Acórdão nº 1327/12.4TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A (…) intentou a presente acção declarativa contra R (…), S. A., pedindo que seja: - Declarada a nulidade da deliberação social da Ré tomada em assembleia geral realizada, mas não convocada, no dia 31.3.1997; - Declarada a nulidade da deliberação social da Ré tomada em assembleia geral realizada, mas não convocada, no dia 15.7.1997; - Declarada a nulidade de todas as deliberações sociais da Ré tomadas em assembleias gerais realizadas subsequentemente, mas não convocadas; - Declarada a inexistência, em virtude das nulidades supra mencionadas, de todos os actos jurídicos decorrentes e subsequentes às deliberações sociais declaradas nulas nos termos supra descritos; - Autorizada uma mudança na ordem jurídica consubstanciada na reposição da situação societária da Ré existente no momento imediatamente anterior à primeira das deliberações nulas (assembleia geral de 31.3.1997), aqui se abrangendo, designadamente, a confirmação da titularidade da A. sobre 1 000 acções representativas do capital social da Ré; - Determinada a concretização de todos os actos tendentes à reposição daquela situação material originária.

Alegou, em síntese: aquando da constituição da Ré subscreveu 1 000 acções representativas do capital social, nunca tendo alienado a sua participação a favor do accionista M (…), nem de qualquer outra pessoa; as assembleias gerais da Ré de 31 de Março e 15.7.1997 iniciaram-se e concluíram-se de modo irregular, porque sem convocatória e sem a presença da A.; as deliberações tomadas nas sucessivas assembleias gerais traduzem a execução de uma estratégia eticamente muito reprovável e atentatória da moral social; com esta estratégia, pretendia o administrador da Ré enriquecer o seu actual clã (constituído por si, pela sua actual companheira e pelo seu filho menor), à custa da A. e da sua filha, excluídas da sociedade por falsificações e meios verdadeiramente fraudulentos; deste modo, as deliberações sociais da Ré ofendem clamorosamente os bons costumes nos termos do art.º 56º, n.º 1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

A Ré contestou por excepção e impugnação - excepciona a ilegitimidade da A. alegando que a acção de declaração de nulidade de deliberações sociais deve ser proposta por quem seja accionista da Ré e a A. não prova por qualquer meio idóneo que, no momento imediatamente anterior à referida assembleia geral fosse efectivamente titular daquelas acções, nem junta aos autos qualquer prova da posse e titularidade das acções; diz desconhecer se a A. alienou ou não, cedeu a terceiro ou não, a título oneroso ou gratuito, total ou parcialmente, a participação em causa ou o exercício dos respectivos direitos sociais; refere ainda que as assembleias gerais da Ré de 31.3.1997 e 15.7.1997 reuniram com a totalidade do capital social presente e todos os accionistas manifestaram vontade de que a assembleia se constituísse e deliberasse sobre todos os assuntos objecto de deliberação; as deliberações quanto ao conteúdo não ofendem os bons costumes, sendo por isso insusceptíveis de gerar a alegada nulidade; a existir tal ofensa, a deliberação em causa seria geradora de anulabilidade, e não de nulidade (art.º 58º, n.º 1, al. b) do CSC); à data da propositura da acção, o direito à eventual instauração de acção que pretendesse a declaração de anulação da deliberação social, sempre estaria precludido; não corresponde à verdade que as deliberações postas em crise pela A. sejam apropriadas para a satisfação dos propósitos de um dos accionistas e para, através do exercício do direito de voto, conseguir vantagens especiais para esse accionista ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros accionistas; se se entendesse que as deliberações tomadas na assembleia geral de 15.7.1997 eram nulas, ainda assim o aumento da capital realizado por escritura de 26.8.1997 manter-se-ia plenamente válido - nesta assembleia geral não se delibera a realização de qualquer aumento de capital, sendo que o aumento de capital em 25 000 000$00 foi uma decisão da Administração, nos termos da autorização que lhe é conferida pelo art.º 5º, n.º 2, dos Estatutos da Sociedade; a realização da reunião de assembleia geral da Ré de 15.7.1997 não era uma exigência legal, mas apenas pretendia traduzir o reforço de informação aos accionistas da Ré; a deliberação de concessão de poderes ao administrador único para outorgar a escritura é uma redundância em face do que dispõe o art.º 85º, n.º 5 do CSC; a A. actua com o abuso de direito, porquanto vem invocar agora a nulidade da deliberação e pretende com essa nulidade declarar nulo o aumento do capital social deliberado pela administração, situação que conhecia desde 1997, de acordo com a carta que endereçou à Ré.

Concluiu a Ré pela sua absolvição da instância ou do pedido e pediu a condenação da A. como litigante de má fé.

