Acórdão nº 331/13.0JALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pela Comarca de Leiria – Instância Central de Leiria, Secção Criminal – J 1, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, o arguido A....
, solteiro, serralheiro civil, nascido a 19 de Outubro de 1977, filho de (...) e de (...) , residente na Av (...) , Marinha Grande e atualmente preso no EP de Lisboa; imputando-se-lhe a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a) e b) ex vi do art.202.º, al. a), todos do Código Penal; um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º1, al. b) do Código Penal; dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro; um crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelos artigos 255.º, al a) e 256.º, n.ºs 1 al e) e 3 do CP; um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.291.º, al. b) do Código Penal; um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art.213.º, n.º 1 exvi do art.202.º, al a) do Código Penal; e uma contraordenação, p. e p. pelo art.4.º nºs 1 e 3 do DL nº 114/94 de 3 de Maio, que aprovou o Código da Estrada.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 2 de novembro de 2015, decidiu julgar parcialmente procedente por provada a acusação do Ministério Público e, em consequência: - Absolver o arguido A... da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.204.º, nº 1, al b); (furto dos bens que se encontravam no interior do veículo (...) NZ); e de uma contraordenação, p. e p. pelo art.4.º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada.
- Condenar o arguido A... pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.204.º, n.º 1 al a) e b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, p. e p. pelo art.256.º, n.ºs 1, al e) e 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; pela prática de um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.291.º, nº 1, al b), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º 2 do DL 2/98, na pena de 9 (nove) meses de prisão; pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art.213.º, n.º 1, al a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - Operar o cúmulo jurídico e condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.ª - Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão de fls nas partes em: a) -- Absolveu o arguido A... da prática, em autoria material, de um dos dois crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, n.º 2, do Código da Estrada, tendo considerado que este se encontrava numa relação de consumpção com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário pelo qual foi condenado; b) -- Condenou o arguido A... pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, real, nos termos dos artigos 14°, n.º 1, 26°, 30°, n.º 1 e 77°, todos do Código Penal, pela prática de: b.1) -- 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291°, n.º 1, al. b), do Código Penal, apenas na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; b.2) - 1 (um) crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, n.º 2, do Código da Estrada, apenas na pena de 9 (nove) meses de prisão; -- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2.ª - Dispõe o artigo 30°, n.º 1, do Código Penal, que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.” 3.ª -- O concurso de crimes corresponde a uma pluralidade de crimes, não necessariamente a uma pluralidade de actos: -- o critério do concurso efectivo de crimes assenta na pluralidade de tipos violados pela conduta do agente, equiparando-se na lei os casos de concurso real, em que a conduta se desdobra numa pluralidade de actos, aos de concurso ideal, em que a conduta se analisa num único acto.
4.ª - Na definição de concurso efectivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados --- exige-se a pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas.
5.ª -- Com a tipificação do crime de condução perigosa de veículo rodoviário prevista no artigo 291°, do Código Penal pretendeu o Legislador sancionar penalmente tal actividade, sempre que se verifique um desrespeito grosseiro daquelas normas de conduta, com a criação, em concreto, de um perigo para a vida, para a integridade física ou para bens patrimoniais de valor elevado, pertencentes aos demais utentes da via, já que a condução de veículos automóveis é, já por si, uma actividade intrinsecamente perigosa, cujo perigo fica contido em limites razoáveis se forem respeitadas certas normas de conduta, o que permite considerá-la uma actividade lícita, apesar de perigosa.
6.ª - Com a tipificação legal crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal pretendeu o Legislador salvaguardar, apenas, a segurança subjacente ao exercício da condução que, como actividade perigosa que é, deve ser rodeada de todas as cautelas necessárias a evitar os resultados lesivos que daí possam advir.
7.ª - A factualidade provada constante do douto Acórdão a quo sob os pontos 10° a 15°, 24° e 26°, faz incorrer a prática pelo arguido de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291°, n.º 1, al. b), Código Penal.
8.ª -- Para além dos factos provados constantes dos pontos 10° a 15°, 24° e 26° --- resultou provado que: a) Antes destes, no dia 28 de Novembro de 2013. pelas 1H40. o arguido conduziu o veículo de marca “Mitsubishi”, modelo “Space Star”, descrito no ponto 2 na Estrada Municipal n° 545, em Tojal de Cima, Porto de Mós, sem que para tal estivesse habilitado com a respectiva carta de condução que lhe permitisse a circulação do referido veículo na via pública, tendo agido, em todos os momentos, com vontade livre e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era e é punido por lei; b) Depois destes, depois de “os militares perderam o arguido de vista, pelas 3H00, o arguido conduziu o veículo descrito em 2, até Casais dos Ledos - Batalha, estacionando o mesmo perto da Rua Principal, num lugar ermo, sem que para tal estivesse habilitado com a respectiva carta de condução que lhe permitisse a circulação do referido veículo na via pública, tendo agido, em todos os momentos, com vontade livre e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era e é punido por lei.” 9.ª - Pelo que tal factualidade faz incorrer o arguido na prática de um outro crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, n.º 2, do Código da Estrada 10.ª -- Os referidos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, cujos elementos objectivos e subjectivos resultaram provados devem serem punidos, em concurso efectivo, real de infracções, dado que: a) As condutas levadas a cabo pelo arguido tiveram por base duas resoluções criminosas; b) As condutas levadas a cabo pelo arguido preencheram duas previsões normativas distintas: c) Essas previsões normativas têm dois e diferentes fundamentos da sua punição e tutelam dois e diferentes bens jurídicos.
11.ª -- Ao subsumir a matéria de facto provada apenas ao disposto nos disposto no artigo 291°, n.º 1, al. b), do Código Penal, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 30°, n.º 1 e 77°, ambos do Código Penal, 3º, n.º 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro e 121°, do Código da Estrada, pelo que, em consequência, deverá o douto Acórdão a quo ser substituído por douto Acórdão a proferir que condene o arguido pela prática de ambos ilícitos criminais, em concurso real, efectivo 12.ª - Ponderando: - Os graus de ilicitude presentes nas condutas do arguido não podem deixar de ser considerados elevados, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las; - Os dolos presentes nas condutas do arguido -- intensos -- pois que na sua modalidade mais grave: -- o dolo directo, dado que os factos foram representados e queridos pelo agente, o que faz aumentar as exigências de culpa; - As suas condutas anteriores, plasmadas no seu certificado de registo criminal, o que denota e evidencia não estarmos perante a prática de um acto isolado ou singelo, mas antes perante uma tendência para a reiteração criminosa, conducente, inclusive, à presente situação de cumprimento de pena de prisão efectiva, o que eleva as mesmas exigências preventivas; - A ausência total de um projecto de vida por parte do arguido, minimamente consistente ou fundado, capaz de o impulsionar para a adopção de uma nova conduta, o que faz elevar as exigências preventivas; - A total ausência de suporte familiar por parte do mesmo, o que necessariamente dificulta a sua desejável reinserção social e comunitária, tornando mais prementes as mesmas exigências preventivas; - A ausência de quaisquer hábitos laborais, regulares e contínuos, aliados à ausência de quaisquer outros rendimentos, o que dificulta a almejada reinserção e onera as mesmas exigências preventivas; - O comportamento processual do arguido que, nem sequer, confessou os factos que lhe haviam sido...
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