Acórdão nº 245/14.6TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução04 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos autos n.º 245/14.6TACBR.C1, da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – J1, finda a fase de Inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente aos crimes de difamação com publicidade e de devassa da vida privada, p. e p., respetivamente, pelos artigos 180º e 183º e 192º, nº 1, al. b), todos do C. Penal, imputados (de acordo com o despacho de arquivamento) pela assistente A...

a B... , determinando, em simultâneo, a notificação da assistente para, querendo, deduzir acusação particular contra os arguidos C... e D...

– [cf. fls. 254/256].

  1. Na sequência do que veio a assistente a apresentar acusação particular contra C... e D... , imputando-lhes a prática, em autoria, de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183º, nº 1, al. a), do C. Penal, no que foi acompanhada pelo Ministério Público – [cf. fls. 218 a 219; 223 a 224].

  2. Requereu, ainda, a assistente a abertura da fase de Instrução contra B... e «Legais Responsáveis da empresa proprietária da revista “ k...... ”», requerendo a respetiva pronúncia pela prática do crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal – [cf. fls. 247 a 252].

  3. Remetidos os autos ao Tribunal de Instrução, por despacho de 09.02.2015, a Mª JIC, considerando que o requerimento para abertura da Instrução, em relação «aos legais representantes da k...... », enfermava da nulidade, prevista no artigo 283º, n.º 3, ex. vi. do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, no que aos mesmos concerne, por inadmissibilidade legal da instrução, rejeitou-o, declarando, então, aberta a Instrução quanto à arguida B... – [cf. fls. 257 a 262].

  4. Também os arguidos C... e D... , notificados da acusação particular deduzida pela assistente, requereram a abertura da Instrução, o que foi admitido – [cf. fls. 285 a 294].

  5. Finda a Instrução, foi proferido despacho de não pronúncia quanto à arguida B... pela prática do crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, n.º 1, al. d), do C. Penal; Simultaneamente, foi declarada a «nulidade do despacho de fls. 255-256 no que respeita à acusação particular, bem como dos atos subsequentes a esta respeitantes (acusação particular e respetiva instrução)», e, com vista à sanação da dita nulidade, determinada a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público – [cf. fls. 336 a 353].

