Acórdão nº 8445/13.0TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução03 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 8445/13.0TBVNG.P1 5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): I- O procedimento administrativo de delimitação do domínio público hídrico não é formalidade prévia necessária à apreciação de pretensão no sentido de ser declarado e reconhecido direito de propriedade, para efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro.

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I) Relatório 1.

B…, C… e D…, todos melhor identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação, contra Estado Português.

1.1 Os autores, através da presente acção, têm em vista obter o reconhecimento a que alude o n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, a incidir sobre um prédio misto denominado E…, de que os autores se afirmam donos e legítimos proprietários e possuidores.

Alegam – sumariamente e naquilo que aqui interessa – que a E…, estando localizada na margem sul do rio … e a cerca de 7 km da sua foz, confina com o mesmo, a norte, compondo a sua margem numa extensão aproximada de 400 metros, numa faixa de terreno sobranceira ou contígua à linha que limita o leito daquele rio e que se estende entre nascente e poente; esta faixa de terreno tem como limite, a nascente, um ribeiro que desemboca no referido rio junto à “F…” e denominado “G…” e, a poente, um prédio rústico de um particular, sendo que naquela estrema a poente que principia à face do rio … e que corre de norte para sul encontram-se plantadas árvores e foi colocado um marco em pedra, que delimita a divisão entre a E… e o prédio rústico com que confina a poente.

O rio … a norte bem como o ribeiro a nascente/norte e ainda as árvores e o marco em pedra a poente/norte, definem, desde tempos imemoriais e pelo menos desde há mais de 200 anos, os limites da E…; actualmente e pelo menos desde há mais de 200 anos que os terrenos que compõem a E… são cultivados e trabalhados permanentemente até ao limite do leito do Rio …, lá sendo plantados, entre o mais, cereais, tubérculos, plantas leguminosas e vegetais, cuidando de tais culturas os autores e os seus antecessores, por si ou por terceiros que para o efeito contratam ou por aqueles a quem arrendam as terras a troco de contrapartida, sem qualquer intervenção por parte de qualquer entidade pública.

O rio, no local, é navegável presentemente e há mais de duzentos anos; o prédio não integra a área sujeita a jurisdição exclusiva de nenhuma autoridade marítima e portuária.

Terminam afirmando que a presente acção deve ser julgada inteiramente provada e procedente e, em consequência: a. Ser declarado e consequentemente reconhecido que os Autores são proprietários, em compropriedade entre os três e na proporção referida no Artigo 9º desta petição, do prédio misto designado de E… composto por duas casas de dois pavimentos, ambas com as respectivas dependências, dispondo uma das casas de logradouro e enquadrando-se ambas num terreno com cultura, pastagem mato e pinhal, tudo num total de 273.987,55 m2, distribuídos conforme levantamento topográfico realizado no ano de 2013 junto aos autos como doc. 1, prédio misto que se encontra descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia …, sob o número 3343/199902024; b. Ser declarado e consequentemente reconhecido, para efeito do disposto no Artigo 15.º, número 1, da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, que a margem da E… que confina, a norte, com o rio …, nomeadamente na faixa de trinta metros de terreno contígua à linha que delimita o leito das águas daquele rio, é propriedade dos aqui Autores e dos seus antecessores desde data anterior a 31 de Dezembro de 1864.

1.2 O réu, representado pelo Ministério Público, veio contestar; por excepção e invocando o disposto nos artigos 1.º, n.º 1, 5.º, alínea a), 11.º e 17.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 353/2007, de 26 de Outubro e a Portaria n.º 931/2010, de 20 de Setembro, alega que, relativamente ao …, da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, o leito e a margem do domínio público hídrico (DPH), não se encontram ainda delimitados; procede à impugnação da generalidade dos factos alegados pelos autores.

Conclui que deve ser declarada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, absolvendo-se o Réu Estado da instância, devendo o tribunal julgar-se incompetente para proceder à delimitação do Domínio Público Hídrico ou, caso assim não se entenda, a acção deve ser julgada improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

1.3 Os autores vieram responder, defendendo a improcedência da excepção com dois fundamentos distintos.

Afirmam que, em função da causa de pedir apresentada e do pedido formulado, inexiste qualquer necessidade de instaurar processo administrativo preliminar à acção judicial para reconhecimento de propriedade privada; determinado o prédio rústico em causa e a sua confrontação com um curso de água navegável e flutuável, têm-se por verificados os pressupostos exigíveis, os únicos de que o artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, faz depender a instauração de acção judicial para o reconhecimento de propriedade privada. Enquanto o procedimento administrativo de delimitação previsto no artigo 17.º da Lei n.º 54/2005 parte da dominialidade dos terrenos, pretendendo mantê-la tendo em vista a definição dos seus limites com outros terrenos, a acção judicial a que se refere o artigo 15.º do mesmo diploma legal parte do afastamento de qualquer dominialidade pública dos terrenos para que a sua propriedade privada seja declarada, não havendo qualquer necessidade prévia ou subsequente de delimitar as “margens dominiais confinantes com outros terrenos” quando é certo que aquilo que se alegou e se visa demonstrar e reconhecer por sentença judicial é que todas as margens da E… – com a delimitação conferida pelo disposto no artigo 11.º da Lei 54/2005 – são objecto de posse e propriedade privada desde data anterior a 1864.

Mas ainda que proceda a tese sufragada pelo Estado Português e em que funda a excepção, nunca ela conduz à incompetência absoluta do Tribunal; mesmo que se entendesse que haveria de proceder-se a uma delimitação administrativa prévia à prolação da decisão dos presentes autos, sempre ela haveria de ser havida como mero procedimento prejudicial, que obrigaria à latência dos presentes...

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