Acórdão nº 395/13.6TBSPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução22 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A autora propôs contra os réus a presente acção com a forma de processo comum pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento existente entre a autora e os réus, aquela como locadora e estes como locatários, incidindo sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial, com a consequente condenação dos réus a entregarem o arrendado no prazo de dez dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença que decretar a peticionada resolução, bem assim como a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 501 euros, correspondente às rendas vencidas e não pagas de Outubro a Dezembro de 2013, as rendas vincendas a partir de Janeiro de 2014 e a indemnização nos termos e valores referidos no art. 1045º/1/2 do CC, até à entrega do locado, e os juros moratórios à taxa legal a contar do vencimento de cada uma das rendas em dívida e até integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que: é dona do imóvel identificado no art. 1º da petição, do qual os réus são locatários; no ano de 2013, os anteriores donos desse prédio e então locadores promoveram a transição do contrato para o novo regime do arrendamento urbano (NRAU – Lei 6/2006, de 27/2, com a redacção então em vigor), tendo proposto como novo valor da renda mensal o de 217 euros, em actualização do de 21,21 euros mensais que então era devido, e um novo prazo de vigência de dois anos; os réus não aceitaram tal valor, ao qual contrapropuseram o de 50 euros mensais, não tendo igualmente aceitado o prazo de vigência proposto; nesse enquadramento, os então locadores comunicaram aos réus que a renda actualizada seria a dos 217 euros mensais inicialmente propostos, a qual deveria ser paga a partir de Julho de 2013; por referência aos meses de Outubro a Dezembro de 2013, os réus apenas pagaram a renda mensal de 50 euros, incorrendo por isso na causa de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento pontual da renda devida.

Os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

Alegaram, em resumo, que: não tendo havido consenso quanto ao novo valor da renda a pagar, inexistia fundamento legal para que fosse decretada a resolução de um contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas cujo valor não foi acordada entre senhorio e inquilino; são inconstitucionais as normas dos artigos 30º a 37 do NRAU, quando interpretadas no sentido de permitirem a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio por falta de pagamento de uma renda que não foi consensualizada com os locatários, neste caso por violação do art. 65º/4 da CRP, ou quando interpretadas no sentido de permitirem tal resolução sem que previamente confiram ao inquilino a possibilidade de ver fixada, por decisão judicial, o valor da renda devida, neste segmento por violação do art. 20º da CRP; o valor patrimonial tributável do imóvel arrendado não corresponde ao de 39.140 euros e com base no qual os anteriores locadores propuseram a renda mensal de 217 euros, tendo em conta, designadamente, que a idade do imóvel locado não era a de 30 anos; esse valor não poderia exceder o de 10.000 euros, com base no qual os réus contrapropuseram a renda mensal de 50 euros; o aumento da renda de 21,21 euros mensais para 217 euros mensais constituiria um verdadeiro abuso de direito.

Respondeu a autora para, em resumo, sustentar que o valor patrimonial tributário de 39.140 euros do imóvel locado foi correctamente determinado, pois que esse imóvel tinha realmente 30 anos à data do pedido de avaliação formulado em Fevereiro de 2013.

O processo seguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte: “Assim, pelo exposto:

  1. Declaro resolvido o contrato de arrendamento pelo qual é locadora a A., e locatários os Réus, tendo por objecto o prédio/casa de habitação descrita no ponto 1 da factualidade apurada.

  2. Condeno os Réus a entregarem à A. a casa de habitação supra referida, no prazo de 30 dias a contar do trânsito da presente sentença.

  3. Condeno os Réus a pagarem à A. a importância de 501 euros, correspondente ao montante em dívida das rendas referentes aos meses de Outubro a Dezembro, todos de 2013.

  4. Condeno os Réus a pagarem à A. os juros moratórios incidentes sobre o montante em dívida por referência a cada um daqueles 3 meses, contados da data do respectivo vencimento (dia 1 de cada mês) e até integral pagamento.

  5. Condeno os Réus a pagarem o montante relativo às rendas correspondentes aos meses de Janeiro de 2014 (inclusive) e posteriores até ao trânsito da presente sentença, bem como, a título indemnizatório, o valor mensal correspondente a tal renda (desde o trânsito e até 30 dias após o mesmo), e o dobro desse valor (mensal) a partir de então, até efectiva entrega do locado.

