Acórdão nº 6500/11.0TBLRA-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução20 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

Na sequência da declaração da insolvência de E (…) Lda, foi apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência a lista definitiva de credores.

Entre outros e no que para o caso interessa, a C (...) (fls.177-186) – impugnou a natureza dos créditos laborais reconhecidos a alguns credores indicados por não terem documentado os seus contratos de trabalho ou indicado o imóvel onde executaram as suas funções, para que lhe pudesse ser reconhecido quaisquer privilégios imobiliários.

A tal pretensão respondeu, vg., o credor G (…), pugnando pelo seu indeferimento pois que, disse, foi trabalhador da insolvente e exerceu funções nas frações de cada um dos lotes por esta mandados erigir em Leiria e em Santarém.

Mais a credora N (…) (fls.372 a 390) - impugnou a natureza comum do seu crédito de 82.500,00 € (80), invocando o seu direito de retenção sobre o objeto do contrato prometido e incumprido (fração E – do n.º 2321 da CRP de Leiria) e consequentemente da sua natureza de garantido.

A C (...) respondeu às impugnações formuladas pelos credores, vg., a aludida N (...) , pugnando pelo seu indeferimento e consequente manutenção do reconhecimento dos créditos da forma como o foram inicialmente pelo Sr.AI.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu, para além do mais e no que para o caso interessa: «Em face do exposto julgo: 4.1. As impugnações formuladas C (...) (fls.177-186) e pelo B (...) (fls.271-277) a respeito dos créditos laborais de (…) parcialmente procedentes por provadas no sentido dos reconhecidos e respetivos créditos laborais apenas serem detentores de um privilégio mobiliário geral a que alude o art.333.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho.

    … 4.6. A impugnação formulada por N (…) improcedente por não provada, absolvendo-se a massa insolvente, a devedora e os demais credores do que por si foi peticionado.».

    (sublinhado nosso) 3.

    Inconformados recorreram os credores N (…) e G (…) 3.1.

    Conclusões da credora N (...) : (…) Contra alegou a credora C (...) , pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 3.2.

    Conclusões do credor G (…): (…) Contra alegou a credora C (...) , pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: A - Do recurso da recorrente N (...) : 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. – Garantia do seu crédito pelo direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar.

      B- Do recurso do recorrente G (...) : 3ª- Nulidade processual por deficiência da gravação dos depoimentos com anulação e repetição do ato viciado e dos atos posteriores que dele dependam.

    2. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    3. – Garantia do seu crédito pelo privilégio imobiliário especial do artº 333º nº1 al. b) do C. Trabalho.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Por conseguinte - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Ademais, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

    A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

    Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

    Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

    Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

    A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

    E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.

    5.1.3.

    No caso vertente.

    O julgador deu como não provada a entrega efetiva do valor do sinal e posterior reforço, aduzindo o seguinte argumentário: «O tribunal para dar como provados e não provados os factos consignados como tal valorou de forma entrecruzada todos os elementos documentais – sendo os estes os que se mostram mencionados em cada um dos factos, quer pela circunstância de serem documentos autênticos como pelo facto de se tratarem documentos particulares não impugnados pelas partes - e testemunhais que foram produzidos nas sessões de audiência e julgamento, analisados á luz das regras da experiência comum e tendo por referência os temas de prova.

    … N (…) outorgou o contrato de promessa de compra e venda referido em 2.1.78 dos factos provados, mas não resultou minimamente demonstrado um qualquer fluxo de caixa entre a promitente compradora e vendedora nos termos do contrato e de seu aditamento – 2.1.81 – no valor respetivamente de 42.500,00 € e de 10.000,00 €.

    Não obstante as declarações de quitação contidas naqueles contratos nos casos referidos em ii) – apenas quanto ao aditamento contratual – ii) e v) convidados a demonstrar os referidos pagamentos os impugnantes não lograram demonstrar que efetivamente tinham entregado aquelas avultadas quantias.

    Que de acordo com as regras de ser das coisas teriam suporte documental decorrente da sua transferência bancária, liquidação por meio de cheque, título cambiário, depósito em conta ou qualquer outro meio de pagamento válido, e se entregue em numerário o promitente comprador poderia ter comprovado o ato do seu levantamento em conta ou empréstimo por terceiro se aplicável, entre outras hipóteses, por referência à data daquelas declarações e quitação.

    Também o Sr. Administrador Judicial se revelou incapaz de certificar o recebimento daquelas quantias, embora para os casos referidos em i), ii) – quanto ao sinal de 15.000,00 € - e iv) a ausência de uma contraprova, por assim dizer, não haja conseguido abalar a comprovação da entrega dos mencionados...

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