Acórdão nº 2996/12.0TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
O autor, J…, impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença do Sr. Juiz de Círculo da Figueira da Foz, que julgando improcedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, que propôs contra o Banco A…, – na qual pede a condenação deste a creditar e a disponibilizar imediatamente a quantia de € 150.000,00, objecto do contrato de mútuo e consequentemente creditada na conta de depósito à ordem nº … e a indemnizá-lo de por todos os prejuízos que venham a decorrer da eventual situação de incumprimento do contrato-promessa – absolveu o último do pedido.
O apelante – que pede no recurso que a sentença recorrida seja declarada nula e de nenhum efeito e, por conseguinte, essa mesma sentença recorrida seja revogada e, consequentemente, o R./recorrido ser condenado a restituir ao A./recorrente a quantia de 150.000,00€ acrescida de juros à taxa legal desde a data de citação até integral pagamento, objecto do contrato de mutuo, creditando esse montante na conta de depósitos à ordem nº … em nome do A./recorrente, sem qualquer limitação, porquanto se havia apropriado indevidamente desse montante - encerrou a sua alegação com estas conclusões: … O apelante ofereceu, com a alegação, dois documentos, cuja junção o Sr. Juiz de Direito - por decisão, que não foi objecto de recurso nem de reclamação, proferida para a acta da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 20 de Janeiro de 2014, em que se encontrava presente o Exmo. Mandatário do recorrente – não admitiu.
Na resposta ao recurso, a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.
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Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
… 2.3. O Sr. Juiz de Direito especificou, como fundamentos que foram decisivos para a sua convicção sobre a prova ou falta de prova dos factos referidos em 2.1.1. e 2.1.2., os seguintes: … 3.
Fundamentos.
3.1.
Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente, expressa ou tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
O recurso ordinário de apelação é, por regra, um recurso de reponderação – e não de reexame – dado que visa apenas reapreciação da decisão proferida, pelo que, em regra, a Relação não pode ser chamada a pronunciar-se sobre pedidos que não foram formulados na instância recorrida.
Como o pedido – e a causa petendi - só podem ser modificados na 2ª instância no caso de haver acordo das partes – eventualidade mais que rara – o recurso interposto para a Relação visa reapreciar o pedido formulado na 1ª instância, com a matéria nela alegada.
Sublinha-se este ponto, dado que o recorrente formulou, na instância de recurso, um pedido novo - o de condenação da apelada nos juros contados – sobre a quantia de € 150 000,00 – desde a citação – pedido que não deduziu logo na instância recorrida.
E tratando-se de um pedido novo, ele não constitui objecto admissível do recurso, pelo que, ainda que este deva proceder, está inteiramente excluída a condenação da apelada naquela indemnização moratória.
A causa petendi alegada pelo recorrente como fundamento do direito à entrega da quantia de € 150.000,00, objecto do contrato de mútuo, e à reparação do dano decorrente da violação da prestação de facto jurídico positivo que para ele decorre do contrato promessa de compra e venda que concluiu com terceiros, bem pode resumir-se assim: a quantia mutuada pela apelada tinha por finalidade o financiamento de investimentos em bens imóveis; todavia, o mutuante, depois de ter tornado indisponível tal quantia, afectou-a ao pagamento de débitos, tanto do recorrente com da sociedade unipessoal de que é sócio gerente; a indisponibilidade do dinheiro emprestado importa o não cumprimento daquele contrato promessa, com perda do sinal traditado e sujeição do apelante à pena nele convencionada.
A apelada defendeu-se com a alegação de que o mútuo tinha por objectivo um operação de restruturação financeira, solicitada pelo apelante, para regularização dos débitos, tanto do recorrente como da sua da empresa, para consigo.
Sujeitos, uns e outros factos, ao exercício da prova, a sentença impugnada convenceu-se da veracidade dos que foram alegados pelo apelado – e pela irrealidade dos invocados pelo apelante - e, em estrita coerência, desamparou a pretensão de reembolso e de reparação do dano formulada pelo autor.
