Acórdão nº 1558/12.7TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em audiência, os Juízes, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.
I 1.
Nos autos de processo comum supra identificados, em que é arguida A...
, divorciada, consultora financeira, nascida a 13/02/1961 em (...) , filha de (...) e de (...) , titular do B. de Id. nº (...) emitido pelo Arq. de Id. de Coimbra em 04/04/2011, com última residência conhecida na Rua (...) Coimbra Imputando-lhe o Ministério Público como autora material, em concurso real: NUIPC 1558/12.7TACBR 1) dois crimes de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a); 2) dois crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256º, nºs 1, als. c) e e) e 3; ambos do Cód. Penal NUIPC 1580/11.0TACBR 1) dois crimes de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a); 2) um crime de falsificação de documento na forma continuada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 30º, nº 2 e 256º, nº1, als. a) e c); todos do Cód. Penal Foi a mesma julgada e a final decidido: 1. Condenam a arguida A... pela prática como autora material e em concurso real nas seguintes penas: - um crime de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a) na pena de 20 (vinte) meses de prisão (relativamente ao ofendido B... ); - um crime de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a) na pena de 20 (vinte) meses de prisão (relativamente ao ofendido C... ); - um crime de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a) na pena de 20 (vinte) meses de prisão (relativamente ao ofendido D... ); - um crime de abuso de confiança qualificado, ps. e ps. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, al. a) na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (relativamente ao ofendido E... ); - um crime de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256º, nºs 1, als. c) e e) e 3; ambos do Cód. Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão (relativamente ao ofendido B... ); - um crime de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256º, nºs 1, als. c) e e) e 3; ambos do Cód. Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão (relativamente ao ofendido C... ); - um crime de falsificação de documento, ps. e ps. pelo art. 256º, nºs 1, als. c) e e) e 3; ambos do Cód. Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão (relativamente ao ofendido D... ) EM CÚMULO JURÍDICO DE PENAS na PENA ÚNICA de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses suspensa na sua execução por igual período com a obrigação de a arguida pagar a cada um dos quatro ofendidos a quantia mensal de 100,00 Euros até ao final de tal período ou no caso da demandante E... do pagamento total da quantia devida a título de indemnização por danos não patrimoniais, por transferência bancária para a conta a indicar pelos ofendidos a proceder até ao 8 dia útil de cada mês, iniciando-se no mês seguinte ao trânsito em julgado da presente decisão.
2. Desta decisão recorre a arguida que formula as seguintes conclusões: B1. O presente recurso vem na senda do douto Acórdão que condenou a arguida, aqui recorrente pela prática de quatro crimes de abuso de confiança qualificado, todos p. e p. pelo art. 205º-1-4, al. a) do CP e três crimes de falsificação de documento todos p. e p. pelo art. 256º- 1, c) e e) e 3, do CP, B2. Violando, desse jeito, o disposto no n.º 2 do artigo 30º do CP.
B3. Com efeito, a arguida deveria ter sido condenada apenas na prática de um crime de abuso de confiança e outro de falsificação de documento.
B4. Na verdade, da conjugação da factualidade dada como provada resulta evidente que a recorrente agiu no quadro da mesma solicitação exterior, de uma forma essencialmente homogénea, atentando contra o mesmo bem jurídico, sendo certo que é da conjugação dos referidos elementos que resulta uma sensível diminuição da culpa do agente.
B5. De facto, a manutenção do condicionalismo que presidiu à prática do primeiro acto volitivo condicionou fortemente a capacidade do agente se comportar de acordo com o direito e levou-o à reiteração das actividades delinquentes, pelo que estamos perante um exemplo de escola da continuação da actividade criminosa.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! 3. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese, que: 1 – Da matéria de facto considerada assente resulta que a arguida foi adaptando o seu “modus operandi” às especificidades de cada situação e de cada ofendido.
2 – A reiteração de condutas, a que correspondem várias resoluções criminosas, não encontra justificação em qualquer circunstância ou solicitação externa capaz de diminuir a culpa da arguida.
3 – E qualquer circunstância externa que neste âmbito se considere, tem inequivocamente origem na conduta, livre e voluntária da arguida, que assim a criou.
4 – No que aqui se discute, não se verificam os pressupostos de aplicação da figura da continuação criminosa, pois como referido, não se mostra fixado qualquer facto do qual resulte a existência de um condicionalismo exterior à arguida, que tenha facilitado a sua repetida actuação, diminuindo ou mitigando, pois, a sua culpa.
