Acórdão nº 42/13.6TARSD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução27 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum singular 42/13.6TARSD da Comarca de Viseu, Instância Local de (...) , Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 15 de Julho de 2015 com o seguinte dispositivo: Por todo o exposto, julgo a acusação pública totalmente procedente, por provada, e em consequência, decido: Condenar o arguido A... , pela prática em autoria material e na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artigos 14º nº 1, 26º, 30º nº 2 e 205°, n.ºs 1 e 4 al. b) do C. Penal pena de prisão de 3 (três) anos, a qual decido suspender na sua execução por igual período de 3 (três) anos, de acordo com o disposto nos artigos 50º nºs 1, 2 e 5, C. P. e subordinada ao dever de o arguido pagar ao Banco C... , S.A. pelo menos metade do valor pelo mesmo peticionado a título de indemnização civil, ou seja, € 22.000,00 (vinte e depois mil euros), o que deverá ocorrer durante o prazo da suspensão (3 anos), comprovando tal pagamento nos autos, de acordo com o disposto no artigo 51 º nº 1 alínea a) do C. Penal.

Condenar o arguido A... , no pagamento das custas do processo e individualmente no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC (artigos 513º nºs 1 a 3, 514º e 524º do Código de Processo Penal e artigo 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei n° 34/2008 de 26/02 por referência à tabela III).

Mais decido: Julgar o pedido de indemnização civil totalmente procedente por provado e em consequência condenar o arguido A... a pagar ao demandante Banco C... , S.A. a quantia de 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), a título de indemnização civil pelos danos patrimoniais perpetrados com a prática do crime referido em a), a que deve ainda acrescer o valor dos juros vencidos, calculados à taxa legal de 4%, desde a notificação ao arguido do pedido de indemnização civil (artigos 805° n° 2 alínea b) e 3 e 806° do C. Civil e Portaria n° 291/03, de 08.04) e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Custas do pedido cível pelo arguido A... (artigos 523° do CPP e 527° nOs 1 e 2 do CPC).

Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido A...

, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: 1 - Enquanto funcionário bancário do “Banco C... , S.A.”, o arguido foi condenado no crime de abuso de confiança qualificado alegadamente por ter efetuado três transferências bancárias não autorizadas nem motivadas, entre as seguintes contas bancárias, todas elas sediadas no identificado “Banco C... , S.A.”: • Transferência no valor de 3.000,00€ da conta n.º (...) de D... para a conta n.º (...) de E... ; • Transferência no valor de 28.500,00€ da conta n.º (...) de D... para a conta n.º (...) de H... ; • Transferência no valor de 8.331,37€ da conta n.º (...) da conta de D... para a conta n." (...) de " J... , Lda."; 2 - Do ponto de vista da análise dos pressupostos do crime em questão resulta evidente que não resultou provado que o cliente D... ou o “Banco C... , S.A.” tenham entregue ao arguido qualquer coisa móvel, nomeadamente dinheiro, por título não translativo da propriedade, daí que nesta parte não se verifica o pressuposto de que a lei penal faz depender a verificação do crime de abuso de confiança; Sendo que, e apesar disso, 3 - O Tribunal a quo considerou que o proprietário do dinheiro transferido (39.831,37€) era o “Banco C... ”, o qual confiou ao arguido por este ter domínio funcional e poder de disposição sobre os fundos correspondentes aos saldos das contas do cliente D... , tendo assim o arguido, enquanto funcionário bancário, e mercê das transferências processadas, violado a relação de fidúcia existente entre o Banco seu empregador; No entanto, 4 - Não resulta da matéria de facto provada quais as concretas funções e atribuições laborais que estavam adstritas ao arguido, nem sequer que o “Banco C... , S.A.” lhe confiou os fundos das contas do cliente D... , e muito menos que lhas entregou nos termos e para efeitos previstos no artigo 205º, n.º 1, do Código Penal; Aliás, 5 - Da matéria de facto considerada provada também não resulta que o “Banco C... , S.A.” tenha conferido ao arguido domínio funcional e poder de disposição sobre as identificadas contas bancárias, não se sabendo nem descortinando sequer a que título; Daí que, 6 - Em face da matéria de facto considerada provada não resultou demonstrado os pressupostos de que a lei penal faz depender a verificação do crime de abuso de confiança correspondente à entrega de coisa móvel por título não translativo da propriedade; Além disso, 7 - Da matéria de facto considerada provada também não se poderá concluir que o arguido se apropriou das quantias em questão, pois que desde logo não resultou provado com que motivação é que o arguido terá alegadamente processado as transferências em causa, nem muito menos que tenha transferido os valores em causa para a sua disponibilidade e património, inexistindo nos autos qualquer facto provado de onde se possa extrair qualquer enriquecimento ou benefício ilegítimo do arguido; Mas mais importante, 8 - Se a apropriação se revela através do ato ou atos de apropriação dos quais se verifique uma deslocação da propriedade, o certo é que as alegadas e imputadas três transferências foram todas elas processadas para as identificadas contas ( (...) , (...) e (...) ) todas do “Banco C... , S.A.”, enquanto proprietário dos respetivos dinheiros; Ou seja, 9 - Os dinheiros saíram das contas de D... , sendo o Banco o proprietário do dinheiro, e entraram nas contas de E... , H... e " J... , Lda.", continuando o "Banco C... , S.A." como proprietário dos dinheiros aí existentes e, por isso, nenhuma deslocação de propriedade se verificou; 10 - O que se deixa exposto reveste manifesta pertinência em face do depoimento de I... , legal representante da empresa “ J... , Lda.”, o qual no depoimento que prestou em audiência no dia 02 de Junho de 2015, declarou inequivocamente que apesar da identificada transferência ter sido processada, o "Banco C... , S.A.", enquanto proprietário do dinheiro, lhe retirou da conta a indicada quantia de 8.331,37€, com a argumentação de que tal transferência fora indevidamente processada, tal como resulta da seguinte passagem do seu depoimento: • Passagem com início ao minuto 07:06 e termo ao minuto 08:03; 11 - Resulta assim evidente que o “Banco C... , S.A.” ao reter/retirar a quantia que foi transferida para a firma “ J... , Lda.” atuou como proprietário do dinheiro das contas, inexistindo qualquer deslocação da propriedade mercê das transferências alegadamente processadas pelo arguido; Desta forma, 12 - Não se poderá também concluir como se afirma na sentença recorrida, que o arguido se apropriou das quantias derivadas das identificadas transferências, integrando-as no seu património, o que fez comportando-se como se fosse o proprietário do dinheiro; trata-se de uma mera conclusão que não se mostra alicerçada em factos concretos, sendo que da factualidade provada não resulta que o arguido tenha praticado qualquer ato objetivamente idóneo e concludente, nos termos gerais - “uti dominus”, sendo exatamente nesta realidade objetiva que se traduz a “inversão do título de posse ou detenção” e é nela que se traduz e se consuma a apropriação; 13 - Porque assim não decidiu, o Tribunal a quo violou o preceituado no artigo 205º, n.º 1, do Código Penal; Por outro lado, 14 - Apesar do arguido ter negado a prática dos factos, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, e mediante o recurso a prova indireta e indiciária, considerou o Tribunal a quo que foi o arguido que efetuou as identificadas transferências bancárias através da utilização do seu “user”, ou seja do código que lhe permitia o acesso ao sistema informático interno do “Banco C... , S.A.”; Neste enquadramento, 15 - O arguido negou a prática dos factos, sendo que tal como foi reconhecido na motivação processada pelo Tribunal a quo não foi produzida qualquer prova direta nos autos, nomeadamente testemunhal, donde se pudesse extrair que foi o arguido que processou as identificadas transferências mediante a utilização da sua “user”; 16 - Por outro lado, e também como foi reconhecido na motivação processada pelo Tribunal a quo, não resulta da matéria de facto considerada provada, ou de qualquer outro elemento do processo, com que motivação e intenção terá agido o arguido, sendo certo que também não resultou provado que o arguido tenha integrado no seu património as quantias referentes às transferências bancárias; Além disso, 17 - Também não resultou sequer provado que o arguido tenha tido qualquer benefício com a realização das transferências, nomeadamente e a título exemplificativo, recebendo contrapartidas dos beneficiários das transferências; Outrossim, 18 - Resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que o Tribunal a quo formou a sua convicção no sentido de que foi o arguido que efetuou as transferências por as mesmas terem sido efetuadas com o seu código pessoal, por o arguido ter tido de alguma forma participação ou contacto com os beneficiários, e tendo por referência e suporte os depoimentos das testemunhas D... , H... e I... ; Isto posto, 19 - Atenta a falta de prova da motivação com que o arguido terá agido, e a completa ausência de prova no que respeita a benefícios ilegítimos pelo mesmo auferidos com as identificadas transferências bancárias, haverá que conceder que a prova indiciária indicada pelo Tribunal a quo não é suficientemente firme, segura e sólida para através dela se estabelecer a conclusão considerada provada de que foi efetivamente o arguido que procedeu às transferências em questão; 20 - É certo que as transferências foram efetuadas com a “user” do arguido, traduzido num código pessoal e intransmissível, tal como por este foi aceite em audiência de julgamento, mas daí não se poderá retirar a conclusão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT