Acórdão nº 3070/11.2TBLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução05 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: J...

e mulher, M...

deduziram oposição à execução contra eles instaurada por C..., CRL, fundada em duas livranças, sendo uma de 120.000.000$00, com vencimento em 5/7/1994, e outra de 116.450.150$00, com vencimento em 31/1/1994, pedindo que a mesma seja julgada extinta. Para tanto, alegaram, muito em suma: - encontra-se prescrita a acção contra os demandados, quer enquanto avalistas (ambos) da primeira livrança, quer enquanto subscritor e avalista, respectivamente, da segunda; - as livranças, ao referirem apenas “Financiamentos”, não identificam a relação extra-cartular e não foi junto com o r.i. executivo qualquer documento, designadamente referente a qualquer contrato de desconto bancário, de que resulte o reconhecimento da obrigação de pagamento por parte dos ora oponentes ou da própria subscritora da primeira livrança; - o simples aval que ambos prestaram nessa primeira livrança e a oponente na segunda não importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, pelo que, nessa medida, as livranças não constituem título executivo; - a P..., Lda, subscritora da primeira livrança, foi absolvida por decisão já transitada do pedido (executivo) de pagar à exequente o valor desse título e respectivos juros, pelo que igualmente se encontra extinta essa obrigação quanto aos ora oponentes, apenas demandados como avalistas.

A exequente contestou, dizendo, em síntese: - a obrigação por parte dos executados de lhe pagar as quantias inscritas nas livranças e correspondentes juros foi expressamente reconhecida por decisões judiciais transitadas em julgado, após sucessivos recursos daqueles, pelo que ainda não decorreu o prazo prescricional ordinário de vinte anos aplicável ao direito cambiário exercido pela exequente; - ainda que assim não fosse, não teria decorrido o invocado prazo de prescrição de três anos por ter sido interrompido com a citação dos executados para os termos das execuções instauradas para cobrança das quantias insertas em tais livranças, e, depois, para os termos da acção ordinária instaurada para obter a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a impugnação pauliana das transmissões pelos mesmos efectuadas de todo o seu património imobiliário; - a responsabilidade dos executados não é subsidiária da da avalizada P...; - nas livranças e no requerimento inicial desta execução consta como negócio causal da emissão daquelas o financiamento aos respectivos subscritores.

Na sentença, a Sra. Juíza, julgando improcedente a oposição, determinou o prosseguimento da execução.

Inconformados, os executados apelaram, suscitando nas respectivas conclusões as seguintes questões: ...

Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.

  1. A matéria de facto.

    ...

    Vejamos.

    Ainda que se aceitasse a sugerida, mas muito discutível, juridicidade das expressões censuradas, ou, ao menos, que estas encerrariam um qualquer juízo, deve considerar-se que são «de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar de penhor", etc.

    » ([1]).

    Nestas condições também está, sem dúvida, o conceito de financiamento, que deve aqui ser recebido com o significado, com que é correntemente usado na linguagem comum, para a concessão de crédito mediante remuneração, uma das funções naturais dos bancos, por via das diversas modalidades de que costumam socorrer-se as instituições de crédito e os seus clientes para contratar.

    Entre tais modalidades emergem, com frequência, o contrato de abertura de crédito em conta-corrente e o de descoberto em conta-corrente, operações correntemente designadas por conta-corrente caucionada por serem geralmente envolvidas de garantia pessoal, através, por exemplo, da subscrição pelo creditado de livranças-caução avalizadas por terceiros, como no caso em apreço sucedeu. Ora, segundo tudo indica, foi adoptado o primeiro daqueles tipos de contrato quanto ao “financiamento” para que foi entregue à exequente a livrança de 120.000.000$00 (cf. pacto de preenchimento a fls. 41 e proposta de abertura de crédito em conta-corrente a fls. 305 e ss) e o segundo tipo em relação ao “financiamento” para que foi entregue à exequente a livrança de 116.450.150$00 (cf. regularização do saldo negativo da conta DO a fls. 336 e ss), sendo certo que, em consonância com a decisão aqui proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto, não se descortina a existência de qualquer contrato de desconto bancário, como também já observou o nosso mais Alto Tribunal no seu acórdão de 17/3/1998 (cf. fls. 112 e 113), cujo entendimento sempre seria de perfilhar, naturalmente.

