Acórdão nº 435/12.6TTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório A autoridade recorrida condenou a recorrente, em cúmulo jurídico, na coima única de € 6.000, pela prática das seguintes infracções: a) contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 79º/1 e 171º/1 da Lei 98/2009, de 4/9 (LAT/09), 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros – processo 131100390; b) contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 215º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros – processo 131100392; c) contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 202º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros – processo 131100394; d) contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º/1/2 e 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros – processo 131100396.

Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, na sequência da qual foi proferida sentença que manteve integralmente a decisão da autoridade administrativa e a condenação da recorrente pela autoria daquelas contra-ordenações (fls. 370 a 381).

Mais uma vez inconformada, a arguida interpôs recurso para esta Relação, pugnando pela sua absolvição da autoria das contra-ordenações por cuja condenação se decidiu a primeira instância.

Apresentou para tanto as conclusões seguidamente transcritas: […] Neste tribunal da Relação, o Ministério Público entende que o recurso não deve ser conhecido ou deve improceder.

* II) Questões a decidir São as seguintes as questões a decidir no âmbito deste recurso: 1ª) se o recurso é admissível em toda a sua dimensão; 2ª) se a sentença padece do vício de erro notório de apreciação da prova; 3ª) se a decisão administrativa é nula por violação do direito de audiência e defesa da recorrente decorrente do facto se ter desconsiderado prova documental e testemunhal produzida pela recorrente com vista à demonstração da existência de um seguro de acidentes de trabalho que abrangia F...

; 4ª) se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que com o seu comportamento a arguida retirou para si benefício económico ou causou qualquer tipo de prejuízo ao trabalhador; 5ª) se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que está verificado o elemento subjectivo das contra-ordenações pelas quais a recorrente foi condenada e que ainda estão em consideração; 6ª) se a sentença recorrida é nula por ausência de fundamentação do nela decidido no sentido de que não deveria ser acolhido o entendimento da recorrente de que a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F...; 7ª) se a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F... ou se, tendo-a, violado é o princípio da separação de poderes e a competência reservada dos tribunais para qualificarem uma determinada relação como sendo de trabalho subordinado; 8ª) se a decisão administrativa é nula por violação do princípio da consumpção de infracções e do direito de oblação voluntária; 9ª) saber se a relação contratual entre F... e a recorrente era de trabalho subordinado; 10ª) saber se recorrente cometeu a contra-ordenação correspondente à falta de transferência para entidade legalmente habilitada da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem F....

* III) Fundamentação A) De facto.

Transcrevem-se de seguida os factos dados como provados no tribunal recorrido: […] * B) De direito Primeira questão: se o recurso é admissível em toda a sua dimensão.

Nos termos do disposto no artigo 49º/1/a da Lei 107/09, de 14/09, o recurso para a Relação só pode ser interposto se for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 Ucs; nos termos do artigo 49º/3 do mesmo diploma, se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a alguns dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.

Norma idêntica consta do artigo 73º/3 do RGCO (DL 433/82, de 27/10, na sua actual redacção).

Embora em cúmulo jurídico tenha sido aplicada à recorrente uma coima única de € 6.000, o facto é que o valor de cada uma das várias coimas concretamente aplicadas por referência às contra-ordenações graves (processos 131100392 e 131100394) não ultrapassou as 25 Ucs.

Considerando que os pressupostos necessários para a impugnação da decisão de 1ª instância para a Relação se devem verificar em relação a cada uma das infracções, tem de se concluir, no caso em apreço, pela inadmissibilidade do recurso em relação a todas as contra-ordenações relativamente às quais se fizeram corresponder coimas parcelares de valor inferior a 25 Ucs, que são aquelas pelas quais a recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido relativamente à matéria que estava em discussão nos processos 131100392 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 215º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros) e 131100394 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 202º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros).

Por outro lado, a recorrente não invoca em relação a essas concretas contra-ordenações qualquer circunstância que permitisse sustentar que a admissibilidade do presente recurso fosse manifestamente necessária para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformização da jurisprudência (49º/2 da Lei 107/09, de 14/09).

Como assim, em relação a essas contra-ordenações não deve tomar-se conhecimento do recurso.

+ Subsiste, como objecto do recurso, a matéria correspondente à contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 79º/1 e 171º/1 da LAT/09, 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros (processo 131100390), bem como à contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º/1/2 e 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros (processo 131100396).

* Segunda questão: se a sentença padece do vício de erro notório de apreciação da prova.

Comece por referir-se que o Tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contra-ordenação laboral, apenas conhece de direito, por força do disposto no art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9.

Ressalva-se dessa regra a apreciação oficiosa que o Tribunal da Relação deve levar a efeito dos vícios enunciados no art. 410º/2/3 do CPP, aplicável ex-vi dos arts. 41º/1 e 74º/4 do DL 433/82, de 27/10, na redacção do DL 244/95, de 14/9 – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95) que fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410º/2 do CPP, mesmo que o objecto do recurso se encontre limitado à matéria de direito.

Nos termos desse art. 410º/2/3: “2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.

3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

”.

Não sendo caso de aplicação do nº 3 acabado de transcrever, por não ter sido arguida pela recorrente, nem se vislumbrar, qualquer inobservância do tipo da nela enunciada, importa determinar se a sentença recorrida padece de algum dos vícios enunciados no transcrito nº 2.

Diga-se, antes de mais, que os vícios em questão não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art. 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.

Por outro lado, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito – v.g. acórdãos do STJ de 21/3/2013, proferido no âmbito da revista 321/11.7PBSCR.L1.S1, de 15/11/2012, proferido no âmbito da revista 5/04.2TASJP.P1.S1., de 8/11/2006, proferido no âmbito da revista 3102/06, de 5/3/97, BMJ 465º, p. 407, de 8/1/97, BMJ 463º, p. 189, de 11/6/92, BMJ 418º, p. 478, de 31/1/90, BMJ 393º, p. 333.

Trata-se de jurisprudência pacífica e consolidada, não se vislumbrando fundamento suficiente para dela divergir.

Cumpre, assim, exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, indagar se aquela decisão padece dos apontados vícios.

Comece por referir-se que este Tribunal não divisa qualquer regra de experiência comum que, conjugada com a sentença, permita concluir no sentido da verificação dos vícios em questão.

Lida a sentença recorrida, também não se descortina em que parte...

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