Acórdão nº 1773/16.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
C (…), S.A.
instaurou processo especial de recuperação a si atinente.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo sido aprovado plano de recuperação, com o voto contra do credor N (…) SA.
Seguidamente o plano foi homologado por sentença.
-
Inconformados recorreram o Credor N (....) e o MºPº.
2.1.
Conclusões do N (....) : (…) 2.2.
Conclusões do MºPº: (…) 2.3.
Contra alegou a requerente.
(…) 4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 4.1.
Do recurso do N (…): Não homologação do plano de recuperação por violação dos artºs 192º nº2, 194º nº2, 195º nº2 e 216º nº2 al. a) do CIRE 4.2.
Do recurso do MºPº: Não homologação do plano por violação das regras que impõem a indisponibilidade dos créditos fiscais - artºs 30ºnº 2 e 3 e 36º nº 3 da LGT, e artºs 85º nº 3, 196º e 199º do CPPT, e artº 125, da lei 55-A/2010, de 31/12. 5.
Os factos essenciais que importa considerar são os seguintes: 1 – Pela devedora (…) foi apresentado acordo extrajudicial de recuperação no qual foi assumido um passivo global de 8.166.769,54 euros, posteriormente revisto para € 9.476.301,88.
2 - Ao recorrente N (…) foi reconhecido um crédito no valor de 1.027.386,68 €.
3 – As instalações da devedora e os equipamentos nelas existentes encontram-se escriturados no seu balanço pelo valor de 6.481.809,00 euros.
4 - Em 20 de Fevereiro de 2004, foi celebrado entre o credor e a devedora um contrato de penhor mercantil, para garantia de mutuo até ao montante de € 750.000,00, bem como todas as obrigações dele decorrentes designadamente juros e despesas.
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- Ao recorrente foi reconhecido no acordo um crédito no montante de 689.575,00 euros garantido por hipoteca.
6 - Consta no acordo extrajudicial de recuperação: I - Em caso de liquidação da devedora a venda dos seus ativos não ultrapassaria 20% do valor total dos passivos o que representaria cerca de 23% do valor total dos créditos garantidos e privilegiados.
II –Credores garantidos – 5.933.510,45 euros.
Aos credores garantidos propõe-se o pagamento da totalidade do crédito no prazo de 15 anos, com prestações trimestrais, vencendo-se a primeira 30 dias após a homologação do plano de pagamentos, com perdão de juros vencidos até á data do início do plano e nas seguintes condições de juros e amortização: Taxas de juro (fixas) Março de 2016 a Dezembro 2018 – 0,50% - janeiro 2019 a dezembro 2020: 0,75% -janeiro 2021 a dezembro 2025: 1,25% - janeiro 2026 a dezembro 2031 – 1,75%.
Amortização (valor anual) Até dez 2020: 10% - jan 2021 a dez 2030: 60% - 2031 bullet: 30%.
III - Os montantes serão a repartir proporcionalmente por cada credor garantido.
IV - Conforme expresso no estudo de viabilidade, ponto 5 do presente documento, a empresa irá proceder à liquidação do seu stock de vinho do porto, pelo que o plano prevê a libertação dos penhores mercantis existentes, libertando-se os vinhos em valor igual a cada uma das amortizações de capital efetuadas.
V - Todas as garantias prestadas mantêm-se no âmbito do presente plano de pagamentos.
VI – Créditos condicionados Estado Considerando que os dois processos de execução se encontram suspensos, a Casalinho…possui a sua situação tributária regularizada nos termos do nº12 do artº 19º do CPPT, dispensando a homologação de qualquer plano de pagamentos relativo a estas dívidas o Estado.
Na eventualidade de serem decididos desfavoravelmente à empresa, propõe-se que os mesmos sejam pagos em 150 prestações mensais respeitando o previsto no nº6 do artº 196 do CPPT.
7 – O acordo de recuperação e plano de pagamentos foram aprovado pelos credores de acordo com o quórum legal necessário.
