Acórdão nº 62/14.3GCOVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelBORGES MARTINS
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Sumário n.º 62/14.3GCOVR.P1 Comarca do Baixo Vouga. Ovar - Juízo de Instância Criminal.

Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação: Nos presentes autos foi submetida a julgamento B…, solteira, advogada, filha de C… e de D…, nascida a 28/10/1975, natural da freguesia …, concelho de Ovar, residente na Rua … nº … em …, Ovar, por lhe ter sido imputada a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º n.º 1 alínea b) do Código Penal e um crime de quebra de marcas e selos, p. e p. pelo artigo 356º do Código Penal.

No final foi publicada a seguinte decisão: Nestes termos e em face do exposto, julga-se a acusação totalmente procedente e, em consequência:

  1. Condena-se a Arguida B…, pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa.

  2. Condena-se a Arguida B…, pela prática, em autoria material, de um crime de quebra de marcas e de selos, p. e p. pelo artigo 356.º do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa.

  3. Condena-se a Arguida B…, em cúmulo jurídico, na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa à razão diária de 7,00€ (sete) Euros.

    Inconformada e com vista à sua absolvição, recorreu a arguida, suscitando as seguintes questões: - verifica-se a nulidade insanável prevista no art.º 119.º, al. f) do CPP, porquanto relativamente ao crime de quebra de selos e marcas inexiste detenção em flagrante delito da arguida; - ocorrem os vícios previstos no art.º 410.º, n.º2 do CPP e de acordo com o mecanismo previsto no art.º 412.º, n.º2 do CPP impõe-se outro julgamento da matéria de facto; - não ocorrem os elementos típicos dos crimes pelos quais foi condenada; - verifica-se a causa de exclusão da ilicitude prevista no art.º 31.º, n.º 2, al. c) - cumprimento de uma obrigação imposta por lei; e também a prevista no art.º 36.º do CP – conflito de deveres jurídicos; - o crime de quebra de marcas e selos encontra-se em concurso aparente com o de desobediência; - ambos deviam ser punidos com trinta dias de multa, bem assim como próximo deste montante o cumulo jurídico, fixando-se a taxa diária em cinco euros; - requer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no art.º 48.º do CP.

    Na sua Resposta, pugnou o MP junto do tribunal recorrido pela manutenção da decisão recorrida, pois que a manutenção do juízo da matéria de facto, que se impõe, não consente outras soluções jurídicas propostas pela recorrente.

    O Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação apôs Visto.

    Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida: I. Fundamentação de Facto 1.

    Factos Provados: Da audiência de julgamento, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos constantes da acusação: 1. No dia 12 de Fevereiro de 2014, pelas 16h 40m, a Arguida conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-IT-.. na …, em …, Ovar, quando foi fiscalizada por uma patrulha da G.N.R., averiguando-se que o aludido veículo tinha sido apreendido, à Arguida, no dia 14/1/2014, na sequência de penhora que sobre o mesmo recaíra, ordenada no Processo 3284/13.0T2OVR que corre termos pelo Juízo de Execução de Ovar.

    1. Aquando da apreensão foi afixado pela Funcionária Judicial encarregada da diligência, no vidro dianteiro da viatura, o respectivo selo de penhora, a certificar que a mesma havia sido colocada sob o poder público, facto de que a Arguida ficou ciente.

    2. Igualmente, na ocasião, a Arguida foi constituída depositária da viatura e expressamente advertida, pelo agente autuante, de que não podia circular com a mesma e que, nomeadamente, a sua utilização a faria incorrer na prática do crime de desobediência, facto de que ficou igualmente conhecedora e de cujas consequências ficou bem ciente.

    3. Não obstante ter ficado ciente das referidas advertências, regularmente comunicadas, por funcionário competente e agente de autoridade, ambos em exercício de funções, a Arguida decidiu desrespeitá-las e desobedecer, porquanto, não obstante conhecer que a viatura ..-IT-.. havia sido apreendida e nela aposto o respectivo selo de penhora, pelo funcionário competente, decidiu arrancar e destruir o referido selo, o que fez, não obstante estar ciente de que o mesmo se destinava a certificar que sobre a viatura recaíra apreensão, para além de conduzir o referido veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, embora soubesse que dessa forma desobedecia à ordem legitima que lhe foi dirigida por aquela autoridade.

    4. A Arguida actuou de forma livre, deliberada e consciente com intenção de desobedecer à ordem de não utilização do veículo de que era destinatária, cujo conteúdo entendeu e conhecia, não obstante saber que essa ordem fora emanada pela autoridade competente e que era formal e substancialmente legítima e lhe fora regularmente comunicada e, não obstante, decidiu conduzir o veículo apreendido, sabendo que desobedecia, como quis e conseguiu.

