Acórdão nº 36/12.9TBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução03 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A..., S.A., com sede na (...) , Torres Vedras, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), contra B...

, casado, residente na (...) , Castelo Branco, pedindo a final que este seja condenado a: a) Reconhecer a eficácia e validade da declaração de resolução (manifestada por carta de 10/10/2011, recepcionada a 12/10/2011), com efeitos a partir da data de 12/10/2011; b) Restituir e entregar o locado à Autora em bom estado de conservação, livre e devoluto de pessoas e bens: c) Pagar à A.: c.1) a quantia de € 8.109,65, a título de rendas vencidas e não pagas, consumos de água e electricidade; c.2) a quantia de € 2.700,00 a título de compensação pela não restituição do locado desde a resolução do contrato, correspondente à soma das quantias unitárias de € 450,00 reportadas aos meses de Setembro de 2011 a Fevereiro de 2012 vencidas respectivamente a partir de Agosto de 2011; c.3) as quantias unitárias mensais no valor de € 450,00, cada uma, que se vencerem desde a data da propositura da presente acção a título de indemnização pela não restituição do locado; c.4) os juros de mora que se vencerem desde a data da propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento, sobre as quantias correspondentes a rendas e compensações mensais vencidas e não pagas, bem como sobre as indemnizações mensais que se vencerem até à restituição do Locado.

Alegou para tal que, em 23 de Setembro de 2009, no âmbito do seu objecto social, celebrou com o R. um contrato, denominado de “contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais”, de parte de um prédio urbano (armazém) em construção, parte essa que seria destinada ao exercício da actividade comercial do R., consistente na restauração, pastelaria e cafetaria; que, conforme o acordado, o R. tomou posse do “locado” na data da assinatura de tal contrato, iniciando-se nessa altura, conforme o também acordado, a obrigação do pagamento da contraprestação devida pela ocupação e gozo do espaço objecto do contrato; e que, encontrando-se a obra/armazém ainda em fase de acabamentos, não dispunha da respectiva licença de utilização, tendo, por isso, acordado que a A. seria responsável por todas as contra-ordenações, coimas e multas que resultassem dessa aludida falta de licença.

Mais alegou que, “em meados de Agosto de 2010[1], o locado foi objecto de fiscalização por parte da ASAE e instaurado um processo de contra-ordenação desconhecendo a A. o seu teor concreto”, após o que, a partir de Agosto de 2010, o R. “deixou de cumprir com as obrigações pecuniárias a que se encontrava obrigado e que decorrem do contrato em causa, designadamente o pagamento dos valores devidos a título de compensação pela ocupação do locado e os consumos de água e electricidade”, motivo por que procedeu à interpelação do R. (por carta datada de 30/06/11, recepcionada a 8/07/11), dando-lhe conta dos montantes em dívida e de que devia proceder ao seu pagamento no prazo de 10 dias a contar daquela comunicação, sob pena de se entender o referido contrato resolvido por incumprimento imputável ao R., devendo ainda, findo o aludido prazo, proceder à entrega do locado devoluto de pessoas e bens; não tendo o R. feito nada disto, isto é, não pagou nem entregou o “locado” à A., deixando o mesmo ao abandono.

O R. contestou.

Invocou, em síntese, que foi/é a A. que não cumpriu o contratado, não tendo construído sanitários exclusivos para o restaurante, o que “é motivo para que a licença de utilização do restaurante nunca possa ser emitida”; que o restaurante está integrado no edifício e complexo comercial da A. ( C... ), que encerra às 20 horas, aos feriados e domingos, o que impede o restaurante do R. de servir jantares, situação de que o R. reclamou (a abertura do portão exterior até às 24 horas) junto da A., sem sucesso.

Invocou ainda que a A. nunca conseguiu obter a licença de utilização do seu edifício para comércio de bebidas, café e indústria de restauração, o que constitui motivo impeditivo – do que alertou a A. – para que pudesse obter o licenciamento para o seu estabelecimento comercial de café e restauração; motivo por que, “em Agosto de 2010[2], as instalações do restaurante foram alvo de uma visita inspectiva da ASAE, a qual instaurou procedimento contra-ordenacional e encerrou o estabelecimento por falta de condições legais, designadamente por falta de licença de exploração do estabelecimento comercial”, tendo o R. de imediato comunicado “à A. que não podia continuar a explorar o estabelecimento (…), pelo que deixaria de pagar a renda enquanto não fosse obtida a licença de utilização para o fim arrendado”, não tendo a A., desde aí, “solucionado o problema”[3].

