Acórdão nº 445/14.9TVPRT de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução11 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 445/14.9 TVPRT Porto – Inst. Central – 1ª Secção Cível – J5 Apelação (em separado) Recorrentes: B… e outros; C… Recorrida: D… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO D…, casada, decoradora de interiores, residente no …, nº …, .º dtº, Porto, intentou o presente procedimento cautelar comum contra B…, residente na Rua …, nº …., Porto, E…, com igual residência, F…, residente na Rua …, nº …, .º, Matosinhos, G…, residente na Rua …, nº …., Porto e C…, com domicílio profissional no …, nº .., Porto, pedindo que seja determinada a cessação da actividade desenvolvida pela 5ª requerida no prédio urbano sito no …, nº .., Porto, até que sejam efectuadas obras de insonorização.

Alega para tanto que as 1ª e 3ªs requeridas são donas, em partes iguais, do prédio urbano sito no …, nº .., no Porto, sendo os 2º e 4º requeridos os seus respectivos cônjuges.

Deram tal prédio de arrendamento, em 19.3.2010, à 5ª requerida.

A requerente é dona da fracção sita no …, nº …, .º dtº, no Porto, a qual é por si utilizada como sua habitação própria e permanente, confrontando com o prédio acima referido.

De há cerca de três meses a esta parte o seu direito ao descanso e ao sossego, nesta sua habitação, está a ser gravemente violado.

Desde antes das 8 horas e durante todo o dia, incluindo sábados, é perturbada com passos ruidosos, barulhos de subir e descer escadas e vozes.

Expôs o problema junto de responsáveis da C…, pedindo a adopção de medidas urgentes, como alcatifar/colocar tapetes em escadas e gabinetes, de modo a minorar a situação e assim se respeitar o seu sossego.

Encontra-se em estado de exaustão, provocado pelo ruído e o acordar constante, conforme relatório médico que anexa.

Os requeridos apresentaram oposição, na qual aceitaram a propriedade e a utilização dos prédios e impugnaram o demais alegado.

Afirmam que o C… ocupa o imóvel desde Março de 2010, ali exercendo, até hoje, sempre a mesma actividade na prossecução dos seus fins.

Os seus serviços funcionam das 9,00h às 17,00h, com intervalo para almoço e todas as pessoas que aí trabalham e lá se deslocam são pessoas adultas e educadas.

Acresce que o imóvel arrendado se acha licenciado para o exercício do comércio ou indústria e sustentam que inexistem quaisquer fundamentos justificativos da providência cautelar requerida, por não existir direito violado e muito menos receio de que seja causada à requerente lesão grave e dificilmente reparável.

Alegam ainda que a requerente mente quando se refere à produção de ruídos nas suas instalações e também quando afirma que nunca obteve resposta à exposição que fez do problema e quando imputa ou pretende imputar o seu eventual estado de perturbação psíquica ao funcionamento do C….

Entendem pois que esta deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes.

Deve, por isso, ser julgado improcedente o procedimento cautelar, sendo ainda a requerente condenada como litigante de má fé.

Procedeu-se à inquirição de testemunhas e depois foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, condenou os requeridos a, no prazo máximo de 30 dias, colocarem alcatifas ou tapetes em todos os locais de passagem e gabinetes do prédio identificado em 1) dos factos provados, onde está instalado o C… e, no mesmo prazo, a procederem a obras de insonorização na parede divisória entre este prédio e a fracção da requerente.

Inconformados com o decidido, interpuseram recurso os requeridos B…, E…, F… e G…, bem como a requerida C….

