Acórdão nº 4/12.0TBTBC.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: M… e mulher, P… intentaram a presente acção contra C… - Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta a pagar ao Banco B… o capital seguro de € 93.379,04 e necessário à amortização do empréstimo que esta lhes concedeu, bem como a pagar ao Autor as prestações por este efectuadas à instituição bancária e as vincendas, acrescidas de juros.

Para tanto, alegaram, em suma: em 30/7/1999 a referida instituição bancária mutuou-lhes o valor de esc. 15.000.000$00 – montante que em 12/1/2006 passou a ser de € 100.000,00 –, obrigando-se os AA, além do mais, a contratar um seguro de vida para, em caso de morte ou invalidez permanente dos mesmos, lhe assegurar o pagamento de todas as quantias que lhe fossem devidas na data do evento; foi fixada ao A. a incapacidade permanente global de 82%, em consequência das lesões sofridas num acidente de trabalho de que foi vítima no dia 31/7/2006.

A R contestou, alegando: o A omitiu intencionalmente o seu historial clínico, aquando do preenchimento da declaração de adesão ao (segundo) seguro de protecção ao crédito/habitação, em 9/3/2004, e preenchimento do questionário clínico, em 6/4/2004; ao A foi fixada uma incapacidade de (apenas) 56,94%, em consequência do referido acidente de trabalho ocorrido em 2006.

Na sentença, o Sr. Juiz, declarando a anulação do contrato de seguro em causa, julgou a acção improcedente, absolvendo a R do pedido.

Inconformado com tal decisão, o A apelou, delimitando o objecto do recurso com conclusões que colocam as questões de saber se: - devem obter resposta negativa os quesitos 8°, 9° e 13° e positiva o 12° ([1]); - por consequência, a factualidade não permite a anulação do contrato de seguro; - deve ser declarada a nulidade da cláusula 15ª do dito contrato.

Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.

A matéria de facto.

Para além dos já assentes, o Sr. Juiz considerou os seguintes factos provados: - Na sequência de acidente de trabalho ocorrido em 31.7.06, pelas 14h30, na Av. …, o A. sofreu uma amputação da mão esquerda [r.q. 1º].

- Pelo referido acidente o A. ficou com uma incapacidade permanente global de 56,94%, ficando com incapacidade absoluta para a sua actividade habitual e não sendo reconvertível em relação ao posto de trabalho como operário de construção [r.q. 2º a 4º]. - Após o referido acidente, os AA. continuaram a pagar ao Banco B… as prestações mensais de capital e juros do empréstimo, no total de € 4.185,44, permanecendo em dívida, à data da entrada desta acção, a quantia de € 93.397,04 [r.q. 6º e 7º]. - Aquando da subscrição do referido em C) e K), o A. omitiu intencionalmente as informações referidas em N) e O) [r.q. 8º], - o que influenciou a avaliação do risco efectuada pela R [r.q. 9º], que, se soubesse do referido em N) e O), ao celebrar o contrato de seguro sempre seria em condições diferentes, com prémios mais elevados e causas de exclusão adicionais, com exclusão da cobertura de invalidez do A em virtude das lesões e incapacidades já existentes [r.q. 10º]. - O formulário do questionário referido em K) foi preenchido por representante da R [r.q. 11º (1ª parte)]. - O A foi informado do teor da cláusula referida em P) [r.q. 13º].

E considerou os seguintes factos não provados: - Encontrando-se impossibilitado de exercer qualquer actividade lucrativa [r.q. 5º].

- Que o referido representante da R apenas perguntou ao A se era um homem de saúde ou se padecia de alguma doença considerada grave [r. r.q. 11º (2ª parte)].

- As informações constantes do “questionário clínico” não foram fornecidas pelo A [r.q. 12º].

- Foi fornecida ao A cópia do contrato referido em D) [r.q. 14º].

Vejamos se, tal como pretende o apelante, a prova produzida implica a alteração do julgamento da 1ª instância por não se confirmar a razoabilidade da convicção probatória do julgador, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência.

- Com intervenção directa nos factos ora em apreço, depôs apenas a testemunha (arrolada por AA e R) Sr.

…, empregado bancário, que, na qualidade de funcionário de… era, à data, o responsável nesta pela resolução das questões relacionadas com a concessão de crédito e em representação da qual interveio na escritura pública de 12.1.2006, acima referida em C).

A testemunha esclareceu conhecer os AA, serem estes clientes do Banco, foi sendo confrontado, no seu depoimento, com os documentos de fls. … e, em geral, limitou-se a prestar informações genéricas da conduta que, por rotina, costumava adoptar em situações idênticas, pouco se recordando do que, no caso concreto, teria sucedido por terem, entretanto, decorrido 9/10 anos. Assim, disse, em suma: Já conhecia bem o A e também a A mulher: conhecia a sua vida e modo de vida, já os conhecia antes de eles terem lá contas bancárias e até já antes de ele próprio ir para o Banco.

