Acórdão nº 2153/16.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 21.4.2016, CP (…) Lda., instaurou a presente acção requerendo a declaração de insolvência de A (…), Lda., alegando, em síntese: - Tem como objecto a exploração do transporte ferroviário de mercadorias. - Correu termos um Processo Especial de Revitalização (PER) da requerida (12/14.7TBMGL), tendo sido proferida sentença homologatória do respectivo plano de recuperação em 23.5.2014 (doc. n.º 1/fls. 9)[1] e que transitou em julgado.
- O crédito da requerente foi fixado em € 626 115,15 sujeito a um período de carência de 1 ano (após trânsito em julgado da sentença de homologação do plano) e com amortização da dívida em 6 anos mediante pagamentos trimestrais, iguais e sucessivos, no valor de € 26 088,13, e ainda perdão de juros e outros encargos.
- A requerida não liquidou qualquer das prestações a que estava obrigada.
- Tentou estabelecer contactos com vista ao pagamento da dívida em atraso, mas sem qualquer sucesso.
- Verifica-se a impossibilidade definitiva da requerida satisfazer as suas obrigações de pagamento para com a requerente, sendo manifesta a inexistência de activo capaz de cobrir o crédito da requerente e o restante passivo existente.
A requerida deduziu oposição invocando, designadamente, por um lado, que nada pagou à requerente pois é credora desta em cerca de € 4 970 000, pelas razões que explica no seu articulado, tendo já interposto acção judicial para reconhecimento desse crédito (a que se refere a certidão de fls. 642) e, por outro lado, que é assim manifesto que não se encontra numa situação de insolvência, além de que é proprietária de um património mobiliário de valor superior a € 600 000, tem vindo a reduzir o passivo da empresa, em termos contabilísticos não tem um passivo superior ao activo, não tem quaisquer dívidas às Finanças ou à Segurança Social e continua a desenvolver a sua actividade comercial. Concluiu pela improcedência da acção.
Na data designada para a audiência de julgamento, considerando a “litigiosidade do crédito que legitima a propositura da presente acção”, a Mm.ª Juíza a quo decidiu ouvir as partes para “se pronunciarem quanto ao prosseguimento dos presentes autos para a audiência de julgamento”, tendo estas manifestado a sua posição (fls. 713, 715 verso e 719 verso).
Após, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 08.7.2016, indeferiu o pedido de declaração de insolvência da requerida.
Inconformada, a requerente [então, denominada M (…) S. A.] interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: 1ª - A sentença recorrida limitou-se a indeferir o pedido de declaração de insolvência, sem a indicação de qualquer fundamento legal.
2ª - E não levou em linha de conta que foi proferida sentença transitada em julgado, no âmbito de um PER, que condenou a requerida a cumprir um plano de recuperação que envolvia o pagamento de um crédito reconhecido à requerente, pelo que este não tem que ser apreciado noutra acção judicial.
3ª - A qualidade da requerente, enquanto credor, é inquestionável e o respectivo crédito não é litigioso; a existência de um pretenso crédito da requerida, que só aparece depois da instauração da presente acção, é um condenável expediente dilatório que o Tribunal devia ter condenado.
4ª - No relatório apresentado pelo Administrador Judicial no PER, não há qualquer menção ao crédito da requerida que, por isso mesmo, não foi levado em consideração, não foi dado a conhecer, nem tem o menor fundamento.
5ª - Se os maus resultados da requerida fossem devidos ao comportamento do seu maior credor, a requerente, isto mesmo teria que ser conhecido, analisado e esclarecido no âmbito do PER, e não foi.
6ª - Não se verifica qualquer questão prejudicial e só essa poderia legitimar uma suspensão do processo, nunca um indeferimento liminar - o processo devia ter prosseguido com a declaração de insolvência por se verificarem factores índice que demonstram que a requerida não está em condições de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, está insolvente.
