Acórdão nº 92/13.2TAVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução17 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal: No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido: A...

, casado, nascido a 11/09/1960, filho de (...) e de (...), natural de (...), em Vouzela, residente no (...), em Vouzela; Sendo decidido: Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º/1, 145.º/1, a) e n.º 2 e artigo 132.º/2, a), todos do Código Penal, na pena de prisão de 11 (onze) meses, substituída pela pena de multa de 85 (oitenta e cinco) dias à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, num total de € 510,00 (quinhentos e dez euros); Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida B... parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento à referida ofendida, da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a data do notificação do arguido do referido pedido de indemnização civil e até efetivo e integral pagamento.

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por “C...” totalmente procedente, e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento da quantia de € 31,98 (trinta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a data da notificação do arguido do referido pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.

*** Desta sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objeto: I)O arguido vinha acusado por um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 143, n° 1, 145, n.º 1, al. a) e n.º 2 com referência à al. a) do n.º 2 do artigo 132, todos do Cód. Penal.

II) O presente recurso tem, assim, por objeto, a matéria de direito e de facto, no qual se pede a reapreciação da prova gravada, tendo como fundamentos a contradição insanável da fundamentação e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida.

III) Deve recorrer-se à legislação civil para determinar quem seja tal representante, como, de resto, é defendido pelo Prof. Figueiredo Dias in "Direito Penal Português - As Consequências do Crime", pg. 1082, para o qual o representante legal se "determina exclusivamente segundo as regras do direito civil".

IV) nos casos em que o exercício das responsabilidades parentais se encontra atribuída a ambos os progenitores, como o caso, a representação dos menores compete aos dois progenitores - art. 1878, n° 1 do Cód. Civil.

  1. Ora, a apresentação de uma queixa-crime em nome do filho, por tal ato implicar a abertura de um processo judicial em que o menor é um dos intervenientes, não pode deixar de ser vista como uma "questão de particular importância", sendo, por isso, uma questão que carece de ser exercida por comum acordo.

    VI) Porque a queixa constitui uma manifestação de vontade através da qual o sujeito passivo do crime remove um obstáculo à promoção do processo criminal, sendo que no caso dos autos, como adiante se há de ver, dependia de queixa, entende o recorrente que a ofendida não está representada nos autos, carecendo de legitimidade para, só por si, apresentar a queixa criminal contra o arguido, seu pai, aqui recorrente.

    VII) Foram violados os artigos 113 do Cód Penal, 1878 e 1902 do Cód. Civil.

    VIII) Não se mostra produzida qualquer prova que demonstre terem os factos ocorrido quer no dia constante da acusação - 21 de Setembro de 2013, quer no dia constante da sentença proferida- 20 de Setembro de 2013.

    IX) Há, de resto, quanto a esse facto, uma enorme contradição da sua fundamentação.

  2. Pois se para a ofendida, terá sido "Para aí Outubro, Novembro ... (Gravação entre os minutos 02:28 e os minutos 03:40 do depoimento, conforme ata da audiência), XI) Para a testemunha D..., "Isso já foi, já foi a começar o Inverno, estava a chover, sei lá, fins de Setembro, princípios de Outubro."(Gravação entre os minutos 16:03 e os minutos 17:08 do depoimento, conforme ata da audiência).

    XII) Da prova produzida, temos que, em nosso modesto entender, o facto praticado pelo arguido não poderia preencher o tipo legal de crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi, efetivamente, condenado.

    XIII) É o que resulta, designadamente, das declarações da testemunha D...: "eu não lhe posso dizer se ele realmente deu para dar mesmo na B... ou se ele queria atingir-me a mim e como a B... era mais pequenina, caiu na B..., não posso dizer, porque eu também não sei o pensamento dele.

    Naquele momento, ele até podia estar querer reagir atirando o comando a mim, mas como eu era mais alta e a B... era mais pequenina, que desse à B...

    , também não posso dizer se ele foi mesmo com aquela intenção de bater à menina ..." (Gravação entre os minutos 06:30 e os minutos 07:11 do depoimento, conforme ata da audiência).