Os AA tinham lá um empréstimo; lembrava-se de que eles fizeram um crédito para habitação (mas não do valor), com todos os trâmites (escrituras, incluindo seguros) e de que foi ele que tratou tudo isso por ser o responsável pelo crédito.

Não se recordando do que em concreto sucedera, falou da prática habitual: por norma, fazia-se o print e quando se chegava ao questionário clínico era o próprio cliente que o preenchia, dada a delicadeza das perguntas; se o cliente tivesse alguma dificuldade, ajudava; o cliente rubricava as folhas e no fim assinava; depois a proposta era enviada para a sede para ser aí avaliado clinicamente o risco, ele só fazia a recepção. Normalmente era dada uma cópia ao cliente, mas a companhia mandava depois uma cópia.

Por norma, o questionário clínico era entregue ao cliente, no caso não se recordava se foi assim.

Estamos a falar no genérico

, «normalmente as pessoas sabem que não podem mentir porque sabem que não têm interesse, a seguradora pode recusar o seguro», «não faz ideia se lhe foi entregue ou não cópia» (sic).

[Quando inquirido sobre se foi perguntado ao A se o que lá estava era verdade e se o A foi esclarecido das consequências de não ter dito a verdade, respondeu:] «Isso está escrito no papel mas não me recordo se ele leu tudo» (sic).

Na generalidade, o cliente estava presente e teve que ser o A. a responder às questões. Não há hipótese de haver alguma resposta que não tenha sido indicada pelo cliente. Ele (depoente) não saberia como responder, teria que lhe perguntar. Mas no caso não se recordava do que é que se falou, ou se o depoente ou o cliente leu o teor das cláusulas, se o avisou de que se não respondesse com verdade teria consequências.

Lembrava-se, sim, de que foi falado o grau de incapacidade e que tinha que ser definitiva para o A poder usufruir do seguro.

[Depois de analisados os acima referidos documentos de fls. 169 a 177, disse que] a letra e os algarismos são do depoente.

[Sendo-lhe referido que no dito questionário clínico (por ele preenchido) constava ser o mesmo datado de 6/4/2004 e também o falecimento do pai do A, quando do processo (fls. 260) se concluía que tal facto só viria a ocorrer em 16/12/2007, disse] não saber responder sobre o que constava do questionário quanto a tal morte, «é o que está aqui» (sic), recordava-se do pai da A. mulher mas não do pai do A. marido; tal indicação teria sido dada pelo cliente, não fazia ideia; se o pai só faleceu depois, são sabia responder ou explicar.

[Perguntado se era sua convicção que o cliente ficou inteirado de que teria que informar sobre as suas incapacidades, respondeu:] «Incapacidades? o Sr. M… não tinha incapacidades, por aquilo que eu que, na altura, pelo menos que eu tivesse conhecimento, não» (sic).

…- E dos depoimentos das duas técnicas de análise de risco, entre si conjugados, retira-se, em suma o seguinte: A R. seguradora não tem balcões, sendo os funcionários do B… quem trata das propostas, declarações e demais documentação, servindo como mediadores ou angariadores de clientes daquela, que paga ao B… uma comissão por tal angariação. Depois, os funcionários do B… remetem para a sede da R. seguradora essa documentação para avaliação dos processos. Os requisitos destes variam consoante a idade do cliente ou o capital, mas são sempre exigidos o questionário clínico de saúde ou uma declaração de saúde (este para capitais mais baixos).

O seguro em concreto (de 2004) tinha o questionário clínico e foi aceite sem qualquer restrição, atendendo ao teor do questionário preenchido pelo cliente (requisito imposto no caso concreto): não se colocou qualquer questão e foi aceite de imediato, com base nas informações do cliente. Quando o cliente declara qualquer aspecto que suscite dúvidas é contactado directamente o cliente.

Os funcionários do B… têm instruções para ser sempre o cliente a preencher o questionário, para eles só por dificuldades de leitura ou de escrita do cliente o preencherem. Alguns colegas poderão ajudar, mas as instruções que lhes dão é para eles lerem e dizerem se está tudo bem e depois assinar e sempre a pedido do cliente. E quando isso acontece as instruções são para que o cliente preste as informações e o funcionário as reproduza.

O original segue para a Companhia. Não sabem se na altura foi entregue uma cópia (o cliente pode sempre solicitar); não há instruções para entregar cópia (fica ao critério do funcionário do Banco), mas depois é enviada a apólice ao cliente e as condições em que o seguro foi contratado.

Desconhecem quem preencheu declaração de adesão e questionário clínico. Não sabem se o pai já tinha falecido. Não podem confirmar mas ele também assinou.

As lesões de 1992 foram omitidas pelo cliente no questionário clínico; a companhia só teve conhecimento delas...

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