Acórdão nº 1083/14.1TTPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1083/14.1TTPNF.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 420) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório O Digno Procurador da República junto do Tribunal de Trabalho de Penafiel veio intentar a presente acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra B…, S.A., com sede em Lisboa, peticionando que, pela via de procedência da acção, seja reconhecido ou declarado que o contrato celebrado entre a Ré e C… em 10 de Agosto de 2009 é um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou nessa data.

Em síntese, alegou que a Ré explora e é a actual operadora do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (Linha de Saúde 24), que presta serviços de triagem, aconselhamento e encaminhamento de utentes para a instituição da rede de prestação de cuidados do SNS, aconselhamento terapêutico, assistência em Saúde Pública e informação geral em saúde.

No âmbito dessas funções e para o desempenho dessa actividade contratou C…, com a categoria profissional de enfermeiro.

Os outorgantes atribuíram ao contrato a natureza de contrato de prestação de serviços. Porém, a ACT, em acção de fiscalização, verificou a existência de sérios indícios que permitem a conclusão de que o contrato é de trabalho, levantando o respectivo auto e notificando a Ré nos termos do artigo 15º-A nº 1 da Lei 107/2009 de 14.9, com a redacção da Lei nº 63/2013, de 27.8.

A Ré não regularizou a situação, tendo a ACT remetido a participação ao MP.

C… exerce as suas funções exclusivamente nas instalações da Ré, com os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, pratica horário de trabalho, previamente definido e estabelecido pela Ré, e organizado em escala elaborada por trabalhadoras com funções administrativas. Os turnos podem ser trocados com outro prestador que faça parte dos quadros da ré. A hora de início e termo da prestação de actividade é controlada por registo de “login/ logoff” e através de um sistema biométrico de registo de entradas e saídas, usado para todos que trabalham nas instalações, sejam trabalhadores ou prestadores de serviços.

A Ré concede intervalos de descanso com duração pré-determinada, não permitindo que C… elimine o período de descanso por modo a terminar mais cedo a prestação de serviço, devendo observar escrupulosamente a hora determinada para o termo da prestação diária pela Ré. O momento exacto dos intervalos e o seu gozo está dependente de prévia comunicação ao e autorização pelo supervisor. Caso não tenha possibilidade ou disponibilidade para cumprir a escala e não consiga que um colega seu o substitua, deve comunicar telefónica ou pessoalmente ao responsável de turno o motivo dessa impossibilidade ou indisponibilidade. Caso tenha mais de 3 faltas por trimestre é automaticamente colocado no Escalão I.

A Ré paga com periodicidade mensal um quantia calculada em função dum valor/hora, acrescida em função do Escalão em que o prestador está colocado por força da última avaliação efectuada pela Ré de acordo com a qualidade do serviço prestado e tempo de atendimento.

O prestador aufere acréscimos percentuais do valor/hora em prestação nocturna e em dias feriados e fins-de-semana, e por exercício das funções de responsável de turno nocturno. Exercendo funções de responsável, pode ser também responsável pela integração de novos colegas, no âmbito da formação em contexto de trabalho.

O prestador recebeu formação inicial dada pela Ré após um período mínimo de exercício de funções.

No âmbito da sua actividade obedece o prestador a procedimentos previamente definidos pela Ré e a instruções obrigatórias de trabalho. Está sujeito a avaliação de desempenho.

A conjugação de todos estes elementos constitui elemento sério e relevante da existência de um contrato de trabalho, que aliás se deve presumir nos termos do artigo 12º do Código do Trabalho.

Contestou a Ré, explicando pormenorizadamente os contornos da contratação e execução do contrato, invocando a inconstitucionalidade das normas que prevêem a acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho, essencialmente a partir da noção de que o interesse em causa é privado, e defendendo, a partir da explicação pormenorizada, e impugnativa, a natureza do contrato como sendo de prestação de serviços, e juntando variadas sentenças que acolheram os seus argumentos de defesa. Notemos aqui em particular que a Ré avançou os seguintes argumentos: “Em situação idêntica à dos presentes autos, o Tribunal do Trabalho de Lisboa e o Juízo do Trabalho da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste não reconheceram a existência de vínculo de trabalho subordinado com a Ré (doc. n.os 8 e 9)”.

“128º No mesmo sentido decidiram os Tribunais do Trabalho de Valongo, Matosinhos, Vila Nova de Famalicão, Porto, Penafiel e Abrantes, no âmbito de acções especiais de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, propostas pelo Ministério Público, na sequência de acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho às instalações da Ré (doc. n.os 10 a 15)”.

