Acórdão nº 1457/13.5TTVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução13 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1457/13.5TTVNG-A.P1 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: II1. Relatório B… intentou em 16 de Dezembro de 2013 a presente acção declarativa comum contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 3.563,06 (cinco mil quinhentos e sessenta e três euros e seis cêntimos) relativamente à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar, trabalho noturno, compensação horário descontinuo, subsídio de condução, subsídio de divisão, compensação especial, subsidio redução horário de trabalho, transporte pessoal vencimento e subsídio de turno, média que não foi paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1986 a 2003, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 2.929,75 e vincendos à taxa legal desde as datas em que tais quantias deveriam ter sido postas à disposição do trabalhador.

Para tanto alega, em síntese: que trabalha para a ré desde 1985 com a categoria profissional de CRT e que a sua retribuição mensal é composta por diversas prestações de abonos complementares, designadamente trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação por horário incómodo e descontínuo, subsídio de condução, compensação por redução de horário de trabalho, compensação especial, transporte pessoal, subsídio de divisão e subsídio de turno, que lhe foram pagas ao longo dos anos, regular e periodicamente, conforme discrimina nos “Quadros” relativos aos anos de 1986 a 2003 que inscreveu na petição inicial; que a média de tais valores deveria ter sido incluída no pagamento das férias, subsídio de férias e de Natal dos respectivos anos e que a R. se limitou a pagar as férias e os subsídios de férias e de Natal, atendendo apenas à parte fixa da retribuição; que a partir de 2004 a R. admitiu que tais parcelas faziam parte da retribuição tendo passado a pagá-las para o futuro nas férias, no respectivo subsídio e no subsídio de Natal e que o A. é sócio do C….

A R. apresentou a contestação documentada a fls. 182 e ss., invocando, em suma: que os actos de processamento de vencimentos praticados até à data da transformação da R. em sociedade de capitais exclusivamente públicos em Maio de 1992 são actos administrativos que não podem ser agora objecto de apreciação judicial; que a tais créditos laborais anteriores a Maio de 1992 não se aplica a LCT mas as regras gerais de prescrição dos artigos 306.º e 310.º, alínea g) do Código Civil, pelo que os mesmos se mostram prescritos em 5 anos, o mesmo sucedendo com os juros relativos a esse período; que constitui abuso do direito na forma de supressio peticionar juros de mora desde o vencimento das prestações; que não há mora antes do trânsito em julgado da decisão ou, ao menos, da citação da R. para contestar a acção e que se verifica a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, em virtude do decurso do prazo a que alude o artigo 310º, al. d) do Código Civil. Alega, ainda, que as prestações em análise não fazem parte do conceito legal de retribuição, pelo que não são devidas ao autor na remuneração das férias e nos subsídios de férias e de Natal, que a entender-se que os subsídios alegados integram o conceito de retribuição, só assim deverá acontecer quando o seu pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano (11 meses) e que, sem conceder, caso se julgue provada a acção, deve ter-se em consideração que a média de pagamento dos complementos de um ano dever-se-á repercutir no ano seguinte, devendo ser relegada a liquidação do pedido em conformidade, para execução de sentença.

O A. respondeu à contestação nos termos documentados a fls. 201 e ss., pugnando pela improcedência das excepções.

Foi proferido despacho saneador em 2 de Maio de 2014 em que se julgou improcedente a excepção suscitada quanto aos juros de mora relativos aos últimos 5 anos, se negou a existência de abuso do direito na reclamação de tais juros, se determinou ser o termo inicial para a sua contagem a data do vencimento da obrigação de capital respectiva e se julgou improcedente a prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992, no mais se determinando o prosseguimento da acção. Fixou-se à causa o valor de € 6.492,12.

1.2.

A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido a fls. destes autos, na parte em que, conhecendo das excepções peremptórias de prescrição dos créditos pelas diferenças retributivas anteriores a Maio de 1992 e de prescriçao dos juros relativos aos créditos que o Autor reclama, decidiu pela sua improcedência.

  1. São três as questões a resolver: 1. A natureza jurídica da relação entre a Ré e os seus trabalhadores anterior a Maio de 1992; 2. Se o Autor litiga em Abuso de Direito – a Supressio 3. Se há constituição em mora antes da citação da ré para contestar; 4. Se estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos ao abrigo do art. 310.º, al. d) do C.Civ.; III. Importa na análise da primeira questão, e desde logo, atender à natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e os seus trabalhadores, estabelecidas anteriormente a Maio de 1992, pois que a mesma influencia, determinantemente, na possibilidade ou não de o Autor pôr em causa a forma de pagamento do vencimento de férias, subsídios de férias e de Natal anteriores a Maio de 1992.

