Acórdão nº 675/12.8TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução06 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: * A...

, Lda intentou a presente acção com processo ordinário contra o Banco B...

, S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe: 15.435,27€ correspondente ao montante titulado por 20 cheques grosseiramente falsificados, acrescido dos respectivos juros legais; 25.761,94 €, respeitante aos juros, referentes a 24 cheques grosseiramente falsificados, contabilizados desde a data do seu depósito, até ao pagamento do valor titulado pelos mesmos efectuado pelo réu à autora a 15 de setembro de 2006; quantias estas acrescidas dos respectivos juros legais, após a sua citação, até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, o seguinte: que no exercício da sua atividade comercial recorreu aos serviços de C... que exerceu as funções de contabilista por sua conta entre 1999 e 2005, procedendo à organização da sua contabilidade, apurando, além do mais, os quantitativos que a Autora teria de pagar à Administração fiscal e Segurança Social, sendo que, com base nesse apuramento, a referida contabilista, solicitava à Autora, a emissão dos respectivos meios de pagamento, com vista a entregar esses valores à Administração Fiscal e Segurança Social; nestes termos, foram sacados pela Autora, variadíssimos cheques sobre a conta n° (...) , do B... , agência de S. Martinho do Bispo, de que era titular, nos montantes indicados pela sua Contabilista, e a esta entregues para que os remetesse ou entregasse às respectivas entidades; todavia, a referida Contabilista, uma vez em poder dos cheques, começou a fazer seus, os seus quantitativos, não os fazendo chegar às entidades deles beneficiárias, como devia e lhe era solicitado pela Autora, mas sim depositando-os nas suas contas bancárias pessoais; junto do B... , onde possuía conta à ordem sob o n° (...) , verificou, também, que variadíssimos cheques que entregou à sua contabilista nos montantes por esta indicados, para proceder ao pagamento das suas obrigações tributárias, foram indevidamente pagos à própria àquela; a dita contabilista alterava os cheques mudando pelo seu próprio punho as iniciais dos nomes a favor de quem tais cheques eram emitidos pelas do seu nome, alterações que eram facilmente percetíveis para qualquer pessoa, pois mudava as letras das siglas das entidades, à ordem das quais tais cheques eram emitidos, DGT, CTT e IGFSS, para as iniciais do seu nome F.D.G.R.

Tendo a ora Ré reconhecido o seu erro e a sua responsabilidade, e procedido ao pagamento à Autora de 24 dos 47 cheques falsificados, mas sem juros, reclama da Ré o valor titulado por 20 cheques, grosseiramente falsificados, e ainda não pagos por esta à Autora, na quantia de 15.435,27€; e, ainda, os juros de mora calculados à taxa legal de 4%, sobre cada um dos 24 cheques, já pagos pela Ré à Autora, desde a data do depósito dos mesmos até à data do seu pagamento pela Ré à Autora, que ocorreu a 15 de Junho de 2006, oportunamente reclamados e ainda não pagos.

Contestou a R. alegando, em resumo: que os referidos cheques foram apresentados a pagamento em Agências da E... e do F... , pelo que, estas Instituições bancárias assumiram assim a posição de Bancos tomadores; como tal, só elas são responsáveis pelo pagamento do cheque e pela inobservância de qualquer disposição legal emergente da verificação da regularidade dos endossos; além disso, a Autora não consultava nem conferia os seus extractos bancários, remetidos mensalmente pelo Banco Réu, onde, certa e facilmente a mesma poderia confirmar as contas em que os montantes titulados nos cheques foram depositados, pelo que a Autora foi omissa nos deveres de diligência que a um normal gerente se imputam; que o B... nunca reconheceu qualquer erro ou responsabilidade, já que, não foi o aqui Réu que procedeu ao pagamento à Autora da supra referida quantia de 116.927,88 € mas o Banco tomador F... , que reconheceu o erro, responsabilizando-se pelo pagamento do valor dos 24 cheques, tendo esta instituição bancária creditado na conta da Autora, domiciliada no B... , quantia de 116.927,88 €.

Requereu a intervenção principal provocada dos Bancos F... e E... .

A AA. replicou pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela ré.

Foi indeferida a intervenção principal e proferido despacho saneador, com a selecção dos factos assentes e controvertidos, sem quaisquer reclamações.

Após julgamento, foi proferida sentença que culminou assim: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condeno a ré no pagamento das seguintes quantias: € 14.217,97 correspondente ao montante titulado por 18 cheques grosseiramente falsificados, acrescido dos respetivos juros legais contabilizados desde a data do seu depósito até à data da propositura da ação e após a citação até efetivo pagamento; € 25.761,94 € respeitante aos juros referentes a 24 cheques grosseiramente falsificados, contabilizados desde a data do seu depósito, até ao pagamento do valor titulado pelos mesmos efetuado à autora a 15 de setembro de 2006.

No mais absolvendo a ré do pedido.

