Acórdão nº 780/16.1T9LMG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra Relatório Por despacho de 20 de março de 2017, proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Instrução Criminal de Viseu – Juiz 1 -, a Ex.ma JIC decidiu declarar extinto o procedimento criminal relativamente ao arguido A...

, por falta de queixa, no que tange aos factos da acusação que respeitam ao assistente B... , suscetíveis, em abstrato de integrarem a prática de um crime de difamação, p. e p. art.180.º do CP.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o assistente B...

, concluindo a sua motivação do modo seguinte: I. O Assistente apresentou, juntamente com a sua esposa, C..., queixa contra o ora Arguido, A... , pela prática, entre outros, do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º do Código Penal.

  1. Na referida queixa, os Queixosos, agora Assistentes, afirmam que “… o Denunciado tem difamado, pública e incessantemente, os Queixosos, junto dos seus vizinhos, alegando que a Queixosa, para adquirir os terrenos de que é proprietária e co-proprietária, terá enganado e até mesmo furtado os seus irmãos.

    ” III. Ao afirmar que o Denunciado difamou, pública e incessantemente, os Queixosos, o Assistente exerceu o seu direito de queixa.

  2. O facto de constar desse artigo que o Denunciado difamou, nessa ocasião concreta, a Queixosa não impede, de todo, que o Denunciado tenha vindo a difamar ambos os Queixosos, V. Apenas consubstanciando a especificação de uma situação concreta em que o Denunciado difamou a Queixosa, junto dos seus vizinhos.

  3. Apesar de ter sido feita uma referência expressa a uma situação concreta de ofensa dirigida apenas à Queixosa, tal não quer significar que o Denunciado não tenha, também, difamado o Queixoso, noutras ocasiões e circunstâncias.

  4. Até porque o relevante é que, na queixa, o Denunciante “dê a perceber a intenção inequívoca […] que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto, sendo “Indispensável [...] que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substracto fáctico que descreve ou menciona.” (in Figueiredo Dias: Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime, pg. 665).

  5. Como foi referido na queixa apresentada por ambos os Queixosos, o Denunciado também foi alvo de difamação por parte do Denunciado (“ […] o Denunciado tem difamado […] os Queixosos […]”).

  6. Tal está mesmo evidenciado no auto de inquirição da testemunha D... , no qual consta que o arguido, por várias vezes e em vários locais, disse que os Ofendidos eram uns ladrões e que tinham roubado os irmãos da Assistente (Doc. 2).

  7. A queixa do Assistente não deve, pois, ser desconsiderada por um mero problema ou questão de interpretação frásica.

  8. O Tribunal deve, em vez disso, considerar relevante o artigo 10.º da queixa, na parte em que é afirmado peremptoriamente que “ […] o Denunciado tem difamado, pública e incessantemente, os Queixosos […]”.

  9. Para além do mais, não se compreende que o procedimento criminal prossiga relativamente a apenas um dos Queixosos, e não aos dois, XIII. Quando ambos os Queixosos foram alvo de difamação por parte do Denunciado, tendo apresentado a mesma queixa contra aquele.

  10. Assim sendo, erra a decisão instrutória ao afirmar que “O Assistente B... em momento algum dos autos manifesta vontade de se queixar dos factos que constam da acusação, não estando os mesmos compreendidos na queixa de fls. 3”, afirmação que não encontra qualquer fundamento, tendo em conta a queixa em apreço.

  11. Para além do mais, erra a decisão instrutória quando afirma que “O assistente B... em momento algum dos autos manifesta vontade de se queixar dos factos que constam na acusação, não estando os mesmos compreendidos na queixa […]”, XVI. Na medida em que no artigo 11.º da queixa, ambos os Queixosos manifestam vontade inequívoca relativamente ao procedimento criminal contra o Denunciado.

  12. Por conseguinte, erra a decisão de que se recorre no momento em que declara extinto o procedimento criminal relativamente ao arguido por falta de queixa, no que tange aos factos da acusação que respeitam ao Assistente B... .

    XVIII. A decisão instrutória recorrida viola assim o artigo 399.º do Código de Processo Penal e o n.º 1 do artigo 113.º do Código Penal.

  13. Deve, assim, ser revogada a decisão instrutória, devendo ser considerada a queixa apresentada pelo Assistente, dado prosseguimento ao procedimento criminal quanto aos factos relativos a este e ser condenado o Arguido pela prática do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º do Código Penal.

    O Ex.mo Procurador da República na Comarca de Viseu respondeu ao recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo e manutenção da douta decisão que não pronunciou o arguido pelos factos suscetiveis de tipificar um crime de difamação na pessoa do assistente B... .

    Também o arguido A... respondeu ao recurso apresentado pelo assistente, pugnando pelo seu não provimento e manutenção integral da decisão recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder e ser confirmada a decisão recorrida.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o assistente B... na resposta ao douto parecer renovado o entendimento de que o recurso por si apresentado deve ser julgado procedente.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação O despacho recorrido tem , na parte aqui com interesse, o seguinte teor: « Declaro encerrada a instrução: I-Relatório: Em Processo Sumaríssimo o MP propôs a aplicação de uma sanção ao arguido: A... , casado, filho de (...) e de (...) , nascido a 3.6.1922, natural de Lamego, residente na (...) , Lamego; Imputando-lhe a prática de dois crimes de difamação, p.p.p artigo 180º do CP.

    O arguido opôs-se à aplicação da sanção em processo sumaríssimo.

    Deu-se cumprimento ao artigo 398 do CPP.

    O arguido veio requerer a abertura de instrução, alegando a falta de queixa e a falta de verificação dos pressupostos do crime.

    Foi admitida a instrução.

    Designou-se data para o debate instrutório e procedeu-se à realização do mesmo.

    *** O Tribunal é competente e as partes são legítimas.

    Cumpre apreciar a questão da falta do direito de queixa: Na situação concreta o assistente apresentou queixa, no que aqui interessa, com o seguinte teor: “O Denunciado tem difamado, pública e incessantemente, os Queixosos, junto dos seus vizinhos, alegando que a Queixosa, para adquirir os terrenos de que é proprietária e co-proprietária, terá enganado e até mesmo furtado os seus irmãos”.

    Da acusação consta o seguinte: “ … o arguido dirigiu-se a D... e disse-lhe que os ofendidos (…) eram uns ladrões que tinham roubado os irmãos da ofendida.

    (…) o arguido dirigiu-se a E..., e disse fazendo alusão ao ofendido “o teu patrão é um ladrão, que roubou os cunhados e que me quer roubar a mim, bem como a F..., apontando para a residência do ofendido dizendo-lhe estas a olhar para a casa do ladrão?”.

    Como mencionamos o arguido encontra-se acusada da prática de dois crimes de difamação, p.p.p artigo 180º do CP.

    Tal crime reveste natureza particular, dependendo não só de queixa, como de acusação particular (cfr. artigos 180 e 188 do CPP), sendo que na situação concreta, atenta a forma do processo inicial, basta a concordância do assistente para o processo sumaríssimo, não sendo necessário que o mesmo, posteriormente deduza acusação (artigos 392, nº2 e 398 do CPP).

    Acontece que de acordo com o artigo 50 do CPP: “1- Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular”.

    Acrescentando o artigo 49 do mesmo diploma que: “1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”.

    Ora, o exercício do direito de queixa exige uma manifestação inequívoca de vontade do denunciante no sentido de que pretende procedimento criminal contra o denunciado.

    Na situação concreta, relativamente aos factos que de...

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