear a 1,14€ e passar na caixa a 1,19, pelo que desde logo, há uma questão que tem que se colocar: 2.° De quem é essa responsabilidade? 3.° Entende o Tribunal a quo que a responsabilidade é do sócio-gerente da empresa, o arguido B... e do responsável de loja, o arguido C... .

  1. Mas estará esta interpretação correcta, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento e supra descrita? 5.° Não será a responsabilidade dos trabalhadores das respectivas secções que sabem quais as funções a desempenhar quando cessa uma promoção? 6.º Ouvimos as testemunhas D... , E... e F... , dizer que não é o sócio gerente que anda na loja a confirmar o trabalho dos trabalhadores, por não ser essa a sua função, e que é impossível ao responsável de loja, C... , verificar todos os preços.

  2. Se, efectivamente, no que respeita ao arguido C... , alguma responsabilidade lhe podia ser imputada, o mesmo não se pode entender relativamente ao arguido B... .

  3. Face ao exposto, nunca o arguido B...

    devia ter sido condenado pela prática de um crime de especulação porquanto, 9.º Formulando o juízo normativo de negligência, inicialmente referido no presente Recurso, designadamente, por comparação da conduta que devia ser adoptada por um homem razoável e prudente, munido dos conhecimentos do agente e colocado na sua posição, e a conduta que este efectivamente adoptou, não seria exigível ao arguido a verificação da conformidade dos preços afixados de todos os produtos à venda no estabelecimento.

  4. Entendendo-se em consequência, inexistir qualquer violação do dever objectivo de cuidado ao arguido, devendo, igualmente, entender-se pela inexistência de crime, considerando a impossibilidade de identificar a quem em concreto caberia aquela tarefa de verificar os preços e alterá-los.

  5. A mesma argumentação vale para o arguido C...

    , se bem que, no que respeita a este arguido, entendendo-se, no limite, que por ser responsável de loja sempre teria alguma responsabilidade no controlo do desempenho das funções dos colegas de trabalho, apesar de ter resultado provável que esse controlo é impossível, nunca o mesmo deveria ter sido condenado, havendo o instituto da suspensão provisória do processo que satisfaria as necessidades em apreço, ou ainda no limite, sendo bastante para as necessidades de prevenção que geral e especiais, in casu, a admoestação.

    Termos em que e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo os arguidos B... , C... e A... , Lda, serem absolvidos pela prática do crime de especulação em que foram condenados por não o terem praticado, sendo certo que, relativamente ao arguido C... , a entender este Tribunal ad quem, que de facto lhe assistiria sempre um dever de cuidado que o mesmo violara, a pena não pode nunca ser deixar de a Admoestação, sempre se entendendo que ao caso, no limite, caberia a suspensão provisória do processo, só se assim se logrando fazer a Acostumada Justiça! O Ministério Público na Comarca de Ansião respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados Da acusação: 1º) - No dia 23 de Julho de 13, pelas 14h30, no supermercado Intermarché de Ansião, sito na (...), Ansião, propriedade da firma A... , Lda, estavam expostos, entre outros, os seguintes produtos: - duas unidades de Bloco Sanitário Deo Liq Fresh 50M WC Pato, marcado com o preço de venda ao público de €2,59 cada; - catorze unidades de Lipton Ice Tea Pêssego, 1L, marcado com o preço de venda ao público de €1,14 cada.

  6. ) - No entanto, o preço que era cobrado na caixa registadora a quem adquirisse tais produtos era: - €2,69 quanto ao Bloco Sanitário Deo Liq Fresh 50M WC Pato; e - €1,19 quanto ao Lipton Ice Tea Pêssego, 1L.

  7. ) - A etiqueta do preço do Bloco Sanitário WC Pato Fresh foi emitida em 11.01.2012, correspondendo a um período promocional entre 11.01.2012 e 17.01.2012. A partir de 18.01.2012 o preço de tal produto passou a ser €2,69.

  8. ) - Desde 17.01.2012 e até à data da inspecção, 25.07.2012, foram vendidas nove unidades daquele produto, o que corresponde a um proveito de €0,90.

  9. ) - A etiqueta do preço do Lipton Ice Tea Pêssego, 1L foi emitida em 11.07.2012, correspondendo a um período promocional entre 11.07.2012 e 17.07.2012. A partir de 18.07.2012 o preço de tal produto passou a ser €1,19.

  10. ) - Desde 18.07.2012 e até à data da inspecção, 25.07.2012, foram vendidas catorze unidades, o que corresponde a um proveito injustificado e abusivo de €0,70.

    Perfaz, assim, o total de €1,60 (um euro e sessenta cêntimos) o valor recebido pelos arguidos, no referido período, para além daquele que devia ter sido, efectivamente, recebido.

  11. ) - Na data supra referida os fiscais adquiriram aleatoriamente dez produtos naquele estabelecimento: em dois destes os preços expostos eram diferentes dos cobrados em caixa e, em ambos os casos o preço cobrado em caixa era superior ao exposto.

  12. ) - Tais factos ocorreram por não se encontrar implementado um sistema claro, eficaz e seguro de alteração de preços. O sistema existente permite que os preços sejam alterados em caixa sem que sejam alterados nas respectivas prateleiras e sem que haja confirmação dessa alteração no expositor. É impossível identificar o sujeito que alterou e/ou devia ter alterado os preços, porquanto não há qualquer registo dessa acção/omissão, e existe uma deficiente fiscalização e controle dos preços expostos/cobrados por parte dos responsáveis pelo estabelecimento: o gerente e Encarregado de Loja.

  13. ) - Durante o período de tempo supra referido B... era o único gerente da sociedade arguida A... que explorava o estabelecimento comercial em questão, tendo sempre agido em nome e no interesse desta bem como no seu próprio interesse.

  14. ) - C... , por seu turno, era trabalhador da sociedade arguida A... , com a categoria de Encarregado de Loja B, sendo assim o trabalhador a quem competia, com a necessária autonomia, gerir e dirigir aquela unidade comercial.

  15. ) - Ao actuar da forma descrita, agiram os arguidos B... e C... de forma livre, voluntária e consciente, em seu nome e em representação da sociedade arguida, e/ou por conta desta, bem sabendo que o sistema por si implementado para a actualização do preço dos produtos vendidos naquele estabelecimento era um sistema inadequado que permitia que o preço cobrado em caixa fosse superior ao exposto, porquanto a alteração se produzia de forma automática a partir do momento em que eram emitidas novas etiquetas sem exigir qualquer confirmação de que estas se encontravam afixadas. Sabiam ainda que de acordo com o sistema implementado não é sequer possível apurar quem foi o funcionário que colocou as novas etiquetas e que, além do mais, inexiste qualquer funcionário que verifique e fiscalize se os preços expostos são os...

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