Acórdão nº 12/11.9GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução16 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos, findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido A...

(melhor identificado nos autos), imputando-lhe a prática do crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.°, nº 1 e 2, 15.º, al. b) e 69.°, nº 1 al. a) do Código Penal e do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 255.°, al. b), ambos do Código Penal.

  1. Na sequência, o arguido requereu a abertura de instrução, defendendo a inexistência da prática de qualquer dos crimes e pretendendo a prolação, a final, de despacho de não pronúncia.

  2. Realizada a instrução, o Mmo Juiz proferiu decisão instrutória de não pronuncia do arguido por qualquer dos crimes por que tinha sido acusado, determinando o oportuno arquivamento dos autos.

  3. Não se conformando com esta decisão na parte respeitante à não pronúncia pelo crime de homicídio por negligência, os assistentes C... , D... , E... e F... , interpuseram recurso, concluindo a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I. Vem o presente recurso interposto pelos Recorrentes C... , D... , E... E F... da decisão instrutória proferida pelo J2 da Secção de Instrução Criminal – Instância Central, da Comarca de Leiria, que decidiu não pronunciar o arguido A... pelo crime de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.ºs 1 e 2, 15.º, al. b) e 69.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal (doravante designado, abreviadamente, por C.P.), por que vinha acusado. Entendem os Recorrentes que a decisão recorrida incorreu em erro de direito, tendo violado o disposto nos art.ºs 137.º, n.ºs 1 e 2, 15.º, al. b) e 69.º, n.º 1, al. a), todos do C.P., 283.º, nº 3, al. b), e 308.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (C.P.P.). Consideram os Recorrentes que a prova recolhida em sede de inquérito e produzida em instrução impunha uma pronúncia do arguido A... pelo crime por que vinha acusado, impugnando por isso no presente recurso, a matéria de facto.

    II. Considerou o Meritíssimo Juiz de Instrução, na decisão ora recorrida, que Face ao conjunto de indícios recolhidos no inquérito, que são substanciais e decorrentes de prova pericial, testemunhal e documental abundante e esclarecedora, apenas uma conclusão é legítima: o arguido circulava, dentro do limite de velocidade e em cumprimento das normas estradais; o piso estava em bom estado enquanto circulou na parte do IC 2 pertencente ao distrito de Coimbra; na fronteira deste com o de Leiria, sem que tal se mostrasse sinalizado ou fosse perceptível a quem conduzia, o estado do piso mudou de bom para quase ruinoso, sendo a transição feita numa irregularidade sensível; por via disso, embora tudo levasse a esperar tratar-se ponto seguro da via, não só pelo estado do piso até então, como pelo facto de se tratar de zona de aceleração, em subida, com duas faixas nesse sentido e com sinalização incentivadora de circulação entre os 60 e os 90 km/hora, o arguido foi surpreendido com a repentina falta de aderência do veículo ao pavimento, com despiste e perda de controlo do mesmo; o acidente tornou-se inevitável a partir daí. Numa imagem, o arguido passou de um piso normal para um verdadeiro ringue de patinagem; ao entrar aí sem “calçado” adequado, escorregou e seguiu desgovernado até parar por inércia, depois de embater em obstáculo. Mesmo que viesse a conduzir há três horas, que circulasse a 60 km/hora ou que fosse o mais concentrado dos condutores, as probabilidades de que o acidente ocorresse continuavam a ser enormes face ao estado do piso. Decisivamente, o arguido não tinha qualquer razão objectiva para conduzir de modo diferente do que fez, não podendo considerar-se indiciado que seguia desatento só porque o acidente ocorreu e outros que passaram na via seguiram incólumes. Tal implica que, não só não resulta indiciado parte substancial do comportamento negligente que a acusação imputa ao arguido, como resulta ao contrário fortemente indiciado que a conduta do arguido não foi adequadamente causal do despiste e subsequente acidente mortal para B.... O único nexo causal adequado para esse efeito que dos autos resulta suficientemente indiciado tem como causa o inaceitável estado do piso e a igualmente inadmissível falta de sinalização da existência de falta de condições mínimas para a circulação rodoviária em segurança. Resta pois, nessa parte, proferir despacho de não pronúncia (artigo 308º, n.º 1, do C. P. Penal).

    III. A fundamentação de facto exigível nos termos dos art.ºs 308.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, al. b), ambos do C.P.P. não foi cumprida na decisão instrutória, nomeadamente no que diz respeito aos factos constantes da acusação pública, os quais não se acham suficientemente indiciados.

    IV. Do teor do relatório final elaborado pelo OPC, da douta acusação pública e da própria decisão instrutória, ressalta o entendimento que o estado da via desempenhou um papel na ocorrência do acidente, circunstância a que os recorrentes não se opõem, mas não nos termos descritos na decisão recorrida, nem como único, ou até, primordial factor para a ocorrência do acidente.