Os primeiros finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida não consagra justa e rigorosa interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos, ao caso “sub judice” e, por isso, é injusta; 2. A matéria de facto considerada indiciariamente provada implica prolação de decisão de sentido diverso, que se abstenha de ordenar qualquer providência cautelar e, por conseguinte, que absolva os requeridos dos pedidos deduzidos pela requerente; 3. A Meritíssima Juiz “a quo” apreciou de forma deficitária a matéria de facto de que dispunha, descurou a análise crítica das provas carreadas para os autos e tirou ilações deficientes de factos instrumentais, não levando em consideração o universo do circunstancialismo indiciariamente provado; 4. O presente procedimento cautelar vem instaurado mais de quatro anos desde que o imóvel arrendado foi ocupado pela respectiva arrendatária, que lhe deu sempre o mesmo destino, e na presença de circunstancialismo efectivamente atenuado, por via da redução das actividades da C…; 5. A inserção dos vocábulos “ruidosos” e “estridente” na redacção dada respectivamente aos factos 7) e 9) indiciariamente provados faz tábua rasa do teor dos depoimentos testemunhais de H… e de I… que referiram que os passos e ruídos são “muito ténues”; 6) Trabalhando de noite, a requerente não acorda constantemente devido ao ruído e diálogos no interior do prédio contíguo que, nesse período, encontra-se desocupado de pessoas; 7) A Meritíssima Juiz “a quo” imprimiu “particular relevo” a uma declaração médica, que sob doc. 4 a requerente juntou com o douto requerimento inicial, sem fazer a mínima ideia de quem o subscreveu, sem que o respectivo subscritor tivesse sido chamado a pronunciar-se sobre a (in)conformidade do respectivo teor e/ou contraditado acerca da declaração que presta; 8) O referido documento referencia antecedentes respeitantes ao instável equilíbrio físico/psíquico da requerente; espelha realidade infirmada por vários outros factos considerados indiciariamente provados e traduz falta de rigor científico; 9) Não existe qualquer nexo causal, ainda que indiciário, entre a denominada “espiral sintomatológica” a que alude aquele escrito e a existência de passos, vozes ou barulhos provindos do imóvel contíguo à fracção da requerente; 10) O facto de a requerente residir no centro da cidade do Porto, em local onde existe um enorme tráfego de automóveis, autocarros e outras viaturas que necessariamente originam poluição sonora e outra, é alheio à actividade exercida pela 5ª requerida e altamente violador do seu direito ao repouso e colide com o direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, à sua integridade física, à sua saúde e ao seu ambiente e qualidade de vida; 11) A requerente usou os requeridos como bodes expiatórios de um alegado estado de corpo e alma que em si se instalou, a que aqueles são alheios; 12) A requerente não provou a existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal (o “periculum in mora”) e demonstrou a manifesta falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo e a existência de circunstâncias que obstam ao seu conhecimento de mérito (o “fumus boni juris”) sendo certo que não cuidou de atentar aos princípios da proporcionalidade e adequação da providência que entendeu requerer; 13) A sentença recorrida violou, entre outras, as disposições insertas nos artigos 362º e seguintes e 607º, nº 4 do Código do Processo Civil, 3º e 24º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 8º da Convenção Europeias dos Direitos do Homem, 25º, nº 1, 64º, nº 1 e 66º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, artigos 2º, nº 1, 21º, nº 1, al. f) da Lei nº 11/87, de 7 de Abril e artigos 70º, 335º e 1346º, do Código Civil pelo que deverá ser substituída por outra decisão que, a final, se abstenha de decretar qualquer providência cautelar.

Sem prescindir, 14) Não se entendendo deste modo, o que só por hipótese de raciocínio se admite, considerando que o contrato de arrendamento mantém-se até hoje com o mesmo objecto, constatada que se verifique a afectação do exercício dos direitos de personalidade da requerente, nos moldes sobreditos no seu douto requerimento inicial de procedimento cautelar, tal resultará, em exclusivo, do desenvolvimento e prossecução, no arrendado, da actividade exercida pela 5ª requerida, alheia aos ora apelantes, que à mesma são estranhos. Daí que, 15) Neste caso, sempre a douta decisão deverá ser substituída por outra, que, absolvendo os ora apelantes, condene exclusivamente a 5ª requerida a prestar de facto.

Por seu turno, a requerida C… finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª Existe, no que respeita a alguns factos, uma deficiente apreciação da prova, verificando-se que existem aspetos da prova testemunhal produzida que não foram considerados e que se apresentam como altamente relevantes para a boa decisão da causa: por isso é necessária a reapreciação da prova gravada, nomeadamente daquela que supra se indicou e considerou e aqui, para os devidos efeitos, se reproduz.

  1. A requerente não produziu prova de que, pelo menos há cerca de 6 meses e diariamente, entre as 8h30m e as 17h00m, ouve na sua fracção passos ruidosos, do local arrendado à recorrente, e vozes [de] pessoas que laboram e se deslocam à C….

  2. Nenhuma das testemunhas ouve ou pode ouvir ruídos diários pela simples razão que não estão diariamente na referida fração e por isso nunca poderia resultar provado, nem mesmo indiciariamente, que os eventuais ruídos sejam diários e sejam das 8h30m às 17h00m.

  3. A requerente encontra-se num estado de perturbação psíquico, certamente justificativo de intervenção e acompanhamento médico, mas daí até concluir que tal estado de perturbação, descompensação clínica global, com humor depressivo, aumento de ansiedade, insónia, anorexia e incapacidade global, é provocado pelo exercício da atividade da recorrente C…, atividade que é exercida no mesmo local há mais de 4 anos consecutivos, mas da qual a requerente só se queixa há cerca de 3 meses, carece de qualquer justificação lógica e percetível.

  4. Resulta evidente que qualquer...

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