Acórdão nº 3753/13.2TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: ***I – Relatório “C (…)”, com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa condenatória com processo comum contra M (…), também com os sinais dos autos, pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia de € 17.077,15, bem como juros de mora vencidos até à data da propositura da ação – no valor de € 271,36 – e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese: - ter celebrado com a R. um contrato de crédito, pelo qual lhe concedeu financiamento no montante de € 15.000,00, vinculando-se a R. ao reembolso respetivo em 94 prestações mensais e sucessivas de € 255,00, através de débito em conta bancária; - porém, a R. deixou de ter a conta provisionada, tendo entrado em incumprimento, pelo que a A. resolveu o contrato, através de carta de 28/06/2013, ascendendo a dívida ao montante peticionado.

Contestou a R., alegando, no essencial, que: - solicitou telefonicamente à A. a concessão de crédito, tendo sido informada por um colaborador desta que deveria assinar, desde logo, um formulário de pedido de proposta de concessão de crédito, o que a R. fez, para que posteriormente fosse celebrado o contrato; - posteriormente, a R. foi informada telefonicamente por colaboradora da A. de que o crédito tinha sido concedido e que seria depois contactada para formalização do restante procedimento para concessão do crédito, no montante de € 15.000,00, contacto este que não viria a acontecer, apenas tendo o valor negociado sido transferido para a conta indicada pela demandada, sem que houvesse acordo quanto ao montante dos reembolsos mensais; - donde que nunca tenha a R. firmado qualquer contrato escrito com referência ao montante de € 15.000,00 e ao número de prestações de reembolso em causa, nem lhe tenha sido entregue qualquer cópia do contrato, não estando reunidas as condições de forma contratual exigíveis e sendo usurários os juros pretendidos; - por isso, apenas aceita reembolsar o capital concedido, deduzido do já amortizado, com juros moratórios civis, à taxa supletiva legal respetiva.

Concluiu pela improcedência da ação ou, caso assim não se entenda, pela sua condenação na restituição do capital concedido, deduzido do amortizado, com os ditos juros moratórios civis.

Respondeu a A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção deduzida e insistindo que foi concluído o contrato entre as partes, com referência à quantia mutuada, e que a R., durante anos, foi procedendo aos reembolsos mensais, sendo válidas todas as cláusulas do contrato, sob pena de abuso do direito da R., pessoa que, atenta a sua profissão, não poderia ser tida como desinformada e facilmente influenciável, e que só quando não consegue cumprir vem invocar discordância perante as condições de reembolso acordadas.

Na audiência prévia, saneado o processo, foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, após o que se procedeu à audiência de julgamento, com produção da prova.

Na sentença, onde se conheceu de facto e de direito, foi a ação julgada parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. a pagar à A.: «- a quantia de € 1.705,00 (mil setecentos e cinco euros), correspondente às prestações vencidas e não pagas, à data da resolução do contrato pela A., acrescidas de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma delas e - a quantia que vier a ser liquidada, correspondente ao capital vencido com a resolução do contrato, excluindo a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 30 de Junho de 2013, até integral pagamento.».

De tal sentença veio a R., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([2]): (…) Na sua contra-alegação, a A. pugna pelo não provimento do recurso – afirma, designadamente, que a invocação da nulidade do contrato configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium –, mantendo-se a sentença impugnada.

*** O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito determinados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito ([3]):

  1. Se, concluído o contrato, é manifesta a sua nulidade formal e, nesse caso, se deve ficar paralisado o direito de invocação da invalidade (inalegabilidade) por abuso do direito; b) No caso de operância da invalidade, quais as consequências do efeito retroativo da declaração de nulidade; c) No caso contrário, se deve proceder a impugnação da decisão de facto; d) Se, ante a pretendida alteração fáctica, deve alterar-se também a decisão de direito e em que termos.

*** III – Fundamentação

  1. Matéria de facto É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância: «1- A Autora é uma sucursal de uma instituição de crédito francesa, que tem por objecto social operações de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário, e a corretagem de seguros, bem como todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas (art. 1º da p.i.).

    2- Mediante contacto telefónico, em data não concretamente apurada de Março de 2007, a Ré solicitou à Autora um financiamento de € 20.000,00 (art. 2º da resp.).

    3- A A. enviou à Ré o documento junto a fls. 123 e o formulário de fls. 124, em duas vias, pré-preenchido com o valor solicitado (€ 20.000,00) (art. 3º da resp.).