“DIREITO POR EXCEPÇÃO 1. “O contrato de trabalho é um produto da autonomia privada, resultando do encontro de uma proposta e uma aceitação, inserindo-se a sua disciplina legal no direito privado, pelo que estamos fora de um modelo de mera execução ou de aplicação da lei, mas [num âmbito] em que se toma sobretudo como referência a autonomia [privada], com as suas componentes de autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio da liberdade” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 2014, processo n.º 32/08.0TTCSC.S1, disponível em www.dgsi.pt).

1.1. Assim, “o facto último, no tocante à distinção do contrato de trabalho deve ser colocado na autonomia da vontade e na sua exteriorização juridicamente eficaz. Seria uma distorção acentuada julgar que o Direito (…) obriga as pessoas a celebrar contratos de trabalho ou proíbe as mesmas pessoas de celebrar contratos de prestação de serviços diferentes dos de trabalho” (idem).

2. Os presentes autos de acção declarativa com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, criada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, têm por objecto a qualificação de relação jurídica entre as partes.

2.1. Pelo que a mesma prossegue, apenas e só, interesse privado de que é titular o alegado trabalhador.

2.2. A circunstância de a presente acção ser instaurada independentemente do interesse do titular do direito que a mesma pretende acautelar constitui manifesta violação dos princípios da autonomia privada e liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil).

2.3. E, nesse sentido, as normas que a prevêem [artigos 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho (adiante “CPT”)] encontram-se feridas de inconstitucionalidade, por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho, da igualdade, do direito de acção e livre desenvolvimento da personalidade, previstos, respectivamente, nos artigos 2.º, 47.º/1, 13.º, 20.º/1/4, 26.º/1 e 27.º/1 da Constituição da República Portuguesa.

2.4. Entendimento contrário, que atribuísse ao Ministério Público o poder de promover a presente acção em representação e no interesse próprio ou de terceiro, sempre determinaria a incompetência material do Tribunal do Trabalho para a julgar (artigos 85.º a 87.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

3. A este propósito, o Tribunal do Trabalho de Lisboa pronunciou-se já no sentido da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 26.º/1, alínea i) e 6 e 186.º-K a 186.º-R do CPT, declarando, por conseguinte, a acção destituída de fundamento legal e a instância extinta (cfr. nesse sentido, sentença proferida em acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, proposta pelo Ministério Público, na sequência de acção inspectiva da ACT às instalações da Ré sitas em Lisboa, que ora se junta como doc. n.º 16)”.

Foi designado dia para realização da audiência de discussão e julgamento.

O Digno Procurador da República veio ainda responder à contestação invocando o interesse público que se procura efectivar nesta nova espécie de acção.

Na audiência de discussão e julgamento foi tentada a conciliação, nos termos do artigo 186º-O do CPT, tendo a Ré e C… acordado sobre a matéria de facto, e constando da acta seguidamente: “Matéria de facto sobre a qual acordam e que consubstancia a realidade da relação laboral que os vincula. Pelo que, nos termos do artigo 186º-O, nº 1 do C.P.Trabalho pretendem conciliar-se pondo termo à presente acção considerando a factualidade acima indicada, obrigando-se reciprocamente ao cumprimento do contrato de prestação de serviços que outorgaram”.

Os termos do acordo sobre a matéria de facto são os seguintes: “1 - Da Petição Inicial: a) As partes aceitam os factos constantes dos artigos 1º., 2º. e 6º. e ainda nos seguintes: - do artigo 3º aceitam que, em 10 de Agosto de 2009, acordaram e celebraram o contrato de fls. 19 a 22.

-do artigo 4º acordam que os serviços contratados consistem rigorosamente nos que estão descritos na cláusula 1ª, nº 1 do contrato de fls. 19 a 22 sem prejuízo da prestação de serviços complementares.

- do artigo 5º aceitam que C… é enfermeiro estando habilitado para o exercício dessa profissão.

- do artigo 7º aceitam que a ACT, no âmbito das suas atribuições, levou a efeito uma acção de fiscalização nas instalações da ré no Porto.

- do artigo 8º aceitam que a ACT levantou o auto de fls. 5 a 8 e notificou a ré nos termos de fls. 9.

- do artigo 10º aceitam que a ACT remeteu ao M.P. a participação de fls. 4 2 - Da contestação: Aceitam a factualidade vertida nos artigos 9.º a 126 a seguir transcritos: “9º Em 25 de Maio de 2006, a Ré celebrou com o Estado Português, através do Ministério da...

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