Acórdão nº 430/15.3PAPNI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | ALICE SANTOS |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
*** No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação provada e procedente e em consequência condenou o arguido A...
, pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros).
Julgou parcialmente procedente e provado o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, e condenou o arguido A...
a pagar ao assistente B... B...
a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), absolvendo-o do demais peticionado.
Condenou o arguido nas custas do processo, fixando-se em 2 UC, o valor da taxa de justiça (artigo 8º, nº 9 do RCP e tabela II anexa).
Sem custas cíveis (artigo 4º, nº 1, alínea n) do RCP) Desta sentença interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido A... .
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo Ministério Público: 1.
Conforme resulta da sentença proferida nos autos, a prova em que se fundou a condenação resulta exclusivamente das declarações do assistente, tendo sido ouvidas duas testemunhas presenciais que não ouviram as expressões injuriosas imputadas ao arguido, embora tivessem assistido à discussão entre este e o assistente. O arguido remeteu-se ao silêncio.
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A disciplina legal das declarações de assistente, prevista no artigo 133º do Código de Processo Penal, impede que este seja ouvido na qualidade de testemunha, tal como o co-arguido, não prestando juramento nem lhe sendo colocadas questões sobre se tem algo contra o arguido, embora com implicações diferentes, já que o arguido não é obrigado a falar com verdade sob pena de responsabilização criminal, ao contrário do assistente, que tem essa obrigação (cfr. artigo 145º e 346º do Código de Processo Penal) 3.
A propósito da valoração das declarações do co-arguido, tanto a maior parte da doutrina, como a jurisprudência afirmam que as suas declarações valem como prova, com especiais cautelas.
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A Prof.ª Teresa Pizarro Beleza, citada pelo Prof.º Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, editora Verbo, 2ª Edição, pág. 172: “o depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação.”.
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A jurisprudência concretizou essa “suficiência”, inicialmente na necessidade de corroboração e de respeito pelo contraditório – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2006 (relatado pelo Cons.º Sousa Fonte), disponível em www.dgsi.pt; e, também do STJ, de 28.02.2007, sumariado no sítio da internet da PGD Lisboa, em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=24754&codarea=2.
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Mais recentemente, e na esteira do Ac. do STJ de 12.03.2008, relatado pelo Cons.º Santos Cabral, tem-se vindo a entender que não há base legal para exigir, em abstracto, corroboração às declarações de co-arguido, cuja valoração dependerá sim, como qualquer, de um juízo de credibilidade (embora refira ser razoável resultar do depoimento do co-arguido algum factor externo que afaste “o défice de credibilidade inicial” que recai sobre o que vier a dizer).
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Neste sentido tem também vindo a decidir o tribunal ad quem, designadamente no Ac. de 30.11.2011, relatado por José Eduardo Martins, onde se conclui que, não havendo qualquer proibição de prova, a declarações de co-arguido deve ser apreciada segundo o critério geral da livre apreciação da prova.
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De todo o modo, e no que às declarações de assistente importa (cuja exigência de cautela relativamente à sua valoração é semelhante à que se exige a co-arguido – como também se assume no Ac. do STJ identificado na conclusão 6, no ponto VIII do sumário), seja qual for o entendimento relativamente à valoração do seu conteúdo, certo é que a lei tem para elas disciplina diferente da prova testemunhal, como referimos na conclusão 2..
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Assim, parece-nos poder afirmar-se que a lei presume que tal sujeito processual não é uma testemunha que se possa afirmar desinteressada no desfecho do processo, e que tem sempre algo contra o arguido. E esse algo não é abstracto, mas sim decorrente dos factos que concretamente o assistente imputa ao arguido no processo penal em particular.
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Certo é que, conforme resulta da jurisprudência supra mencionada, estamos aqui perante uma questão de apreciação da prova e perante provas não proibidas pelo processo penal. Pelo que reina o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal).
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Postula o artigo 127º do Código de Processo Penal que a prova é livremente apreciada pelo julgador, segundo as regras da experiência, salvo excepções previstas na lei.
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A menção às excepções legais remete-nos, de imediato, para proibições de prova e métodos de obtenção da mesma.
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Contudo, também a lei, neste caso constitucional, prevê, no artigo 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) uma limitação à livre apreciação da prova, limitação essa que se eleva a um dos princípios condutores de todo o processo penal: o princípio de “presunção de inocência”.
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Assim o identifica o cit. autor Paulo Pinto de Albuquerque, in. ob. cit., pág.s 329 e 330, como um limite à livre apreciação da prova, a par das proibições de prova e do in dubio pro reo, posição com a qual concorda o recorrente, já que assim se torna possível balizar de forma objectivável o juízo livre sobre a prova e adequá-lo aos princípios do processo penal de forma a que se torne concreto e sindicável (descolando-o da subjectividade do julgador).
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O mesmo entendimento é propugnado pelo Prof.º Germano Marques da Silva, que refere na obra já citada, pág.s 125 e 126, que a livre apreciação da prova está também vinculada aos princípios de direito probatório, que especifica: presunção de inocência, in dubio pro reo, investigação e verdade...
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