Acórdão nº 1533/12.1TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

J… (A. e aqui Apelado) demandou nesta acção declarativa de condenação a seguradora M…, S.A.

(1ª R. e Apelante no presente recurso), C…, Lda.

(2ª R. aqui Apelada) e A… (3º R. Apelado), invocando ter sido colhido no dia 26/10/2010, no espaço exterior circundante das instalações da 2ª R., por um tractor industrial conduzido e manobrado pelo 3º R. que com essa máquina executava, desatentamente, uma manobra de marcha-atrás. Pertencia esse tractor à 2ª R., para quem o 3º R. trabalhava, sendo que aquela R., por sua vez, transferira os riscos da circulação da máquina para a seguradora 1ª R.

[1]. Em função desta situação, no quadro de uma imputação delitual aos 2ª e 3º RR., repercutida na 1ª R. por via da existência do contrato de seguro automóvel, formulou o A., contra todos estes RR., o seguinte pedido: “[…]96ºReclama o A.: a) De danos não patrimoniais desde a data do acidente até à data de consolidação a 30/04/2011, a importância de €3.000;00; b) De danos não patrimoniais resultantes das sequelas com que ficou e o irão acompanhar até ao fim dos seus dias, a importância de €3.500;00; c) De danos emergentes durante o período que esteve sem trabalhar (6 meses) a importância de €17.703,30; d) Da aquisição de material ortopédico, a importância de €55,20; e) Das despesas com medicamentos, a importância de €244,44; f) Das despesas com consultas, a importância de €70,00; g) Das despesas de deslocação entre a sua residência e o Hospital Universitário de Salamanca, a importância de €407,16; h) Da importância despendida com o relatório médico, a importância de €150,00.

i) Das viagens realizadas para elaboração do relatório médico, a importância de €120,00; j) Das viagens realizadas para conferenciar com o seu advogado, a importância de €180,00; l) Das viagens que se prevê, venha a realizar para audiência de julgamento da presente acção, a importância de €120,00; m) Dos danos sofridos em bens sua pertença e que levava vestidos, a importância de €80,00; i) De dano patrimonial futuro (lucros cessantes) atenta a I.T.G.P. de que é portador, a importância de €20.000,00;97ºO que totaliza a importância de €45.675,34.

[…] Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, serem os RR. condenados a pagar, solidariamente, ao A. a quantia global de €45.675,34, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, bem como, em custas e procuradoria condignas.

[…]”.

1.1.

Contestaram os RR., separadamente, impugnando as circunstâncias do acidente indicadas pelo A. no articulado inicial.

No caso concreto da R. M…, adicionalmente a essa impugnação – e este elemento é central na economia decisória deste recurso –, descarta a seguradora a referenciação do evento infortunístico, enquanto sua fonte de responsabilidade contratual, ao contrato de seguro do ramo automóvel indicado pelo A. na p.i. (a apólice …), negando, pois, a sujeição do acidente a esse contrato, estabelecida que seja a culpa do 3º R.

[2].

1.2.

Foi o processo julgado pela Sentença de fls. 545/606 – esta corresponde à decisão objecto do recurso – cujo pronunciamento decisório foi o seguinte: “[…] » Julgar a presente acção improcedente no que respeita aos RR. ‘C…, Lda.’ e A… e em consequência absolvê-los dos pedidos contra si deduzidos pelo A. J...

» Julgar a presente acção parcialmente procedente no que respeita à R. ‘M…, S.A’ e em consequência: - condená-la a pagar ao autor J… a quantia de €6.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; - condená-la a pagar ao A. a quantia de €20.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, quantia actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; - condená-la a pagar ao A. a quantia de €7.392,00 a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado pelo A.

[…]”[3].

1.3.

Inconformada recorreu a R. M…, concluindo o seguinte, a rematar a motivação do recurso: “[…] II – Fundamentação 2.