E a título reconvencional – além de pedir que se declare que a resolução do contrato promessa efectuada pela A. foi sem motivos e que a A. incumpriu o “contrato promessa de arrendamento” – pede que o A. seja condenado a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 39.445,89, sendo € 34.445,89 (respeitantes ao que gastou na aquisição de bens e materiais para proceder à instalação do restaurante) de danos patrimoniais e € 5.000,00 de danos não patrimoniais (por a sua imagem ter ficado “turbada”, por ter sido veiculado que o restaurante fechou por intervenção da ASAE por más condições de saúde, por existir comida estragada e também por ter sido despejado pela A.

).

A A. replicou.

Manteve o alegado na PI, invocando o clausulado do contrato celebrado, de que resulta que o R. “sempre teve conhecimento de que não existia licença de utilização e que, sem prejuízo da posterior obtenção desta, sempre necessitaria de obter licença especial para o desenvolvimento da sua actividade, sendo esta última da sua responsabilidade”. Negou qualquer incumprimento contratual; que se tenha comprometido a construir sanitários exclusivos para o restaurante e as limitações horárias invocadas; invocou o abuso de direito; e impugnou a factualidade e o fundamento jurídico para o pedido reconvencional.

Admitido o pedido reconvencional[4], foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento – já à luz do NCPC – após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo: “ (…) decido considerar a presente acção parcialmente procedente por provada e a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência,: a) considerar nulo e sem nenhum efeito o contrato celebrado entre as partes melhor descrito em 4) dos factos provados; b) condenar o réu a restituir o imóvel objecto do contrato considerado nulo em a), livre e devoluto de pessoas e bens; c) condenar o réu a pagar à Autora a quantia de € 3.509,65, quantia essa a que acrescerão juros desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento; d) condenar o réu a pagar à Autora a quantia de € 350,00, quantia essa a que acrescerão juros desde o trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento; e) condenar o réu a pagar à Autora a quantia que vier a ser apurada em sede de incidente de liquidação de sentença pela fruição que o mesmo fez do imóvel melhor descrito em 4) dos factos provados, desde Setembro de 2010 até à data em que ocorrer a efectiva entrega do mesmo à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, com o montante máximo mensal fixado em € 350,00 por tal fruição como depósito de bens móveis; f) absolver o réu do demais contra si peticionado; g) Absolver a Autora do contra si peticionado pelo réu; (…)” Inconformado com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção essencialmente improcedente e procedente o pedido reconvencional.

Terminou a sua alegação com uma segunda alegação a que chamou “conclusões”[5] e que aqui, em face da sua redundância e extensão, não transcrevemos.

A A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou, a decisão de facto e a sentença recorrida, quaisquer normas adjectivas ou substantivas, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II - Fundamentação de Facto A) Factos Provados[6]: 1) A A. é uma sociedade comercial que tem como exclusivo objecto social a Gestão e exploração de empreendimentos industriais, comerciais, turísticos e de lazer e imóveis neles integrados; b) administração de condomínios e de propriedades próprias e alheias; c) prestação de serviços de consultoria de gestão imobiliária económica; d) investimentos, promoção, gestão imobiliária e financeira aplicada ao investimento imobiliário; e) compra e venda de imóveis, a revenda dos adquiridos para esse fim e o arrendamento; f) o exercício, exploração e gestão de actividades turísticas, de estabelecimentos de restauração, hoteleiros ou similares; [7] 3) No lote de terreno 32, sito na Zona Industrial, Freguesia e Concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o n.º 7781 da dita Freguesia, e inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de (...) , sob o artigo 13.330, a A. promoveu a construção de um prédio urbano destinado a armazém, ao abrigo da licença de construção n.º 25/200/8; 4) Por documento particular de 23 de Setembro de 2009, a A. celebrou com o R., um contrato denominada de “contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais”, reportado a parte do futuro prédio, com uma área de aproximadamente 100m2 (cfr. planta anexa ao contrato de arrendamento - livre de ónus ou encargos, para o exercício da sua actividade comercial da R, não lhe podendo ser dado qualquer outro fim, durante a vigência do contrato prometido ou de qualquer uma das suas renovações, sem a autorização expressa, dada por escrito, pela Promitente Senhoria, aqui A.); 5) Pelo referido...

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