Acórdão nº 1878/11.8TBPFR.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acção sumária 1878/11.8TBPFR do 2º juízo do TJ de Paços de Ferreira Sumário: I – As declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.

II – A perda de interesse na prestação tem de ser apreciada objectivamente (art. 808/2 do CC); “não se funda em qualquer subjectividade [...] ou razão individual mas ‘há-de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, próprio do comum das pessoas’, sendo uma ‘perda absoluta, completa… traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer’ III - A recusa categórica de cumprir a prestação pelo menos já depois da entrada em mora é equiparável ao incumprimento definitivo mas para o efeito tem de ser suficientemente clara, unívoca, definitiva e séria.

IV – Se a parte dispositiva da sentença tem partes autónomas e o corpo das alegações, tal como as conclusões, não se refere a uma dessas partes, nem a alteração da matéria de facto tem reflexos necessários e imediatos no decidido nessa parte, ela não é objecto do recurso.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: B…, Lda, (= autora, intentou contra C… e mulher D… (= réus), a presente acção, pedindo que se reconheça o incumprimento por parte dos réus de um contrato de empreitada que haviam celebrado com a autora, bem como que foi válida a sua resolução operada pela autora e ainda que os réus sejam condenados ao pagamento de 19.657,59€, acrescido de juros vincendos à taxa de 4%.

Para o efeito alegou, no essencial, que os réus contrataram a autora para a construção de uma moradia, “tendo ficado acordado que o pagamento do preço se processaria de forma parcelar, sendo que a primeira tranche no valor de 10.000€ deveria ser paga aquando do início dos trabalhos e as restantes tranches aquando da finalização das diversas fases dos trabalhos executados, a solicitação da autora e mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela mesma.” Apesar dos réus não terem procedido à imediata entrega da primeira tranche, a autora iniciou os trabalhos. Como os réus continuaram sem pagar apesar de diversas interpelações, a autora parou os trabalhos em 10/11/2010 e em 19/07/2011 emitiu uma factura de 19.419,24€ pelo valor dos trabalhos realizados; como os réus mantiveram o seu propósito de não a pagar, a autora resolveu o contrato por carta de 16/08/2011.

Os réus contestaram, impugnando e excepcionando; dizem que: o preço da obra não era o indicado e que apenas tinha sido acordado o pagamento de uma quantia inicial de 2950€, que cumpriram, e nada tinha sido acordado quanto ao pagamento do resto. Não pagaram os 10.000€ que lhes foram exigidos após o início dos trabalhos porque tal montante não correspondia nem a trabalhos efectuados nem a materiais aplicados em obra, embora tenham pago mais 2820€ que se mostrava ajustado ao estado em que a obra se encontrava. Após dizem que pagaram assim um total de 4300€ [contas que, como se constata facilmente, estão erradas]. Acrescentam que a autora abandonou a obra em 09/11/2010 e não mais a retomou, exigindo os 10.000€ para o fazer. Dizem que a autora entrou em incumprimento, porque não lhe emitiu factura dos trabalhos que lhe haviam sido pagos pelos réus, nem lhes deu quitação, nem emitiu factura correspondente aos 10.000€ que lhes exigiu. Os réus não entraram em mora e muito menos em incumprimento definitivo que legitimasse o abandono da obra e a resolução. A factura de 19.419,24€ foi emitida antes da resolução do contrato. Por fim, com base no que antecede, dizem que a resolução do contrato foi ilegal e que têm direito ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes do incumprimento do contratado, o que corresponde pelo menos ao valor entregue pelos trabalhos realizados que terão de ser demolidos devido ao abandono.

Pelo que deduzem reconvenção, pedindo o reconhecimento da invalidade da resolução do contrato pela autora, o reconhecimento desta resolução por facto imputável à autora, a condenação da autora a pagar aos réus os 4.300€ ou o valor superior que resultar demonstrado, e ainda no montante que vier a ser apurado em execução de sentença quanto aos custos com a demolição da obra efectuada pela autora.

A autora respondeu, impugnando os factos excepcionados e os que são base da reconvenção.

Completa ainda a causa de pedir, alegando, nos seus artigos 25 a 29, que posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus sempre referiram que procederiam ao pagamento dos 10.000€ e assinalavam diversas datas para o efectuar. Desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, na pessoa do seu sócio gerente à data, entrou em contacto com os réus e informou-os que, caso não procedessem ao pagamento dos 10.000€ até Junho de 2011, jamais retomaria os trabalhos. Em face da falta de pagamento, em Julho de 2011 o Sr. E… contactou novamente com os réus para informar que jamais retomaria os trabalhos (a autora alega ainda factos que poderiam justificar a conclusão da rescisão, por mútuo acordo, do contrato, mas tal não pode ser tomado em causa por sair da causa de pedir invocada na petição inicial).

