Acórdão nº 1772/15.3T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Nos presentes autos de instrução que correm pelo Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel, em que figuram como assistentes C... e “ L... - Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, após realização do debate instrutório, o Ex.mo Juiz de Instrução, por despacho de 4 de novembro de 2016, decidiu não pronunciar a arguida A...

pela prática do crime de difamação agravada que lhe foi imputado na acusação particular, ou de qualquer outro crime, ordenando o arquivamento dos autos.

Inconformado com o douto despacho dela interpuseram recurso os assistentes C... e “ L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Quer em sede de inquérito, quer debate instrutório, foi produzida prova bastante que conduzisse a que fosse proferido despacho de pronúncia; 2. Aquando da prática do facto pela arguida, os assistentes não tinham sido condenados por qualquer crime; 3. C...

NUNCA foi condenado pelos crimes de agressão, coacção ou extorsão, tal como resulta do certificado de registo criminal junto aos autos; 4. Quanto aos crimes de natureza fiscal a que a arguida se refere, o arguido foi objecto de uma decisão que ainda não transitou em julgado na presente data; 5. Foram violados deveres jornalísticos aquando da elaboração da notícia, nomeadamente o de pesquisa e investigação, o de informar com rigor, o de verificar a informação veiculada por qualquer fonte 6. Os factos publicados pela arguida A... não foram objecto de qualquer escrutínio por parte desta, descurando a realidade que era verdadeiramente quotidiana dos assistentes; 7. Do depoimento da testemunha B..., consegue constatar-se que a arguida A... não encetou quaisquer outras diligências probatórias em jeito de averiguar os contornos ou mesmo a veracidade dos factos que alegadamente lhe foram transmitidos pela Polícia Judiciária; 8. No que tange ao depoimento da testemunha E... , retiramos precisamente a mesma conclusão, bem como que a informação que é transmitida nem sempre é exacta, sendo aconselhável verificar outras fontes, ou encetar outro tipo de diligências, em jeito de não se cair na tentação de se publicar uma notícia que é ficção ou não corresponde à verdade; 9. Do debate instrutório resulta que existem elementos bastante para pronunciar a arguida, uma vez que ficou assente que existem indícios de facto e de direito suficientes para justificar a submissão de A... a julgamento. Assim sendo, a finalidade do debate foi cumprida, nos termos do artigo 298.º do CPP, não obstante o juiz de instrução ter retirado do mesmo uma conclusão díspar daquela que consideramos ser admissível.