Custas a cargo da autora e da ré na proporção do respetivo decaimento.” É desta sentença que a Ré traz o presente recurso, cuja alegação termina com as conclusões que se transcrevem: “A. O presente recurso tem por objecto a alteração de uma decisão que condenou o banco sacado pelo pagamento de cheques pagos na compensação e que se vieram a apurar terem sido falsificados no campo do beneficiário.

  1. No caso de pagamento de cheque através da compensação, o portador e beneficiário do cheque obtém o pagamento através de moeda escritural, vendo creditada a sua conta na importância que lhe corresponde por via de uma operação de liquidações recíprocas e encontro de contas entre bancos: a compensação, operada no banco de Portugal [cfr. n.º 2.1, alínea a) do SICOI].

  2. O controlo da regularidade do saque dos cheques, com um determinado montante máximo (estabelecido pelo Banco 5 Cfr. Fernando J. Correia Gomes, Op. Cit., p. 19, nota (31) de Portugal e comunicado aos bancos sob supervisão), não é viável, se os cheques estiverem sujeitos a truncagem ou retenção, caso em que o depositário apenas apresenta na compensação uma lista de cheques nele depositados e que se compromete a conservar, identificando o respectivo sacador e conta e dando a conhecer o montante sacado.

  3. A truncagem impede o sacado de efectuar a verificação da assinatura do sacador, relativamente aos cheques depositados em instituições de crédito diferentes da sacada.

  4. Por via do princípio da truncagem, os títulos que reúnem determinadas condições não circulam fisicamente entre as instituições de crédito: é o caso dos cheques de valor inferior a 10.000,00.

  5. Truncagem significa eliminação de parte de um todo, o que, no caso da telecompensação, significa que parte dos títulos compensados não circulam fisicamente, i.e., não vão ao balcão onde está constituída a respectiva relação de provisão.

  6. Os bancos, sob instruções da autoridade de supervisão (o Banco de Portugal) encontram-se dispensados de apresentar, na compensação, imagens dos cheques de valor igual ou inferior ao montante de truncagem acordado pelo sistema bancário, desde que tais cheques não sejam visados (cfr. Reg. Do SICOI, n.ºs 14.1, alínea a), e 19.4) [cfr. o novo SICOI, aprovado pela Instr. N.º 3/2009].

  7. No entanto, o banco depositário – que se encarrega da cobrança – deve actuar com diligência e proceder a uma cuidadosa apreciação formal do cheque, verificando se este está completo e se encontra devidamente preenchido, nomeadamente se não há preterição de requisitos essenciais, se as transmissões de que foi objecto se processaram de forma aparentemente regular e se o cheque não foi rasurado.

    I. O banco depositário (ou participante apresentante) “leva o cheque” – ou, se sujeito à truncagem, a indicação do respectivo valor e dados (constante do chamado “registo lógico”) – à câmara de compensação, por conta do seu cliente, para, em encontro de contas com o banco sacado (participante receptor), receber a respectiva importância, que deverá creditar na conta do cliente (depositante e último titular do cheque).

  8. O banco sacado limita-se a cumprir a instrução que lhe é transmitida, procedendo com a diligência que a uma entidade com a sua capacidade profissional e económica é legal e socialmente exigível.

  9. Embora o Regulamento do SICOI não constitua fonte de direito vinculativa para o Tribunal não pode o mesmo para efeitos de verificação de conduta culposa (no sentido de que age com culpa aquele que adopta conduita merecedora de reprovação ou censura do direito) deixar de ser tido em conta em todo o processo de formação da decisão com vista à formulação ou não desse juízo de reprovação ou censura.

    L. Por outro lado, não pode o banco réu ser penalizado por participar no sistema de pagamentos regulado pelo Banco de Portugal que, não esqueçamos, é a sua entidade supervisora e reguladora da sua actividade.

  10. Pelo que não pode colher o raciocínio de que a participação do banco réu no SICOI equivale à prática intencional de omissão de um dever de fiscalização para efeitos de apreciação da culpa.

  11. Esta asserção equivale a aplicar a responsabilidade objectiva ou pelo risco ao banco réu, o que está vedado, pois a existência da convenção de cheque não o permite, impondo a aplicação do regime da responsabilidade contratual e, por conseguinte, a apreciação do pressuposto da culpa.

  12. Na verdade, ao dar como provada a matéria constante dos artigos 22.º e 31.º, e, correlativamente, imputar ao banco réu o comportamento omissivo / negligente que integra a aludida factualidade, o Tribunal a quo olvida o teor do depoimento da testemunha Carlos José Gomes Calado Pires, P. Verificando os montantes de cada um dos cheques enunciados na matéria de facto dada como provada, temos que, todos são inferiores ao montante da truncagem, pelo que o banco réu não viu o campo do beneficiário.

  13. Nem lhe foi possível ver.

  14. Assim, como se poderá imputar ao banco...

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