    XIV) Há, assim, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer quanto à data, quer quanto ao ponto 7 da fundamentação, na parte em que fica provado que o arguido quis, como consegui, maltratar e molestar o corpo e a saúde da sua filha de 12 anos.

    XV) Como tal, o facto praticado pelo arguido não poderia preencher o tipo legal de crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi, efetivamente, condenado.

    XVI) Até porque não consta qualquer elemento que indique especial perversidade ou censurabilidade no facto, antes pelo contrário.

    XVII) O que existe é uma certeza de que o arguido estava embriagado e Naquele momento, ele até podia estar a querer reagir atirando o comando a mim, mas como eu era mais alta e a B... era mais pequenina, que desse à B...

    .

    XVIII) Assim, a prova produzida que sustentou a condenação do arguido no crime de que vinha acusado e nos pedidos de indemnização civil formulados impunham decisão diversa da que veio a ser proferida.

    XIX) Sendo que, em caso de se entender haver prova, nunca seria para condenação do arguido pelo crime agravado.

    XX) No entanto, entendemos que a falta de sustentação da prova produzida, teria de conduzir à absolvição do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

    Deve ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido do crime de que vinha acusado.

    Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui: 1. Por decisão proferida em 17 de Fevereiro 2014 o arguido A... foi condenado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de prisão de 11 (onze) meses, substituída pela pena de multa de 85 (oitenta e cinco) dias à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, num total de € 510,00 (quinhentos e dez euros) e no pagamento à ofendida B... da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de indemnização civil.

    1. Inconformado o arguido veio apresentar recurso, para além do mais, colocando em causa a legitimidade e titularidade do direito da queixa apresentada pela progenitora da menor B... e defendendo que os factos pelos quais foi condenado não consubstanciam a prática do crime de integridade física qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal.

    2. Tal posição não merece contudo a nossa concordância.

    3. O caso dos autos reporta-se a um crime perpetrado pelo arguido contra a sua filha menor, B..., com 12 anos de idade.

    4. Determina o artigo 113, n.º 4 do Código Penal que se o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa, este pertence ao seu representante legal.

      6. Considerando que, nos termos do artigo 1881, n.º 1 do Código Civil, os pais são os legais representantes da menor, do cotejo deste preceito legal com o mencionado artigo 113, n.º 4 do Código Penal ter-se-á de concluir que os progenitores, enquanto seus representantes legais, poderão apresentar queixa em nome da sua filha.

    5. Contudo, se atentarmos na redação do artigo 113, n.º 4 do Código Penal - de forma diversa das correspondentes normas do Código Civil que usam o plural - este refere-se, ao representante legal, no singular, o que levará forçosamente a concluir que qualquer um dos progenitores terá legitimidade para, em nome da sua filha, apresentar queixa.

    6. Por este facto, os escopos do dever de punição do Estado e da proteção dos interesses do menor só serão alcançados no entendimento de que um dos progenitores, mesmo desacompanhado e contra a vontade do outro, nos termos previstos no art. 113 do Código Penal, tem legitimidade para exercer o direito de queixa em favor do filho de ambos e em sua representação.

    7. Acresce ainda que, ao contrário do entendimento do arguido Recorrente, a nosso ver, a factualidade pela qual o mesmo foi condenado consubstancia a prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal.

    8. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mostra-se indiscutível que o arremesso pelo arguido do comando de televisão na direção da cabeça da sua filha B..., que ao atingi-la lhe causou um hematoma e necessidade de tratamento médico no Centro de Saúde de S. Pedro do Sul, é ofensivo da sua saúde e do seu bem-estar, tanto que lhe causou as lesões evidenciadas no relatório médico que se encontra junto aos autos e que foram atestados por esta e pela sua mãe.

    9. Além disso, o arguido sabia que o facto praticado era proibido e atuou de molde a efetivá-lo, conhecendo a ilicitude e a censura da sua conduta, encontrando-se assim preenchido também o tipo subjetivo, na modalidade de dolo direto.

    10. Mais se diga que a conduta perpetrada pelo...

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