    4- A Ré procedeu à devolução à Autora de um das vias do referido formulário devidamente assinado, e da documentação aí mencionada como sendo necessária à análise do crédito: Cópia de Bilhete de Identidade e Número de Identificação Fiscal; Comprovativo de morada; Comprovativo de Número de Identificação Bancária (NIB); e Recibos de vencimento (art. 4º da resp.).

    5- Após verificação da documentação enviada pela Ré, para efeitos de confirmação das informações prestadas por esta e para aferir da sua solvabilidade financeira, a Autora informou-a de que apenas lhe poderia disponibilizar a quantia de € 15.000,00 (art. 5º da p.i. e 5º da resp.).

    6- O que a Ré aceitou (art. 6º da resp.).

    7- A A. atribuiu ao acordo celebrado o n.º 42606587969100 (art. 2º da p.i.).

    8- Em consequência do referido em 1) a 6), em 08/05/2007, a Autora disponibilizou à Ré, em conta indicada pela mesma para esse efeito, o montante de € 15.000,00 (art. 3º da p.i. e 7º da resp.).

    9- No âmbito do acordo referido em 7), e nas mesmas condições, a Autora disponibilizou à Ré outros financiamentos nas datas e pelos valores que ora se discriminam: € 228,00, em 05/07/2007; € 91,00, em 06/08/2007; € 30,00, em 19/09/2007; € 101,00, em 27/12/2007; € 204,00, em 04/06/2008; € 100,00, em 03/09/2008; € 114,00, em 10/12/2008; € 156,00, em 07/04/2009; € 227,00, em 07/10/2009; € 104,00, em 08/01/2010; € 113,00, em 06/04/2010; e € 69,00, em 11/06/2010 (art. 4º da p.i. e 8º da resp.).

    10- Com o referido em 4) a 6), a Ré obrigou-se, perante a A., ao reembolso dos € 15.000,00, em 96 prestações mensais e sucessivas no valor de € 255,00, cada uma (arts. 6º da p.i. 12º da resp.).

    11- O referido reembolso deveria ser efectuado através de débito, em conta indicada pela R. para esse efeito, e com o NIB 00 (...) (arts. 6º da p.i. e 13º da resp.).

    12- Nos termos da Cláusula 8.2. das Condições Gerais, a R. obrigou-se a manter a sua conta bancária devidamente provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações acordadas de reembolso (art. 7º da p.i.).

    13- De acordo com a cláusula 8.4. das Condições Gerais, as prestações mensais de reembolso nunca poderiam ser de valor inferior a uma parte fixa e pré-estabelecida (arts. 9 da p.i. e 14º da resp.).

    14- As quantias pagas nos termos referidos em 10) eram imputadas ao valor em dívida pela seguinte ordem: a) prémio de seguro (se houvesse); b) impostos e encargos vencidos; c) penalidades (se existissem); d) juros vencidos; e) remanescente do capital em dívida (art. 10º da p.i.).

    15- As condições gerais do contrato constituem a página número um do formulário referido em 3) (art. 15º da resp.).

    16- A R. tinha conhecimento de que a um valor de financiamento de € 15.000,00 correspondia uma mensalidade de € 255,00, de acordo com a cláusula 2.2 das condições gerais do contrato, bem como das demais condições referidas naquelas cláusulas (arts. 16º e 17º da resp.).

    17- Em 05/08/2007, a R. transmitiu à A. que pretendia aderir ao seguro facultativo de protecção ao crédito através da subscrição de um documento intitulado “Boletim de Adesão ao Seguro do Crédito Valor TOP” (arts. 11º da p.i. e 18º da resp.).

    18- Tal adesão implicou o prolongamento do prazo de reembolso do crédito – cfr. cláusula 12 das Condições Gerais do documento de fls. 123 (art. 19º da resp.).

    19- As condições gerais do contrato de financiamento celebrado entre Autora e Ré não são susceptíveis de negociação (art. 20º da resp.).

    20- Ao celebrar um contrato de financiamento de € 15.000,00 com a Autora, a R. aderiu às cláusulas previamente definidas por aquela (art. 21º da resp.).

    21- A Ré efectuou os pagamentos com os valores e nas datas seguintes: 1ª: € 255,00 em 01/06/2007; 2ª € 255,00 em 01/07/2007; 3ª € 255,00 em 01/08/2007; 4ª € 255,00 em 01/09/2007; 5ª € 255,00 em 01/10/2007; 6ª € 255,00 em 01/11/2007...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT