Acórdão nº 59/14.3TASBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Processo nº 59/14.3TASBG que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Guarda – Instância Local – Secção Criminal – J1, em que é ofendido A... e arguido B...
, a Digna Magistrada do Ministério Público proferiu, em 13 de Maio de 2015, despacho de arquivamento dos autos.
Em 7 de Julho de 2015 o ofendido requereu a constituição como assistente e a abertura da instrução. Por despacho de 1 de Outubro de 2015 foi o ofendido admitido a intervir nos autos como assistente.
Ainda em 1 de Outubro de 2015 o Mmo Juiz de instrução proferiu despacho de rejeição do requerimento para abertura da instrução apresentado pela assistente, por inadmissibilidade legal da referida fase processual.
* Inconformado com a decisão, recorreu o assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: I O recorrente/assistente não se conforma com o douto despacho proferido pelo tribunal a quo que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por si formulado.
II O despacho recorrido fez uma interpretação restritiva das normas constantes do artigo 287º nº 2 do CP'P, sustentando que o requerimento de abertura de instrução deve conter todos os requisitos exigidos para a dedução da acusação.
III Considerou o tribunal a quo que no requerimento aduzido o recorrente "não enumera os factos concretos e objetivos que considera terem sido praticados pelo denunciado, limitando-se a tirar conclusões do que, segundo a sua versão, aconteceu ao dinheiro", e que "não existe (…) qualquer referência ao crime que supostamente o denunciado terá praticado".
IV Porém, do requerimento de abertura de instrução, não dimanam as mencionadas omissões.
V Ao contrário do referido no douto despacho recorrido, do requerimento de abertura de instrução consta a concretização precisa c concisa dos factos – objctivos e subjetivos conformadores do ilícito penal de furto qualificado (artigos 30º a 47º).
VI Nos artigos 30º, 35º, 40º, 41º, 42º e 43º, o recorrente descreve os factos praticados pelo arguido, constitutivos do tipo objetivo do crime de furto qualificado VII E, nos arts. 46º e 47º, conformou a imputação subjetiva desse mesmo ilícito penal.
VIII Efetivamente, o recorrente, quando formulou o seu pedido, não fez menção expressa do ilícito pelo qual pretendia ver o arguido pronunciado IX Todavia, tendo o recorrente descrito – objetiva e subjetivamente – a conduta do arguido como integradora do tipo de crime de furto qualificado e tendo-se reportado sempre ao despacho de arquivamento onde a conduta sindicada é qualificada como configurando a prática do crime de furto qualificado, p e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203º. nº 1 e 204º, nº 1, al. a), por referência ao art. 202º. al. b), todos do Código Penal, é perfeitamente inteligível ser este o ilícito penal pelo qual o arguido deve ser pronunciado e que justifica a aplicação de urna pena.
X Assim. o requerimento de abertura de instrução do recorrente cumpre os requisitos previstos nas disposições conjugadas dos arts. 287º. nº 2 e 283º do CPP.
XI Assegurando a realização plena dos princípios enformadores do processo penal do acusatório, da vinculação temática do tribunal e do contraditório ou de defesa do arguido.
XII Razão pela qual se impunha que o tribunal a quo recebido o requerimento de abertura de instrução formulado pelo recorrente.
XIII Não o tendo feito, violou o disposto nos arts. 287º. n.º 2 e 283º do CPP.
XIV Assim, pelo exposto, conferindo o tribunal ad quem provimento ao presente recurso, deverá o douto despacho que rejeitou a abertura de instrução por inadmissibilidade legal da mesma ser revogado e substituído por outro que o receba determinando a abertura de instrução.
Porém, V. Exas, decidindo farão JUSTIÇA.
* Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que o recorrente, no rejeitado requerimento, procedeu à narração dos factos, objectivos e subjectivos, que fundamental a aplicação ao arguido de uma pena, mas omitiu a indicação expressa do tipo de crime imputado e respectivos preceitos legais e, apoiando-se no já decidido por esta Relação no acórdão de 26 de Outubro de 2011, concluiu pelo não provimento do recurso.
* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que para abertura da instrução não identifica o crime pelo qual deveria o arguido ser pronunciado nem enumera os factos concretos que considera terem sido por ele praticados, e não pode ser objecto de convite a aperfeiçoamento, e concluiu pela improcedência do recurso.
* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que,a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o requerimento para abertura da instrução padece de deficiência que determine a sua rejeição, como foi decidido, ou não. * Para a resolução da questão importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte: “ (…).
O assistente A... veio requerer, a fls. 220 e seguintes, a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia do “arguido”, sem contudo indicar qual o crime pelo qual pretende ver o arguido pronunciado.
Nos termos do artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Se o juiz de instrução decidir que a causa deve ser submetida a julgamento, aceitando as razões apresentadas pelo assistente, isso significa que recebe a acusação implícita no requerimento para abertura da instrução, pronunciando o arguido em conformidade com ela.
Assim, o requerimento apresentado pelo assistente para abertura de instrução há-de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, como resulta desde logo do n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, que remete para as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo diploma legal.
Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.
Como comenta Maia Gonçalves, o requerimento do assistente para abertura da instrução “deverá, a par dos requisitos do nº 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO