Acórdão nº 173/14.5GBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pela Comarca de Leiria – Instância Local de Caldas da Rainha, Secção Criminal – J1, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A...

, motorista, filho de (...) e de (...) , natural de (...) , Caldas da Rainha, nascido a 13.01.1965, residente na (...) Salir de Matos, imputando-se-lhe a prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelos artigos 137.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência aos artigos 11º, 12º, 46º, 47º, nº 1, al. d) e 56º, nº 3, al. c) do Código da Estrada.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º, nº 1 do Código de Processo Penal – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 4 de julho de 2016, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Condenar o arguido A... , pela prática, como autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.137.º, n.º 1 do Código Penal, por referência aos artigos 11º, 12º, 46º, 47º, nº 1, al. d) e 56º, nº 3, al. c) do Código da Estrada, na pena de 9 (nove) meses de prisão; b) Suspender a sua execução pelo período de um ano; e c) Absolver o arguido da pena acessória de inibição de conduzir, nos termos do art.69.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

    Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

    1. Consideramos que devem ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos: - O arguido estacionou o veículo, por si conduzido, na faixa contrária ao seu sentido de marcha, ou seja, em “contra-mão” - o arguido realizou a manobra de marcha atrás na faixa contrária ao seu sentido de marcha, ou seja, em “contra mão”.

    2. Tais factos resultam claros dos depoimentos das seguintes testemunhas: - B... , ao minuto 3:20 C... , ao minuto 3:18 D... , ao minuto 1:33 a 2:20 C) Assim, e porquanto a condução em faixa contrária à do sentido de marcha é susceptível de fazer o condutor [incorrer] na prática da contra-ordenação prevista no artigo do 11° do Código da Estrada, entendo que tal facto assume relevância, não necessariamente para a dinâmica do acidente, mas para apreciação da conduta do arguido, da forma como este (des)respeita as regras estradais; podendo ter especial importância no doseamento ao caso concreto, da pena de inibição de conduzir veículos como motor.

    3. A parte da sentença que absolveu o arguido da pena de inibição de conduzir veículos a motor aplicou lei que não está actualmente em vigor, pelo que é manifestamente ilegal.

    4. Foi aplicada a redacção anterior do artigo 69° do C.P., introduzida pela Lei 77 /2001 de 13/07.

      Os factos em causa, imputados ao arguido, ocorreram em 16.05.2014, pelo que será versão actual do artigo 69° do C.P. que deverá ser aplicada ao caso concreto.

    5. De acordo com esta redacção, a pena de inibição de veículos a motor deve ser automaticamente aplicada quando o arguido seja condenado pela prática do crime de Homicídio praticado no exercício da condução.

    6. Assim, sendo claramente, este o caso dos autos, deverá o arguido ser condenado, também, na pena prevista pelo artigo 69° do C.P., declarando-se nula a sentença ora recorrida, nesta parte.

    7. Decidindo-se pela aplicação da pena de inibição de conduzir veículos a motor, entendemos que esta deverá ser graduada nos termos gerais, previstos pelo 40° e 71° do CP e, considerando-se: - o elevado grau de culpa do arguido; - a gravidade das consequências do seu acto; - o total desrespeito pelas normas estradais; - a elevada prevenção geral que os crimes rodoviários impõem, atenta a elevada taxa de sinistralidade rodoviária; I) Pelo exposto, devem ser aditados à matéria de facto provada os factos referidos e declarada parcialmente nula a sentença recorrida, na parte em que absolveu o arguido da pena de inibição de conduzir, sendo esta parte substituída pela sua condenação na pena referida, por período não inferior a um ano.

      O arguido A... não respondeu ao recurso.

      O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso do Ministério Público, alterando-se a matéria de facto conforme alegado e ordenar que o arguido seja condenado na pena acessória de proibição de conduzir nos termos do art.69.º, n.º1, al. a), do Código Penal.

      Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não houve resposta.

      Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. No dia 16 de Abril de 2014, pelas 10:30, na Rua S. Sebastião, na Fanadia, o arguido fez manobra de marcha atrás com o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula CS... , afecto ao transporte de botijas de gás.

      1. Durante essa manobra o arguido atropelou o peão E... , de 98 anos de idade, o qual atravessava a via por trás do veículo.

