Acórdão nº 60/13.4PCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 60/13.4PCLRA.C1 do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, mediante acusação pública, foi submetido a julgamento o arguido A...
, melhor identificado nos autos, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento - no decurso da qual foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos, susceptíveis de integrar a prática pelo arguido de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 2 do Código Penal - por sentença de 17.03.2014, depositada na mesma data, foi proferida decisão do seguinte teor [transcrição parcial]: «Nestes termos, o Tribunal julga a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e decide: Absolver o arguido A...
da imputada prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal.
Declarar extinto o procedimento criminal pelo crime de injúria.
Condenar o arguido A...
pela prática do crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo art.º 190º nº 2 do Código Penal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 7 € (sete), o que perfaz a quantia total de 840 € (oitocentos e quarenta euros) e, subsidiariamente, caso não pague a multa, em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária.
(…)».
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Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, extraíndo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1.º Existe uma clara falta de fundamentação da decisão e uma vez que os factos dados como provados são notoriamente insuficientes para a condenação.
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Não foi produzida prova suficiente da existência de mensagens ofensivas, com excepção das duas admitidas pelo arguido.
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E mesmo que existissem, sofreriam decerto a mesma decisão de ver declarada a extinção do procedimento criminal que é referida quanto às ofensas e injúrias que são referidas, pelo que nenhum interesse prático terão para a decisão.
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Aliás: não existe sequer uma individualização e concretização, ao menos temporal, das condutas que se diz terem sido praticadas, pelo que sempre sofreriam da citada falta de fundamentação.
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As duas mensagens constantes da Douta Sentença jamais poderão ser consideradas como violadoras, per si, do art. 190.º n.º 2 do Código Penal, tendo em conta que se referem notoriamente a uma questão diferente: a regulação das responsabilidades parentais do menor filho do dissolvido casal.
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Sendo certo que toda a prova produzida confirma que os telefonemas efectuados se destinavam a saber do paradeiro da criança, e não para molestar ou de alguma forma violentar a vida privada da assistente.
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Não existe qualquer indício de prova das alegadas chamadas para colegas da assistente, não tendo uma única testemunha ou documento (para além da acusação …) referido algo sequer parecido.
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E é notória na produção de prova a consideração que os muitos telefonemas feitos para a assistente, talvez exagerados mas bastante longe dos números referidos pela decisão em crise, se centravam na questão da criança.
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A conduta do arguido resume-se não a uma qualquer perturbação da vida da assistente, mas sim a legítimos pedidos de informação, ainda que exagerados, sobre o filho de ambos, normalmente porque o arguido não conseguia com ele contactar.
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Tudo se subsume, assim, a uma questão de relacionamento e de interpretação acerca da regulação de responsabilidades parentais em vigor, e não entra, de forma alguma, numa devassa, stalking ou qualquer outro acto de perseguição ou de mera perturbação da vida da assistente.
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As mensagens denominadas SMS não integram o conceito de telefonema do artigo 190.º n.º 2 do Código Penal, uma vez que o legislador podia tê-las integrado e optou por não o fazer.
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E isto independentemente do Douto Acórdão referido na decisão recorrida, que para mais nada tem a ver com os factos que aqui se falam.
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Aquilo que aqui se trata é não de 3200 mensagens em 8 dias, mas sim 2 mensagens e alguns telefonemas em 2 meses, para saber onde estava o filho.
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Os factos apurados e considerados provados são manifestamente insuficientes para a condenação proferida.
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Mesmo que assim não se pense, o que por mera hipótese académica se refere, sem conceder, o montante da condenação em multa diária é manifestamente exagerado tanto para os factos em si, como para as condições económicas do arguido.
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Sendo também excessivos os dias de condenação, que deverão ser grandemente reduzidos.
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A decisão proferida viola o disposto nos art. 190.º n.º 2 do Código Penal e 410.º do Código de Processo Penal, em especial as alíneas a) e c), devendo ser substituída por outra que absolva o arguido dos mencionados crimes ou, em alternativa, que reduza de forma clara a pena decretada, seguindo o processo os seus legais trâmites, com o que farão V. Excias. a costumada Justiça.
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Por despacho de 16.05.2014 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.
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Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: 1. A sentença recorrida não enferma de qualquer vício; 2. O arguido praticou o crime pelo qual foi condenado; 3. A pena é justa, adequada e equilibrada; 4. A sentença sub judice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra.
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Remetidos os autos à Relação pronunciou-se a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, conforme parecer junto a fls. 197 a 202, contrariando os fundamentos invocados pelo recorrente, pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP nenhum dos sujeitos processuais reagiu.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
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Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
Perante as conclusões apresentadas, cabe a este tribunal pronunciar-se sobre se: - Padece a sentença de falta de fundamentação; - Incorre a mesma no vício da insuficiência dos factos provados para a decisão e/ou de erro...
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