Acórdão nº 803/16.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução27 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório O autor propôs contra as rés a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, tendo deduzido os seguintes pedidos: A ré seguradora contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo, que o âmbito do contrato de seguro celebrado entre ela e a entidade empregadora do sinistrado não abrangia o sinistro descrito na petição, por desconformidade entre a actividade segura declarada e aquela que era efectivamente exercida pelo autor no momento do sinistro; por outro lado, o acidente deveria considerar-se descaracterizado por ter decorrido de negligência grosseira do sinistrado.

A entidade empregadora também contestou, sustentando, em resumo, que estava integralmente transferida para a seguradora a responsabilidade emergente do acidente descrito na petição, razão pela qual a acção deveria improceder em relação a si.

O interveniente principal deduziu pedido de reembolso de prestações da Segurança Social contra as rés, pedindo a condenação destas no pagamento da quantia de 3.060,80 e juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, quantia essa que avançou ao sinistrado a título de subsídio de doença.

Com os mesmos fundamentos aduzidos na contestação da petição inicial, a ré seguradora contestou o pedido do ISS.

A acção seguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Condeno a seguradora, C... SA, no pagamento, ao sinistrado autor, A... , das seguintes quantias: a) € 1.100,32, correspondente a indemnização por incapacidade temporária; b) € 14.481,50, correspondente ao capital de remição (depois de descontado dos valores já adiantados pela Segurança Social) de uma pensão anual e vitalícia de € 1.181,22; c) € 10,00, correspondente a despesas de transportes, para o tribunal e para o gabinete médico-legal.

d) Juros, à taxa legal, sobre os montantes referidos anteriormente, desde o respectivo vencimento no tangente às alíneas a) e b) e desde a citação nos restantes, e até integral pagamento.

Mais condeno a mesma seguradora, C... SA, no pagamento, ao Instituto de Segurança Social IP, da quantia de € 3.060,80, acrescida de juros, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Absolvo a empregadora, B... Lda, do pedido.

Custas pela seguradora; valor da acção – € 18.652,62.

”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a seguradora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: […] A entidade empregadora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a sentença padece da nulidade que lhe é assacada pela recorrente; 2ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 3ª) se o acidente deve ter-se por descaracterizado pela circunstância de ter emergido exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; 4ª) se a ré seguradora é responsável pelas prestações infortunísticas devidas ao sinistrado por causa do acidente a que os autos se reportam.

*III – Fundamentação A) De facto Factos provados O tribunal recorrido descreveu como provados os factos seguintes: […] *B) De Direito Primeira questão: se a sentença padece da nulidade que lhe é assacada pela recorrente.

No caso em apreço, no próprio corpo das alegações da apelação (capítulo III) e nas correspondentes conclusões (conclusões 1ª e 2ª), a apelante arguiu a nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia.

Independentemente de se saber se a sentença enferma do vício de nulidade que lhe é assacado pela recorrente, o certo é que a arguição desse vício não teve lugar no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente, tal como impõe o art. 77º/1 CPT.

Como se sabe, esse art. 77º/1 encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer; radica no “…princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade.

” – neste sentido, por exemplo, acórdão da Relação do Porto de 20-2-2006, proferido no processo 0515705, bem como demais jurisprudência aí invocada.

O acórdão do Tribunal Constitucional n° 304/2005, publicado no DR, II Série, de 05/08/2005, deixou consignado que em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes: a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância, contendo essa arguição; a segunda, contendo a motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal ad quem.

Como assim, uma vez que a recorrente não respeitou, relativamente à arguição da nulidade da sentença, o procedimento legalmente estabelecido para o efeito em processo do trabalho, não deve conhecer-se de tal nulidade, o que se decide.

* Segunda questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

[…]* Terceira questão: se o acidente deve ter-se por descaracterizado pela circunstância de ter emergido exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

Sustenta a apelante que o acidente de trabalho em apreço se deve ter por descaracterizado pela circunstância do mesmo ter resultado de negligência grosseira do sinistrado.

Nos termos do art. 14º/1 da LAT/09: “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: (…) b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;…”.

Comece por dizer-se que os factos integradores de causas de descaracterização de um acidente de trabalho são impeditivos do direito à reparação infortunística invocado pelo autor de uma acção emergente de um acidente dessa natureza.

Ora, como escreveu Antunes Varela (RLJ, nº 3718, ano 117º, pp. 30 a 32), “(...) a repartição do ónus da prova entre as partes tem de processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas (teoria da norma).

Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido.

(...) Ao réu incumbirá por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico pretendido pelo autor.

”.

Assim sendo, impende sobre os responsáveis pelas prestações devidas por acidente de trabalho, no caso a recorrente, o ónus de alegação e prova dos factos integradores das causas de descaracterização dos acidentes de trabalho – art. 342º/2 do CC; Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2ª edição, 2010, p. 444; acórdãos do STJ de 9/6/10 e 24/2/10, proferidos no âmbito dos processos 579/09.l YFLSB e...

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