    V. A conduta do arguido A... concorreu para a produção do acidente, porquanto este não adoptou as medidas que deveria ter adoptado: não é exigível que o arguido tivesse controlado o seu veículo logo depois de este entrar em despiste face às condições degradadas da via; todavia, algo mais que não apenas o estado degradado da via esteve na origem da perda de controlo do veículo, como consta aliás, a título introdutório, na decisão recorrida. “O que se discutiu no inquérito e volta a discutir-se na instrução tem que ver com a relação de causalidade que pode julgar-se indiciariamente estabelecida entre a ocorrência do acidente e os dois factores sempre considerados como relacionáveis com o evento: a conduta do arguido e o mau estado do piso.” VI. Era esse o objecto dos presentes autos e o Meritíssimo Juiz de Instrução não se debruçou sobre essa possibilidade; o juízo efectuado pelo Meritíssimo Juiz de Instrução é, no mínimo, falacioso: por considerar que a via estava em más condições, conclui que a conduta do arguido não pode ter tido qualquer relação causal com o acidente.

    VII. Esta fundamentação dos factos não indiciados, relativos à conduta do arguido, é manifestamente insuficiente e, por tal, a decisão instrutória é nula, por violar as disposições contempladas nos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, al. b), do C.P.P.

    VIII. O Meritíssimo Juiz de Instrução, na sua análise, erroneamente situou sempre o acidente que vitimou B... no limite dos distritos de Leiria e Coimbra, onde se fez a junção dos pavimentos resultantes das obras na IC2 (cfr. fls 215, 175 e última foto de fls 177); IX. Esse limite e junção de pavimentos, situa-se, porém, ao km 164,210. Porém, o acidente ocorreu ao km 163,993, portanto 217 metros depois desse local de confluência dos dois distritos (cfr participação de fls 31 e ss, croquis de fls 33 ou 188 e foto de fls 88 (onde se vêem ainda, além de outros, o carro da GNR e o camião do arguido, no local do acidente), a comparar com fotos de fls 215, 175 e última de fls 177); X. Nesse local de confluência de distritos e junção de pavimentos, efectivamente a IC2 apresentava irregularidades de piso nessa junção e a partir daí, numa extensão de 109 metros, a faixa da direita (tendo em conta o sentido N/S, que era o sentido de marcha do arguido) não tinha sido reparada convenientemente, apresentando rodeiras, e outras anomalias, bem visíveis mesmo através das fotos referidas nas als anteriores, alem de outras (cfr fls 215, 175 e última de fls 177); XI. Foi nesse local de confluência que o arguido entrou nessa faixa da direita e por ela circulou mais de 109 metros, até pretender ultrapassar a testemunha H... , que seguia à sua frente (cfr depoimento desta, a fls 147-1º Vol.); XII. Quando o arguido entrou nessa faixa da direita, o camião que tripulava seguia animado com a velocidade de 75 km/h, tendo o arguido já invadido essa faixa em “aceleração contínua” (cfr declarações do arguido de fls 327, 2º Vol); XIII. O arguido, que era à data motorista de pesados da empresa “ G... , Lda”, conhecia perfeitamente o local, porque aí passava com o «seu» camião regularmente e com frequência, até porque a sede daquela empresa, situada em Ourém, dista daí menos de 60 Kms; : o arguido, como condutor profissional que faz largas dezenas de viagens por ano, tendo sempre o mesmo ponto de partida e de chegada, que dista a menos de 60kms do local do acidente já teria, com toda a certeza, passado naquele local vezes suficientes para conhecer o estado da via. Mas ainda que assim não se entenda, então a conclusão tem que ser a contrária àquela que foi adoptada pelo Tribunal recorrido: se o arguido não conhecia a via, deveria, obrigatoriamente, ter adequado a sua condução às condições do piso, que se encontrava molhado, adequando a sua velocidade a esse estado do piso e ao facto de não conhecer a via.

    XIV. Na altura o piso estava molhado e escorregadio, em consequência da chuva que havia caído nesses dias, persistindo ainda chuviscos; XV. Nesse dia, 10 de Janeiro de 2011, o arguido havia iniciado a condução pela 01h05m em Espanha (00h05m, hora de Portugal), tendo conduzido toda a noite, e almoçou na zona de Anadia cerca de uma hora antes de entrar naquela faixa de rodagem da direita referida acima (cfr fls 2 do Apenso 1); XVI. O arguido estava de regresso a casa, que lhe ficava a escassas dezenas de kms, vindo duma longa viagem de vários milhares de kms, que fez à Bélgica, iniciada 7 dias antes, no dia 3 desse mês (cfr Apenso 1); XVII. A partir da junção dos pavimentos, logo após o entroncamento para Soure, embora tratando-se duma recta com visibilidade não inferior a 500 metros, a estrada tem no seu eixo uma dupla linha longitudinal contínua, e no sentido de...

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