Mas esta conclusão, sustenta o apelante, deve-se a um lamentável error in iudicando, por erro na valoração da prova, em que incorreu o decisor da 1ª instância, já que numa sã e prudente avaliação daquela prova há que julgar provados os factos 1, 2, 6, 8, 9, 10 e 19 – declarados não provados – e, inversamente, julgar não provados os factos 6, 17 a 19, 22 a 24 – declarados provados.
Maneira que, em face do conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se: a) A sentença impugnada se encontra ferida com o vício da nulidade substancial, por falta de fundamentação, obscuridade e ambiguidade que tornam a decisão ininteligível, omissão e excesso de pronúncia; b) O decisor de facto da 1ª instância incorreu, na decisão da matéria de facto, num error in iudicando, por erro na avaliação ou aferição da prova documental, e se aquela mesma decse aquelaa prova documental;cando, por erro na avaliaç 2.1. para a sua convicç. cçisão deve ser cassada por contradição entre alguns dos pontos de facto; c) Uma vez corrigido, em consequência da reponderação das provas, o erro de julgamento dos factos materiais da causa, se a sentença deve ser revogada e logo substituída por acordão que julgue a acção procedente.
A resolução destes problemas reclama, naturalmente, o exame, ainda que leve, das causas de nulidade da decisão e dos parâmetros dos poderes de controlo desta Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância.
Previamente, contudo, há que resolver uma outra questão: a da admissibilidade da junção dos documentos que o apelante apresentou com a sua alegação.
3.2.
Junção de documentos.
O apelante ofereceu com a sua alegação dois documentos, produzidos pelo Banco de Portugal - o mapa da centralização responsabilidades de crédito relativas ao recorrente, relativo a Julho de 2008, e a respectiva nota explicativa – para prova de que não existiu qualquer pedido de restruturação financeira e que em Julho de 2008 não existia qualquer situação de incumprimento do autor para com o réu.
Qualquer destes documentos foi oferecido pelo recorrente logo na instância recorrida, mas a sua junção não foi admitida por decisão de 20 de Janeiro de 2014, que não foi objecto de recurso nem de reclamação e que, por isso, transitou em julgado (artº 628 nº 1 do CPC). Realmente, aquela decisão, dado que rejeitou um meio de prova, era autónoma e imediatamente impugnável, através de recurso ordinário de apelação, a interpor no prazo de 15 dias, contado da sua notificação (artºs 638 nº 1, 2ª parte, e 644 nº 2, d), 2ª parte, do nCPC): não o tendo sido, passou em julgado.
E por força do caso julgado formal que se constituiu sobre a decisão de não admissão daqueles dois documentos, está irrepetivelmente decidido neste processo, que a sua junção não é admissível (artºs 619 e 620 do nCPC).
Todavia, mesmo descontando o trânsito em julgado da decisão que não admitiu, logo na instância recorrida, a junção daqueles documentos, a verdade é que a sua junção, na instância de recurso, sempre se deveria ter por inadmissível.
A junção de documentos na instância de recurso obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas[1].
Com as suas alegações do recurso de apelação as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes – i.e., cuja apresentação foi impossível até ao encerramento da discussão - ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artºs 425 e 651 nº 1, 2ª parte, do nCPC). Mas é claro que esta faculdade não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância[2].
A superveniência pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.
A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, i.e., alegando e demonstrando o carácter objectiva ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento.
No tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, já que isso abriria, de par em par, a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar – e provar[3] - a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ele é necessariamente superveniente. Todavia, mesmo nos casos em que o documento é objectivamente superveniente, deve exigir-se ao apresentante a prova de que a sua produção só foi possível depois do encerramento da discussão. Assim, por exemplo, se se junta uma certidão emitida depois do encerramento da discussão, deve reclamar-se do apresentante a prova de que pediu a...
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