8 – A devedora deduziu, em execuções fiscais, impugnação ao ato de liquidação.
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Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
A ratio e teleologia do CIRE, na sua redação matricial, qual seja a liquidação imediata do seu património do devedor com a satisfação dos direitos e interesses dos credores, na mais ampla perspetiva, deu lugar, com a alteração ao processo de insolvência, introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que aditou as normas reguladoras do PER, a que o fito primeiro e fulcral do processo de insolvência, passasse a ser a recuperação do devedor.
Assim, o objetivo do legislador do CIRE, na sua redação inicial, de desjudicializar o processo e perspetivar este, essencialmente, como um processo em que aos interessados é facultada a possibilidade de modelarem as suas pretensões, parece ter-se acentuado.
Efetivamente, e como dimana dos seus preceitos atinentes – artº 17º A e segs -, todo o processo do PER, ainda que com intervenção, ativa e atual, do Sr. administrador judicial provisório e uma fiscalização, mais a posteriori, do Juiz, assume-se e consubstancia-se, na sua vertente material ou substancial, como uma negociação entre devedor e credores.
Por conseguinte, é evidente que os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade assumem uma importância acrescida.
Este primordial objetivo recuperatório é plasmado e evidenciado nos planos de insolvência e de recuperação.
Aquele constitui uma medida alternativa à liquidação universal supletiva: «em derrogação das normas do presente código» - artº192º nº1, in fine do CIRE.
A perceção de que esta liquidação pode não acautelar todos os interesses merecedores de tutela, levou o legislador a admitir que os próprios credores, em conjugação de esforços com o administrador de insolvência e com respeito por determinadas regras formais e materiais, procedam à auto-regulação da liquidação do património, sem sujeição ao regime geral e abstrato previsto na lei, ou salvando, se possível, a empresa e, com isso, assegurando a manutenção da sua atividade ou salvaguardando postos de trabalho insolvente – cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, vol. II, págs. 37 e 38.
Assim, foi conferido aos credores o poder de - e respeitados que estejam os limites e exigências formais e materiais legalmente impostos: cfr., vg. artºs 192º nº2 e 193º e sgs. do CIRE - incluírem no plano uma plêiade de providencias exemplificativamente vertidas no artº 196º, a saber: o perdão ou redução do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionamento de reembolso de créditos; modificação de prazos de vencimento e taxas de juros; constituição de garantias e cessão de bens aos credores; e outras ali não previstas.
Por conseguinte, o plano: «tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles….A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial.» - Gisela Fonseca in Direito da Insolvência – Estudos, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”.
E se assim é para o plano de insolvência, por igualdade ou, até, maioria de razão – argumento a fortiori – o deve ser para o plano de recuperação.
Pois que neste se dá relevância à revitalização da empresa, fito este que, como se expressou, parece ter substituído como objetivo primordial da legislação insolvencial o anteriormente assim considerado, qual seja, a satisfação dos direitos dos credores o mais amplamente possível – cfr. Acs. do STJ, de 10/04/2014, p. 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, p. 6148/12.1TBBRG.G1.C1 in dgsi.pt.
Assim sendo, «esta primazia (mesmo a satisfação dos créditos) não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente» - Menezes Cordeiro, in “Perspetivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, nºs 22/23, 2012, ps 40 a 42.
6.1.2.
Mas não obstante toda a amplitude de atuação que os interessados têm à partida, ex vi daquele desiderato primordial e destes princípios, é evidente que, como em tudo o mais, ela tem limites.
Pelo que nem os credores podem atuar de um modo desmedido e atribiliário, porventura em conluio, entre si ou com o próprio devedor, para obterem fitos ilegais; nem, correspondentemente e precisamente para obviar a estes riscos, a intervenção do juiz se pode limitar à de um mero e, quiçá, passivo, árbitro que apenas fiscaliza a infração clamorosa e evidente de regras ou procedimentos...
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