A A. respondeu à matéria de excepção e ao pedido de condenação como litigante de má fé, e invocou a falsidade das listas de presenças anexas às actas.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da A. e seleccionou-se a factualidade relevante (assente e controvertida), desatendendo-se a reclamação da A. (fls. 571 e 662 a 666).

A A., ampliando o pedido, requereu a declaração de nulidade da deliberação social da Ré tomada em assembleia geral realizada no dia 21.9.2012 e dos actos jurídicos decorrentes da mesma (aumento do capital social e alteração dos estatutos da sociedade), com a seguinte fundamentação: a assembleia geral da Ré realizou-se sem ter sido convocada e não estiveram presentes ou representados todos os accionistas, ofendendo-se clamorosamente os bons costumes; teve conhecimento da referida assembleia por consulta à certidão comercial permanente da Ré efectuada em Maio de 2013; embora a assembleia tenha sido publicada no Portal da justiça no dia 27.7.2012, os estatutos da sociedade prevêem que a convocatória para a assembleia geral se faz por publicação e, enquanto as acções forem nominativas, por carta registada dirigida aos accionistas, expedida para a morada constante do livro de acções ou da conta de acções escriturais; as acções que representam o capital social da Ré são nominativas pelo que a convocatória para qualquer assembleia geral se faz pelo envio da carta registada dirigida aos accionistas paras as respectivas moradas e sendo a A. accionista da Ré e não tendo recebido qualquer carta registada contendo convocatória para a dita assembleia geral, a mesma iniciou-se e concluiu-se de modo irregular, porque não foi devidamente convocada nos termos da lei e dos estatutos da sociedade e porque não contou com a presença da A.; a deliberação em causa, à semelhança das demais invocadas na petição inicial, traduz a execução de uma estratégia eticamente reprovável e atentatória do moral social, por via da qual pretende o administrador da Ré, que domina os rumos da sociedade, enriquecer o seu actual clã à custa da A. e da sua filha, excluídas da sociedade por via de falsificações e ilegalidades; há, assim, também nesta deliberação social, um substrato manifestamente ofensivo dos bons costumes, sendo nula.

A ampliação do pedido foi admitida[1] e consignou-se que “não serão os factos em que ele se baseia incluídos no despacho a que se fazia alusão no art.º 511º do CPC, visto que tal despacho já não estar actualmente previsto” (despacho de 20.11.2013/fls. 660).

A Ré veio ainda sustentar que as acções são ao portador de acordo com o art.º 6º, n.º 1 do Estatutos da Sociedade e por isso com a publicação no Portal da Justiça, datada de 27.7.2012 a assembleia geral da Ré está convocada; o conteúdo das deliberações em causa não tem qualquer relação com as classes fundamentais de ofensa aos bons costumes.

Realizada a audiência de julgamento, por sentença de 17.6.2016 o Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: - Declarar que a A. é titular de 1000 acções representativas do capital social da Ré, nomeadamente no momento imediatamente anterior à assembleia geral da Ré de 31.3.1997 e, consequentemente, determinar que a Ré realize todos os actos necessários à reposição da situação originária; - Declarar a nulidade das deliberações sociais da Ré tomadas nas assembleias gerais realizadas nos dias 31.3.1997, 15.7.1997 e 07.8.1997, de acordo com o disposto no art.º 56º, n.º 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais; - Absolveu a Ré dos demais pedidos; - Absolveu a A. do pedido de condenação por litigância de má fé deduzido pela Ré.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: (…) A Ré respondeu à alegação pugnando pela improcedência do recurso e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: (…) A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso subordinado.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, as seguintes questões: a) titularidade da A. sobre 1 000 acções representativas do capital social da Ré; b) se as deliberações da Ré realizadas sem a presença da A. devem ser declaradas nulas, por conteúdo ofensivo dos bons costumes; c) se o aumento de capital de 1997 se sustenta em decisão do administrador único ou na deliberação declarada nula de 15.7.1997; d) excepção de abuso do direito; e) se a sentença é nula, nos termos do art.º 590º n.º 4 do CPC de 2013.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) A A. foi casada no regime de comunhão geral de bens com o actual presidente do Conselho de Administração da Ré M (…).

2) Em 16.4.1998 foi decretada a separação judicial de pessoas e bens entre os acima referidos, tendo a acção dado entrada em Juízo a 23.5.1997, sendo aí requerente a A..

3) O divórcio da A. e de M (…) foi declarado em Setembro de 2000.

4) A (…) está registada como filha da A. e do referido M (…) 5) M (…) está registado como filho de M (…) e A (…) e nasceu em 06.02.1997.

6) A Ré é uma...

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