    Atendendo ao apontado contexto, não colhem as objecções dos apelantes. Não estamos perante respostas meramente conclusivas, ou de direito, e, portanto, proibidas, pois não pode pretender-se que as mesmas se limitam a abarcar, em si mesmas, a solução da questão de direito posta à apreciação do Tribunal e que, por isso, devem ser tidas como não escritas.

    Por conseguinte, a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto, quanto aos factos provados e, também, ao não provado, deve manter-se. Todavia, para melhor apreensão das questões em apreço, entendemos complementar a matéria provada, com alguns detalhes extraídos das certidões não impugnadas juntas aos autos, aditando para o efeito os pontos 8º-A, 13º-A e 14º-A (destacados a sombreado).

    Assim, devem considerar-se os seguintes factos provados: ...

  2. A prescrição.

    Segundo os apelantes, o direito exercido contra eles nesta execução, quanto à livrança de 120.000.000$00 e à de 116.450.150$00, prescreveu em 16/3/98 e em 9/9/97, respectivamente. Vejamos.

    Como é sabido, o documento particular que preencha os requisitos essenciais previstos no art. 75º da LULL constitui o título de crédito designado (no nosso ordenamento) por livrança, caracterizado pela literalidade, pela abstracção, pela autonomia e pela independência, em virtude de cujos princípios o direito cartular incorporado no título é definido nos termos constantes no mesmo, abstrai e é autónomo da relação fundamental subjacente – bem como das sucessivas convenções extra-cartulares – e subsiste independentemente de cada uma das obrigações autónomas dele emergentes ([2]).

    Esses conhecidos princípios, que decorrem do regime especial a que estão submetidas as livranças – plasmado, entre outros, nos arts. 77º, 10º, 30º, 32º e 43º da LULL –, conduzem como que a uma compenetração do crédito com o documento, quer o crédito resulte da subscrição, quer do aval: a obrigação cambiária constitui-se (nasce) no momento da subscrição (promessa de pagamento) para o devedor e da prestação do aval para o avalista, que torna este responsável talqualmente a pessoa afiançada.

    E a Lei reconhece a figura da livrança em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança (citados arts. 10º e 77º LULL). A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado pacto ou acordo de preenchimento. A entrega de livrança-caução em branco, em garantia de cumprimento de prestações estipuladas num contrato, sem que tenha sido oportunamente invocado o abuso do respectivo pacto de preenchimento, implica a vinculação dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações estabelecidas no contrato e no pacto, decorrentes da obrigação cambiária.

    Nenhum obstáculo existe pois à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge no momento da emissão, ou apenas no momento do vencimento, a ele retroagindo a obrigação constante do título por ocasião do preenchimento. Importa apenas que este tenha ocorrido aquando do vencimento (cfr. Pinto Coelho, “As Letras”, II, 2ª, 30 e ss; Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, 483; Vaz Serra, BMJ, 61º-264; O. Ascensão, “Direito Comercial”, III, 116). Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada” - arts. 10º e 32º-2 cit.

    ([3]).

    Por sua vez, o aval constitui um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma, assumindo carácter objectivo a garantia prestada pelo avalista: como resulta do citado art. 32º LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que a medida da responsabilidade do avalista se mede pela do avalizado, mas a sua obrigação, como se viu, é juridicamente independente e autónoma relativamente à do avalizado. Assim, aquela equiparação não é identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado. Em suma, o avalista é sujeito de uma obrigação directa, que vive e subsiste independentemente da do avalizado ([4]), mas a sua responsabilidade é dada pela medida objectiva da do avalizado, pese embora tal independência. E ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, porque, sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, assumindo mesmo o risco de esse...

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