      2. Esse atropelamento provocou no peão as seguintes lesões toraco-abdominais: infiltração hemorrágica bilateral da grelha costal, fractura ao nível do 3º arco costal, múltiplas fracturas de todos os arcos costais à direita, fracturas dos 3º, 4º e 5º arcos costais nos segmentos anteriores e posteriores, infiltrações hemorrágicas na região suprapíbica, fractura cominutiva pélvica (asas dos ilíacos, ísquios e pubes), bacia instável com cislhamento multidireccional com lesão dos ligamentos sacroilíacos e abertura da síntese púbica com extensa hemorragia associada, tendo aquele morrido no local.

      3. O veículo conduzido pelo arguido transportava à retaguarda várias botijas de gás, acondicionadas de modo que retirava visibilidade ao espelho retrovisor interior.

      4. O recurso aos espelhos retrovisores exteriores era insuficiente para o arguido ver o que se passava à retaguarda do veículo.

      5. O arguido estava acompanhado por um colega, a quem não pediu para ajudar na realização da manobra.

      6. Momentos antes do sucedido o arguido viu o peão a caminhar no passeio e apercebeu-se de crianças a brincar num jardim nas imediações do local onde se encontrava.

      7. Era habitual o arguido realizar a manobra naquele local, sempre que se deslocava à Fanadia para distribuir gás.

      8. O arguido sabia que por estar dentro de uma localidade, conduzir um veículo com carga perigosa e não ter visibilidade para a retaguarda do veículo deveria adoptar maior cuidado na manobra que realizava, se necessário pedindo ajuda ao seu colega.

      9. Sabia ainda que nas imediações se encontravam crianças e também o próprio peão, o que aumentava ainda mais os riscos da sua manobra.

      10. Ainda assim o arguido persistiu em fazer marcha atrás sem saber se o podia fazer em segurança, confiando que por ser habitual realizá-la naquele local e do mesmo modo se sairia bem uma vez mais.

      11. Ao assim agir omitiu os deveres de cuidado básicos que se lhe impunham, estavam ao seu alcance e teriam sido suficientes para evitar o sucedido.

        Mais se provou 13. Antes de engatar a marcha atrás, e com isso accionar o sistema de aviso de realização de tal manobra, o arguido deixou o veículo descair para a traseira cerca de 1 metro.

      12. O arguido aufere um vencimento de € 700,00 mensais.

      13. Reside em casa da companheira, sem encargos com a habitação para além dos decorrentes de consumos de água, electricidade e gás, no valor de cerca de € 160,00 mensais.

      14. O arguido não tem filhos menores, ou outros dependentes.

      15. Não tem encargos.

      16. O arguido tem o 9º ano de escolaridade.

      17. O arguido é tido como funcionário cumpridor e empenhado, bem como um condutor habitualmente cuidadoso e cumpridor das normas de segurança.

      18. Em 07.06.2016, nada consta do CRC do arguido. Factos Não Provados Inexistem.

        Motivação A convicção do tribunal foi formada com base, não apenas nos depoimentos que foram concretamente prestados, mas também como resultado da sua conjugação lógica com os demais elementos probatórios, mormente documentais, que mereceram a confiança do tribunal, e com as regras da experiência comum e da normalidade social.

        O arguido quis prestar declarações e apresentou a sua versão do acidente de uma forma franca e sincera. Afirmou que depois de descarregar as bilhas de gás que havia transportado, o seu colega que ficara no exterior do veículo fechou os taipais da viatura e entrou na mesma, que já se encontrava a trabalhar, e lhe disse que não havia ninguém por perto, iniciando então a manobra, após o que ocorreu o atropelamento, para o qual foi alertado pelos gritos das crianças e pessoas que viram o sucedido, parando, de imediato o veículo, e chamando o 112 para prestar assistência ao sinistrado.

        Em rigor, não se pode dizer que as demais testemunhas ouvidas, designadamente B... , filho do falecido E... e C... , colega do arguido e tripulante do veículo por aquele conduzido, fossem testemunhas presenciais na medida em que, embora se encontrassem nas proximidades, e no local do acidente no caso da segunda testemunha referida, não viram o momento em que...

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