  2. Até àquele período (e não só, como veremos), a relação jurídica entre Autor e Recorrente estava conformada pelo quadro jurídico estabelecido, nomeadamente, pelos seguintes normativos legais: - D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969 - Portaria n.º 706/71, de 18 de Dezembro; - Portaria de Regulamentação Colectiva de 29.07.1977; - AE de 81 - Portaria n.º 348/87, de 26 de Abril V. Com o D.L. n.º 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, a Apelante assumiu uma tradição de instituição pública e os seus trabalhadores um estatuto típico do funcionalismo público, ainda que com certas especificidades, sendo certo que o regime público se mantém.

  3. De referir que a Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito público – e mesmo após a sua transformação em sociedade anónima – integra a Administração pública em sentido orgânico (ou, pelo menos, constituir uma verdadeira Administração indirecta privada).

  4. Na verdade, através desse diploma legal foi conferido à Recorrente o estatuto de empresa pública regendo-se o seu pessoal por um regime jurídico privativo, de natureza pública, conforme determinava o art. 26.º dos seus estatutos, que veio a ter posterior tradução nomeadamente nos diplomas e normativos acima indicados e que se manteve inalterado pelas disposições consubstanciadas no Acordo de Empresa posteriormente outorgado pela Recorrente.

  5. A evolução do seu perfil organizacional e a sua prévia existência enquanto verdadeira direcção geral, de pleno integrada na administração directa do Estado - a que também não é estranha a fixação de prorrogativas aos seus trabalhadores, no período considerado, que evidenciam poderes de autoridade administrativa (vide art. 28.º do D.L. n.º 49368) - explicam a opção do legislador quando afasta o regime do contrato individual de trabalho, dada a expressa natureza jus-privatística deste último.

  6. Nem os aspectos diferenciadores do regime jurídico estabelecido, de carácter privativo, nem o quadro legal posteriormente fixado pelo D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril, procederam à desfuncionalização da relação de emprego público existente, nesse período, nem tiveram por efeito transformar os funcionários ao serviço dos CTT em trabalhadores sujeitos ao regime do contrato de trabalho.

  7. Manteve-se, assim, uma relação jurídica de emprego de cariz público, sujeita ao direito administrativo, a que a natureza empresarial dos CTT nada obstou.

  8. Relembrar que ainda hoje, no AE de 2013 (BTE, 1.ª Série, n.º 15 de 22 de Abril de 2013) e que está em vigor, o poder disciplinar da Recorrente é dualista, o que representa o reconhecimento “no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.” (sublinhado nosso) – vide Parecer da PGR, de 7 de Outubro de 1998 (voto de vencido do Conselheiro Fernandes Cadilha).

  9. Atentos os fortes traços de direito público de que se reveste o regime jurídico anterior à transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - concretizada pelo D.L. n.º 87/92, de 14 de Maio, tem de entender-se, assim, que em relação às prestações reclamadas por trabalhadores contratados até 19 de Maio de 1992 e as que respeitem apenas a esse período, as mesmas foram determinadas por actos administrativos.

  10. Porque sustentados numa relação jurídica materialmente administrativa, os actos de processamento de vencimentos e demais prestações remuneratórias praticados até essa data (leia-se, 19 de Maio de 1992) entendem-se como actos administrativos.

  11. Tal interpretação foi tecida em parecer jurídico de autoria do Prof. Doutor Sérvulo Correia, que defende que “o processamento automático, através de meios mecânicos ou electrónicos, dos vencimentos dos funcionários da Consulente não esbarra, pois, com a noção, dogmaticamente sedimentada, de ato administrativo.

    Conclui-se assim, eu estamos, efectivamente, perante actos definidores e efeitos jurídicos concretos de conformação de uma relação inter-administrativa, e, como tal, perante atos de eficácia externa que assumem a configuração jurídica de ato administrativo, reunindo todos os elementos essenciais que integram este conceito”, conclusão “corroborada por jurisprudência reiterada e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo”.

  12. Conclui, igualmente, o ilustre Professor que...

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