  6. Inconformados com a decisão na parte em que declarou a sobredita nulidade, recorreram os arguidos C... e D... , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: a) A assistente tinha a obrigação legal de identificar todos os agentes, incluindo o diretor da publicação, obrigação essa que não cumpriu, de todo, com o uso de uma expressão genérica e vaga como “responsáveis da revista k...... ”; b) Relativamente ao diretor, competia à assistente indicar e concretizar os factos praticados por este e que fundamentam a sua responsabilidade criminal (art. 243.º/1/a) do CPP), bem como todos os elementos necessários à identificação do agente (art. 243º/1/c) do CPP). Nenhum destes requisitos formais que a denúncia tenha que conter obrigatoriamente, por forma do disposto no art. 246.º/3 do CPP, foram elencados pela assistente; c) A assistente tinha a obrigação legal de especificar a identidade do diretor e os factos praticados por este que fundamentam a sua responsabilização e não o fez, incumprindo, desta forma, o art. 243º/1/a) e c) do CPP. Além de não o ter feito, utilizou uma fórmula genérica e vaga em que cabe lá todos os que trabalham nessa revista. E esta fórmula genérica, por violar a norma supra referida, não pode ter qualquer efeito processual, ou seja, da mesma não se pode retirar que houve o correto exercício do direito de queixa, sendo uma denúncia inexistente, do ponto de vista jurídico-processual penal; d) A Exma. Sr.ª JIC, ao afirmar que houve denúncia apresentada contra o diretor, porque tal fórmula genérica abrange, o cargo de diretor, realiza um exercício de interpretação extensiva que é ilegal, por violação dos requisitos formais previstos no art. 243º/1/a) e c) do CPP e absurdo, extravasando até os poderes concedidos ao JIC, na medida em que se dá ao luxo de “entrar na cabeça” da assistente para determinar qual o sentido da expressão vaga e genérica que esta usou na denúncia; e) Discordamos, pois, da interpretação dada pelo tribunal a quo no sentido de que, de forma indireta, dir-se-ia mesmo enviesada, foi apresentada queixa-crime contra o diretor da publicação. Não foi! E devia tê-lo sido feito, até porque, como se disse, a denúncia foi elaborada por alguém que, por dever de ofício, tinha a obrigação de apresentar queixa também contra o diretor da publicação; f) Consequentemente, é de concluir que houve, da parte da assistente, uma renúncia ao direito de queixa contra o diretor da publicação, renúncia essa que aproveita a todos os restantes arguidos, nos termos do disposto no art. 115.º/3, 116.º/3 e 117.º, todos do CP; g) Entendendo-se, tal como defendem os arguidos, de que não houve o exercício correto, por parte da assistente, do direito de queixa contra um dos co-responsáveis do texto objeto dos presentes autos, deve a decisão instrutória ser revogada e, consequentemente, o TIC deverá se pronunciar sobre os efeitos da não apresentação de queixa-crime contra o diretor da publicação, relativamente aos demais arguidos; h) Relativamente à nulidade de inquérito, invocada pela Exma. Sr.ª JIC, sempre se dirá que tal nulidade, expressamente prevista no art. 119.º/c) do CPP, diz respeito apenas à ausência total de atos de inquérito, ausência total de atos que, objetivamente, inexistiu nos presentes autos, na medida em que o MP procedeu a atos de inquérito. Consequentemente, inexiste fundamento para a alegada nulidade e, assim sendo, deverá o tribunal ad quem revogar o despacho de reconhecimento de nulidade objeto do presente recurso; j) De facto, nada impedia, do ponto de vista processual, a assistente acusar o diretor da publicação, mesmo que este não tenha sido constituído arguido na fase de inquérito. O art.º 57.ªº/1 do CPP permite essa acusação e essa situação; k) Por outro lado, estamos na presença de um crime de natureza particular, razão pela qual o despacho de fls. 255-256 não vincula a assistente. Estes, nos crimes particulares, são livres na elaboração da acusação e relativamente a quem acusam, pelo que o conteúdo de tal despacho, proferido pelo MP, não é condicionante ou vinculativo do conteúdo da acusação a ser apresentada pela assistente; l) Mesmo que assim se não entenda, certo é que a assistente, face à alegada insuficiência do despacho de fim de inquérito proferido pelo MP, podia e devia ter reagido contra o mesmo e em sede própria, quer através de intervenção hierárquica (art. 278º do CPP), reabertura do inquérito (art. 279º do CPP) ou abertura de instrução (art. 286.º e segs. do CPP9, o que não fez; m) Relativamente à impossibilidade de acusar alguém que não foi sujeito a inquérito, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que não existe qualquer impedimento prático ou processual para o fazer. E assim é na medida em que a responsabilidade criminal do diretor resulta diretamente da Lei de Imprensa e, consequentemente, nada obstava a que a assistente acusasse o diretor da publicação com base nesse facto, tal como a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem vindo a defender; n) A assistente podia e devia ter acusado o diretor da publicação de responsabilidade criminal, conjugando o disposto no art. 19.º/1 e 20.º/1/a), com o art. 31.º/3, todos da Lei de Imprensa, tal como a grande maioria da jurisprudência dos nossos tribunais superiores defende; Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação interposto pelos arguidos, revogando-se a douta decisão recorrida no sentido de: a) Reconhecer a inexistência de queixa apresentada contra o diretor da publicação, remetendo-se os presentes autos para o TIC, a fim deste tribunal aferir quais os efeitos processuais de tal inexistência de queixa sobre os restantes arguidos; e b) Revogar a decisão que reconhece a existência de nulidade de inquérito e ordena a remessa dos autos para os serviços do MP, a fim de tal nulidade ser suprida; assim se fazendo a costumada e sã Justiça! 8. Por despacho de 11.05.2015, foi o recurso admitido.

  7. Ao recurso respondeu a Ilustre Procuradora da República, defendendo, por via da inverificação, no caso, da nulidade prevista na alínea d) do artigo 119º do CPP - sendo certo que a falta de constituição como arguido do diretor da revista, não impedia a assistente de contra o mesmo deduzir acusação particular e, não o tendo feito, tal omissão aproveitaria aos recorrentes -, a extinção do procedimento criminal contra os arguidos/recorrentes.

  8. Também a assistente respondeu ao recurso, refutando, em síntese, toda a argumentação vertida no requerimento recursório, concluindo no sentido de lhe dever ser negado provimento.

  9. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando, em parte, os fundamentos do recurso e, bem assim, a resposta apresentada pelo Ministério Público, defendendo, assim, a respetiva procedência.

  10. Cumprido o...

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