Foram admitidos os pedidos reconvencionais, com excepção do que se referia à condenação da autora no montante que viesse a ser apurado em execução de sentença quanto aos custos com a demolição da obra que efectuou, por se ter apurado que os réus já não são proprietários de tal prédio.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente, por provada, a acção e consequentemente reconhecendo-se um incumprimento contratual por parte dos réus quanto ao contrato de empreitada celebrado com a autora, declarando-se válida a resolução desse contrato de empreitada efectuada a 16/08/2011 pela autora e condenando-se os réus a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em posterior liquidação correspondente ao valor do trabalho por esta efectuado na obra dos réus, aqui se entendendo os gastos e as despesas que teve para o efectuar e o valor dos materiais que empregou nessa obra, com o limite de 19.419,24€, acrescida de juros até integral pagamento; e julgando-se totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção e, consequentemente, sendo a autora absolvida dos pedidos formulados pelos réus.

A autora recorreu desta sentença – para que fosse modificada a resposta dada ao quesito 4, na sua redacção inicial, no sentido de dar-se como provado o valor dele constante e, consequentemente, de condenar-se os réus a pagar o aludido valor acrescido dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Os réus também recorreram da sentença – para que fosse alterada a resposta ao quesito 2 e para que fossem absolvidos do pedido formulado pela autora (e daqui decorre que não puseram em causa a improcedência da reconvenção, que, por isso, já transitou em julgado).

O recurso da autora contra a decisão proferida sobre o quesito 4 foi julgado procedente; o recurso dos réus contra a decisão proferida sobre o quesito 2 foi julgado improcedente. E depois foi anulada parcialmente a sentença recorrida (sem prejuízo do trânsito em julgado da absolvição da reconvenção) ficando prejudicado o conhecimento dos recursos da autora e dos réus contra a mesma, a fim de ser ampliada a matéria de facto quanto ao alegado na síntese da resposta da autora à contestação (na parte que está sublinhada).

Regressado o processo à primeira instância, o tribunal recorrido procedeu à produção de prova quanto àquela matéria, que considerou provada como factos 16 a 18, e depois proferiu nova sentença tendo em conta a alteração do facto 4 e a introdução dos factos 16 a 18, reconhecendo um incumprimento contratual por parte dos réus quanto ao contrato de empreitada celebrado com a autora, declarando válida a resolução desse contrato de empreitada efectuada a 16/08/2011 pela autora e condenando os réus a pagar à autora 19.657,59€, acrescidos de juros à taxa legal até integral pagamento.

Os réus recorrem desta sentença – para que seja alterada a decisão relativa aos factos 16 a 18 e depois seja revogada a sentença -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (as relativas à decisão da matéria de facto serão transcritas abaixo): XVI – Atenta a factualidade dada como assente e a que foi supra sindicada, os réus não estavam em mora, aquando da paragem dos trabalhos/abandono da obra no dia 10/11/2011.

XVII – A recusa de pagamento dos 10.000€ pelos réus era absolutamente legítima e sem qualquer fundamento legal a paragem dos trabalhos ou o abandono da obra pela autora, pois não havia sido apresentada a factura como foi acordado pelas partes.

XVIII – Tanto mais que os réus não tinham como sindicar a adequação do montante exigido, aquele que foi aplicado em materiais e mão-de-obra, pois também nos dizem as regras da experiência comum que o usual na construção civil, é os pagamentos ocorreram após medição e quantificação dos trabalhos executados, o que não sucedeu por qualquer modo.

XIX – Diz-nos o artigo 406 [do Código Civil] que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.

XX – O facto das partes, terem estipulado que o pagamento deveria ser efectuado após emissão prévia de facturas, resulta do princípio da liberdade contratual, como permitem os artigos 405; 397 e 398/1 do CC […].

[…] XXII. Nesta conformidade, a sentença deveria ter sido bem diversa, absolvendo os réus do pedido.

A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

*Do recurso contra a decisão da matéria de facto Factos 16 a 18 A autora tinha alegado os seguintes factos, complementares dos factos alegados na petição inicial: i) Posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus sempre referiram que procederiam ao pagamento dos 10.000€ e assinalavam diversas datas para o efectuar.

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