7ª - A sentença viola o disposto nos art.ºs 3º, 20º, n.º 1, alíneas a), b) e f) e 30º do CIRE, pelo deve ser revogada, declarando-se a insolvência da requerida.
A requerida respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) legitimidade da recorrente para requerer o decretamento da insolvência; b) se era possível, sem outras diligências ou não realizando a audiência de julgamento, conhecer das questões susceptíveis de determinar a improcedência do pedido.
* II. 1. Para a decisão do recurso relevam a factualidade e a tramitação aludidas no antecedente “relatório”, e ainda o seguinte:[2] a) No plano de recuperação homologado por decisão de 23.5.2014 (PER n.º 12/14.7TBMGL) fez-se constar, nomeadamente, que a situação da empresa era “decorrente da crise económica no sector em que se insere nomeadamente fornecimento para a construção civil/obras públicas (a sociedade possui como clientes a (…)a título de exemplo), bem como as greves ocorridas na CP (…) S. A., com o aumento dos custos fruto da necessidade de obter materiais em outros mercados como a Espanha”[3] e que se pretendia recuperar a confiança dos fornecedores na requerida e “assegurar um nível de actividade comercial que permita uma exploração não deficitária já no próximo exercício”.
b) O crédito da requerente, no montante indicado na petição e que incluiu a dívida à “CP Comboios” (no montante de € 255 121,42), envolveu o perdão de juros e outros encargos, e o capital teve um período de carência de um ano (após o trânsito da decisão homologatória) e seria amortizado em 6 anos em pagamentos trimestrais, iguais e sucessivos, no valor de € 26 088,13.
c) Na carta que a requerida remeteu à requerente, em 04.4.2016, e que esta documentou aos autos com a pronúncia de fls. 719, a requerida referiu: lamentar “não estar a cumprir com o homologado no processo especial de revitalização”; “a grave e prolongada crise económica nacional provocou-nos sérias dificuldades financeiras, não nos sendo possível o cumprimento ´imediato` das obrigações assumidas perante V. Exas.
”; “´Apesar de todas estas dificuldades, na presente data todos os transportes de areia fornecidos por V. Exas. são liquidados a pagamento a pronto por nós, cumprindo assim o acordado com V. Exas`”; “Aguardamos com expectativa o ajuste de um contrato de fornecimento de materiais de construção designadamente areia e da prestação de serviços de transporte com a ´Agrepor (…)` que nos permitirá fazer face aos nossos compromissos”; “Assim requeremos a V. Exas. que nos concedam mais algum tempo para procedermos ao pagamento dos valores em dívida”.
d) No final de cada um dos exercícios dos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, a requerida apresentou, respectivamente, as seguintes dívidas a fornecedores: € 1 685 426,83; € 1 112 682,95; € 808 436,27; € 773 820,42; € 789 689,97 e € 758 736,59.
e) E no final dos mesmos exercícios apresentou as seguintes dívidas de financiamentos obtidos: € 828 799,99; € 783 884,68; € 586 698,97; € 532 334,82; € 489 626,24 e € 487 736,88, respectivamente.
f) O total do activo da requerida nos balanços de 31.12.2014 e de 31.12.2015 foi de € 1 599 418,55 e € 1 536 156,16, respectivamente; nos mesmos exercícios, o valor do passivo foi de € 1 294 955,30 e € 1 258 425,72 e verificaram-se resultados líquidos de exercício de € - 113 330,66 (2014) e € - 26 480,31 (2015).
g) Em 2014 e em 2015, a requerida facturou os montantes de € 805 736,75 e € 661 106,33, respectivamente, a título de volume de vendas e serviços prestados.
h) A 19.02.2016 a requerida tinha a sua situação tributária regularizada (não sendo devedora de quaisquer impostos ou outras prestações tributárias e respectivos juros); em 06.5.2016 tinha também a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.
i) Continua a desenvolver a sua actividade comercial com um quadro de pessoal constituído por cerca de 10...
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