    5. Agiu ainda do mesmo modo livre, deliberado e consciente, com o propósito de destruir e inutilizar o selo que fora aposto na viatura e que certificava que a mesma se encontrava sob o poder público e havia sido apreendida, sendo certo que bem sabia o significado da sua colocação, e mesmo assim não se absteve de o destruir como quis e conseguiu.

    6. A Arguida sabia que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se abstendo, assim mesmo, de os praticar.

      Mais se provou que: 8. A Arguida, no presente momento, tem as quotas devidas à Ordem dos Advogados em atraso.

    7. De igual forma tem as contribuições devidas à Segurança Social em atraso.

    8. Os seus Pais ajudam-na financeiramente.

    9. Desde Julho de 2009 que tem os pagamentos de honorários decorrentes do sistema de apoio judiciário bloqueados.

    10. Não tem filhos e vive com os seus Pais.

    11. A Arguida não tem antecedentes criminais.

    12. Factos Não Provados Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa.

      Com efeito, não se provou que: ● a Arguida pretendesse levar o veículo descrito nos factos provados a Inspecção Periódica.

    13. Motivação A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto acima descrita resultou da análise crítica e conjugada, à luz das regras de experiência e critérios de normalidade (cfr. artigo 127.º do Código de Processo Penal), da prova produzida em audiência de julgamento, mormente das declarações prestadas pela própria Arguida, no que respeita às suas condições pessoais de vida, respaldadas nos factos provados de 8 a 12, do depoimento prestado pelas testemunhas E…, F… e G…, da G.N.R. destacados no posto territorial de …, no Destacamento de Ovar, no depoimento de H…, Funcionária Judicial que apôs o selo descrito nos factos provados, bem como do teor dos documentos juntos aos autos, em especial as certidões decorrentes do Processo Executivo 3284/13.0T2OVR e do Certificado de Registo Criminal da Arguida – este último quanto ao facto provado n.º13.

      Tendo presente os referidos meios de prova, isoladamente ou conjugados entre si, cumpre concretizar como se formou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados.

      Assim, os pontos 1 a 5 dos factos provados, referentes à intercepção da Arguida pelos militares da G.N.R., à aposição do selo de penhora, ao seu arrancamento e desobediência ao auto de apreensão, o Tribunal socorreu-se dos depoimentos de E… e F…, ambos agentes da GNR em exercício de funções em Ovar, os quais, de forma clara e assertiva, referiram o facto de a Arguida conduzir o veículo de matrícula ..-IT-.. no circunstancialismo de espaço e tempo identificado nos factos provados, algo que não foi minimamente infirmado no decurso da audiência.

      A existência de penhora e apreensão do apontado veículo estribou-se nos documentos de fls. 15, 16 e 20, de onde emerge igualmente a advertência e cominação à Arguida do crime de desobediência (sendo certo que tal documento foi igualmente subscrito pela própria Arguida).

      Do documento de fls. 20 flui a apreensão do apontado veículo e a constituição da Arguida como depositária.

      O facto de a Arguida ter retirado o selo inerente à apreensão do automóvel estribou-se na concatenação das regras da experiência comum em conjugação com os depoimentos isentos e fluidos de G…, Cabo da GNR, e de H…, Funcionária Judicial.

      Com efeito, H…, em depoimento coerente e isento, referiu ter aposto o apontado selo no automóvel da Arguida e que tal dispositivo não tem a virtualidade de espontaneamente se libertar do sítio onde é colocado, na medida em que é de difícil remoção. Tanto mais, que o mesmo foi aposto no vidro do automóvel quando o mesmo se encontrava estacionado numa garagem, ou seja sem o vidro molhado.

      Tais declarações foram igualmente confirmadas por G…, o qual confirmou o facto de o referido selo ter ficado perfeitamente colado e que não é provável ter caído, na medida em que foi colocado com o vidro seco.

      Aliás, a própria junção aos autos do referido selo pela Arguida no decurso da audiência atestou, a nosso ver, de forma inelutável, que o apontado selo foi removido por aquela, na medida em que foi a própria a apresentá-lo.

      Por outro lado, a própria configuração do selo apresentado leva inequivocamente ao facto de o mesmo ter sido propositadamente removido, ante a configuração que o mesmo apresenta no seu canto superior esquerdo.

      Ademais, atentou-se, igualmente, nos documentos de fls. 14 de onde deriva a ausência do dito dispositivo identificador de apreensão.

      Assim, ante tal recolha de prova, ficou-se com a convicção de que efectivamente a Arguida pretendeu desobedecer à ordem que lhe foi cominada de não utilização do apontado veículo e que a mesma procedeu à remoção do apontado selo.

      Com efeito, não nos convenceu o Argumento de que pretendia levar o veículo a inspecção...

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