5 – A conduta reiterada da arguida integra efectivamente a prática, em concurso efectivo, dos crimes pelos quais foi condenada, ou seja, quatro crimes de abuso de confiança e três de falsificação de documento.
6 – Não foi violada qualquer norma ou princípio jurídico.
7 - O acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso. 4. Realizou-se a audiência de julgamento conforme requerido pela arguido, para discussão da questão suscitada.
5. Nesta, o ilustre defensor nomeado para o efeito antes do seu início, manteve a posição do recurso da arguida 6. O Ex.mº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da posição assumida pelo Ministério Público em primeira instância, para a qual de algum modo remeteu, defendendo a existência do concurso real de crimes de burla e de falsificação e não de crimes continuados, devendo ser mantido o decidido.
II São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida: Factos Provados da Acusação Pública: NUIPC 1558/12.7TACBR A arguida, pelo menos desde 2006 até finais do ano de 2010, exerceu funções de consultora financeira na firma “H..., Lda.”, a qual se apresentava como agente da “ I... , Lda.” e tinha escritórios na Avª (...) , , nesta Cidade e comarca de Coimbra.
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PARTE Foi no âmbito dessa sua actividade que foi contactada por B... e esposa BB... , os quais a mandataram para, em nome deles, efectuar uma operação de mediação financeira que se traduzia na transferência do crédito bancário que aqueles tinham na J (...) para o Banco L (...) , S. A., com vista a que esta entidade bancária lhes permitisse saldar todos os débitos que aqueles tinham em várias instituições bancárias, nomeadamente no S (...) , no T (...) e na R (...) , de forma que os referidos B... e BB... pudessem pagar todos os empréstimos de que na altura eram devedores e passariam a pagar uma só prestação de valor inferior ao somatório das várias prestações que tinham a seu cargo.
Essa tarefa foi concretizada e o empréstimo pretendido acabou por ser aprovado e concedido em Agosto de 2008 pelo Banco L (...) , S. A., tendo, nessa data, esta instituição emitido vários cheques para pagamento de todos os débitos dos ditos B... e BB... àquelas entidades financeiras, ficando estes convencidos que daí em diante apenas eram devedores perante o Banco L (...) , S. A., ao qual têm vindo a pagar todas as prestações que lhes são exigidas.
Tais cheques emitidos pelo Banco L (...) , S. A. ficaram por isso em poder da arguida para esta os entregar às entidades a que se destinavam para assim saldar as dívidas dos ofendidos.
Um desses cheques emitido em 3 de Setembro de 2008 pelo Banco L (...) , S. A. foi o cheque nº (...) que movimenta a conta (...) titulada por essa instituição bancária e no qual foi inscrito o valor de € 14.478,82 e o nome R (...) no campo destinado à identificação do beneficiário, ficando, assim, a arguida incumbida de, com esse cheque, liquidar a totalidade das responsabilidades que aqueles tinham junto da financeira R (...) , pelo que, apesar de a arguida não lhes ter entregue qualquer declaração comprovativa, os mencionados B... e BB... ficaram convencidos de que a arguida iria proceder em conformidade com o combinado e que, dessa forma, ficariam integralmente desresponsabilizados de todas as obrigações que tinha para com a R (...) .
Todavia, e não obstante a arguida saber que a importância monetária inscrita do aludido título de crédito que daquela forma recebeu devia ser entregue à financeira R (...) para pagamento da dívida que aqueles tinham para com essa instituição bancária, decidiu não entregar esse cheque à referida instituição de crédito a quem o mesmo se destinava, passando a retê-lo em seu poder, acabando por se apropriar em proveito próprio da quantia monetária de € 14,478,82 nele inscrita quando, no dia 3 de Setembro de 2008 se dirigiu à agência da J (...) da (...) , nesta Cidade e comarca de Coimbra, e o depositou na conta nº (...) por si titulada na J (...) ..
Para o efeito, a arguida apôs ou mandou apor no verso do dito cheque a seguinte menção: “ R (...) ” e duas assinaturas ilegíveis, após o que ali também inscreveu o seu próprio nome, tudo para fazer crer que esse título de crédito lhe tinha sido endossado pela beneficiária do mesmo.
Agiu a arguida com a intenção alcançada de fazer seu o cheque que os ofendidos B... e BB... lhe entregaram com a finalidade de o fazer chegar à financeira R (...) para pagamento da dívida que...
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