Caracterizámos sucintamente o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso. Importa agora apreciar a impugnação da 1ª R., sendo que o âmbito objectivo desta se mostra delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [v., a propósito da referenciação dos fundamentos do recurso às conclusões, os artigos 635º, nº 4 e 639º do Código Processo Civil (CPC)]. Assim, fora das conclusões, só constituem objecto temático de um recurso questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição no recurso sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àquelas (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Vistas as conclusões, isolamos os seguintes objectos temáticos ao recurso (que separaremos em três alíneas): (a) a questão da qualificação do facto gerador da responsabilidade delitual aqui em causa (acidente envolvendo uma empilhadora) como sujeito a ressarcimento no quadro do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (a Apelante pretende a associação desse evento a um outro seguro de responsabilidade civil geral relativo à laboração da máquina, não ao seguro previsto no Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto) – conclusões 1ª a 11ª; (b) a questão da imputação de responsabilidade exclusiva do acidente ao 3º R.

, com a repercussão inerente a essa incidência na 1ª R. (defende a Apelante ter existido, com base nos factos provados, concorrência de culpas) – conclusão 12ª a 17ª; (c) finalmente, a questão de uma possível duplicação indemnizatória parcial na quantificação dos danos futuros, por desconsideração de um alegado ressarcimento do A. por acidente de trabalho – conclusões 18ª e 19ª.

2.1.

Os factos que a decisão apelada considerou provados – factos que a seguradora Apelante aceita, propondo, tão-somente, uma outra valoração deles –, os factos provados, dizíamos, são os seguintes: “[…] 2.2. (a) Como primeiro fundamento do recurso deparamo-nos com a crítica da seguradora Apelante à recondução do evento infortunístico aqui em causa, enquanto facto gerador de responsabilidade civil extracontratual, à cobertura pelo Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel consubstanciado na apólice (apólice de seguro automóvel) ostentando o nº … Refere-se esta apólice – este tipo de seguro obrigatório, no enquadramento que o factor tempo torna aqui operante –, ao regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto[4], estando em causa a obrigação de seguro prevista no artigo 4º, nº 1 deste Diploma: “[t]oda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei”. Obrigação esta que, na sua referenciação a tipos de veículos – e introduzimos aqui um dos elementos centrais na economia argumentativa deste recurso –, quanto ao tipo de veículos abrangidos, dizíamos, sofre esta obrigação de segurar algumas excepções, das quais salientamos a seguinte, presente no nº 4 do mesmo artigo 4º: “[a] obrigação referida no número um não se aplica às situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais” (o sublinhado é aqui acrescentado).

Tratando-se neste caso de uma máquina industrial (uma empilhadora) que a seguradora R./Apelante aceitou segurar no quadro do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel e, paralelamente, como refere a própria (v. a transcrição das conclusões 7ª e 8ª do recurso), num quadro exterior ao seguro obrigatório (através de um outro tipo de seguro de responsabilidade civil), teremos de pressupor que aceitou a seguradora que a máquina em causa estivesse na origem dos dois tipos de situações geradoras da sua responsabilidade: de um acidente recondutível ao quadro de referência do seguro obrigatório automóvel e num quadro de imputação delitual relacionado com aquela máquina que fosse exterior aos pressupostos desse sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

Importa aqui resolver esta sobreposição ou concorrência aparente de dois tipos de seguro – foi o que fez a decisão recorrida e é o que fará agora esta Relação –, obviamente, por isso falamos em concorrência aparente, excluindo a sujeição do evento, pelas suas características, à cobertura por um dos contratos, reconduzindo essa cobertura ao outro. Teremos, pois, sempre que reconduzir a situação a um dos contratos (não há aqui espaço para “concursos reais”), não podendo a existência dos dois tipos de seguro servir – e isto vale para qualquer das partes – como uma espécie de “trunfo” alternativo potenciador das vantagens que um ou outro desses contratos apresentasse para qualquer das partes face ao mesmo evento. É com este sentido que utilizamos aqui a imagem do “concurso aparente”, pretendendo dizer que cada um dos seguros, não obstante os elementos...

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