  6. Condeno os Réus a pagarem à A. os juros moratórios incidentes sobre as rendas, montantes ou indemnizações em dívida por referência aos meses de Janeiro de 2014 e posteriores, contados da data do respectivo vencimento e até integral pagamento.

    ”.

    Não se conformando com o assim decidido, apelaram os réus, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: ...

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II - Principais questões a decidir Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: 1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada; 2ª) se foram violados o disposto no art. 607º/3 ab initio do NCPC, o princípio da legalidade e o dever de fundamentação das decisões judiciais, bem como os artigos 20º/4, 205º/1 da CRP e 154º do NCPC, pelo facto de não se ter dado como provado o valor patrimonial do imóvel constante do relatório pericial e ao não se fundamentar esta não inclusão do resultado da perícia nos factos dados como provados; 3ª) se no domínio dos contratos de arrendamento para habitação anteriores ao RAU e a respeito da respectiva transição para o NRAU, com actualização da renda, cabe ao senhorio, em sede de acção de resolução do contrato de arrendamento fundada em não pagamento da renda actualizada, o ónus de alegação e prova da autenticidade de todos os factos com base nos quais os serviços tributários avaliaram o imóvel locado e determinaram o correspondente valor patrimonial tributário para efeitos de IMI, com base no qual passou a exigir-se a nova renda cujo não pagamento fundamenta o pedido de resolução; 4ª) se foi indevidamente fixado em 39.140 euros o valor patrimonial tributário do imóvel locado calculado na avaliação a que esse imóvel foi sujeito em Fevereiro de 2013 e se, por isso, a renda exigida aos réus de 217, 44 euros era superior à permitida legalmente; 5ª) se o depósito bancário feito pelos réus e que está documentado a fls. 81 extinguiu o direito da autora a resolver o contrato de arrendamento com fundamento em falta de pagamento de rendas; 6ª) se a interpretação feita pelo tribunal recorrido dos artigos 30º a 35º da Lei 6/2006, que aprovou o NRAU, e dos artigos 1083º/3, 1041º/1 e 1048.º do CC violam o princípio da dignidade da pessoa humana ínsito no princípio do estado de direito democrático previsto no artigo 2º da CRP, bem assim como o estatuído nos arts. 20º e 65º da mesma CRP.

    III – Fundamentação

    1. De facto Os factos provados O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos: “1 – A A. é dona de uma casa de habitação sita no nº 13 da Rua ..., inscrita na matriz predial urbana da ...

    2 – Por acordo verbal celebrado, há mais de 30 anos, entre os Réus e os anteriores donos daquela casa de habitação (J... e mulher), estes, pelo prazo de um ano, e contra o pagamento, no dia um de cada mês, de uma determinada importância mensal, cederam aos Réus o uso da sobredita casa.

    3 – Em Junho de 2013 o valor mensalmente pago pelos Réus aos donos da casa ascendia ao montante de 21,21 euros.

    4 – Por carta datada de 5.4.13, recebida pela Ré a 9.4.13, os anteriores donos da casa de habitação descrita em 1 comunicaram aos Réus a sua intenção de transitarem o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, tendo para o efeito proposto a renda mensal de 217 euros, e um prazo de 2 anos para a duração do contrato.

    5 – Com a carta referida em 4 os remetentes juntaram cópia da caderneta predial urbana referente a tal casa, e mais referiram que o valor patrimonial do imóvel, para efeitos tributários, ascendia a 39.140 euros.

    6 – O teor da caderneta predial de fl. 80 (cujo teor, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido), da qual consta que o prédio ali identificado (artigo ...) foi avaliado a 12.2.13, na sequência de pedido efectuado em 7.2.13, tendo sido determinado o valor de 39.140 euros.

    7 – Por carta datada de 6.5.13 os Réus comunicaram aos anteriores donos da casa que não aceitavam o proposto valor da renda, pois que o valor patrimonial obtido (39.140 euros) seria excessivo e teria sido obtido incorrectamente, tanto mais que a casa já fôra objecto de ma avaliação tributária durante o ano...

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