10. Na notícia publicada, bem como no despacho de não pronúncia é violado o princípio da presunção a inocência, não podendo a notícia ser considerada como verdadeira, pois mesmo na data de hoje não há uma decisão transitada em julgado seja por que crime for, contra os assistentes; 11. Apelidar e difundir pelos meios de comunicação social que alguém é o “Al Capone de (...) ” é largamente ofensivo e passível de consubstanciar um crime de difamação agravada; 12. É mentira que o assistente C.... tivesse antecedentes criminais, designadamente sobre agressão, coacção ou extorsão, sendo a notícia redigida e enviada para publicação pela arguida FALSA; 13. A notícia não tem interesse público, não só pelo facto de não corresponder à verdade, mas também porque não se consegue vislumbrar qual o interesse público em saber que um cidadão foi detido por estar indiciado por crimes de natureza fiscal; 14. O negócio da L... não era uma fachada para outros de ordem ilícita, nem nunca tal foi discutido em sede judicativo-decisória; 15. A imagem, honra, consideração pelos dos assistentes encontra-se tingida, tendo C... e D... sido não raras vezes confrontados com situações embaraçosas devido ao título da notícia; 16. A... imputa a C... o cometimento de diversos crimes, não fazendo alusão expressa que tal lhe tenha sido transmitido pela Polícia; 17. Em momento algum foi a assistente L... considerada como uma empresa de fachada para negócios ilícitos; 18. A notícia tem como título “Al Capone de (...) detido por fuga ao fisco”, pelo que não pode ser alegado que a arguida não teve a intenção de denegrir a consideração do assistente C... , mormente pelo facto de o próprio título da notícia ser um atentado à honra daquele, com dignidade própria e distinta do corpo do texto; 19. A decisão instrutória continua ainda no sentido de colocar a tónica no facto de outros jornais terem publicado notícias com teor idêntico, desresponsabilizando novamente os arguidos pelos factos por si praticados, o que é uma barbaridade em sede jurídico-criminal; 20. O crime de difamação pode ser cometido com apenas dolo eventual, tal como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, o que se admite tenha acontecido; 21. A interpretação do Tribunal a quo no que diz respeito aos “antecedentes” referidos na notícia é um exercício exegético malogrado, pois não pode ser interpretado de uma forma que não seja técnico-jurídica, dado que qualquer cidadão fiel ao direito interpretaria a intenção da notícia como sendo a de “dar fé” de que C... era uma pessoa cujo registo criminal já não se encontrava imaculado; 22. Uma “sociedade evoluída, democrática e plural” não pode permitir que a vida de qualquer pessoa possa ser devassada por os jornalistas verem de forma constante e injustificada a sua conduta objecto de impunidade; 23. A liberdade de expressão, não obstante estar constitucionalmente consagrada no artigo 37.º da nossa Lei Fundamental, não é um direito absoluto, entrando em colisão com outros direitos, nomeadamente direito à reserva da vida privada, direito ao bom nome, entre outros; 24. No que concerne à liberdade de imprensa, a arguida A... não estava a exercer qualquer interesse legítimo, no exercício da sua liberdade de expressão, muito pelo contrário, uma vez que não confirmou o que lhe foi transmitido, tal como lhe é estatutariamente imposto; 25. O despacho de não pronúncia carece de fundamentação, , sendo violado o dever de fundamentação de qualquer decisão penal, mesmo que interlocutória, pois NÃO “resulta manifesto não ser punível a conduta da arguida” e NÃO existe “interesse legítimo de informar” e a arguida NÃO “tinha fundamento para, em boa fé, reputar as mesmas como verdadeiras”; 26. A decisão instrutória carece de fundamento, violando assim o princípio da livre apreciação da prova (indícios neste caso), previsto no artigo 127.º do CPP; 27. O artigo noticioso foi escrito pela arguida com o intuito de denegrir a imagem social dos assistentes, uma vez que o crime de difamação pode ser punido a título de qualquer grau de dolo, nomeadamente de dolo eventual; 28. Ao produzir tal notícia, a arguida quis, gratuitamente, vexar os assistentes perante todos aqueles que viessem a ter dela conhecimento; 29. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, contra a veracidade dos factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela ofendia a honra e consideração dos assistentes, não se inibindo de imputar tais factos e juízos ofensivos, mormente pelo facto de não ter desempenhado as suas funções de forma diligente, de acordo com as leges artis da sua profissão, precisamente pelo facto de não ter procurado saber se os factos eram verdadeiros, nem tentado obter a versão dos assistentes dos factos inverídicos que noticiou; 30. A invenção e divulgação de tais factos pela arguida, tinha como propósito ofender a honra e consideração dos assistentes, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, não se absteve de a tomar uma vez que a arguida não podia ignorar que os factos não corroborados que noticiou ofendiam a honra dos assistentes, especialmente porque a falta de consciência da ilicitude nunca poderia ser mobilizada para o presente caso, dado as circunstâncias concretas do caso – atinentes, nomeadamente, à profissão desempenhada pela arguida; 31. A arguida actuou com intenção de denegrir as pessoas a quem se dirigia (os assistentes), descurando os efeitos nefastos que uma notícia da envergadura da que foi redigida e publicada por si, poderia ter na esfera jurídica dos assistentes; 32. A arguida A... deve ser pronunciada por um crime de difamação agravada nos termos conjugados do disposto nos artigos 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

Por todo o exposto, a decisão recorrida violou, entre outros, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 127.º e 298.º do Código de Processo Penal, e 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

Termos em que, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a arguida ser pronunciada pelo crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

O Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria- Instância Central de Instrução Criminal, respondeu ao recurso interposto pelos assistentes, pugnando pela manifesta improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.

A arguida A... pugna também pelo não provimento do recurso, e manutenção da decisão de não pronúncia.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso dos assistentes deverá improceder.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, os recorrentes nada disseram.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O Despacho recorrido tem o seguinte teor: I.

Iniciaram-se os presentes autos de instrução a requerimento da arguida A... , a fls. 518 a 532, inconformada com a acusação particular deduzida pelos assistentes C... e L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S. A., a fls. 237 a 242, que lhe imputou a prática, em autoria, de um crime de...

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