Acórdão nº 4257/13.9TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução27 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

4257/13.9TBMTS.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 4257/13.9TBMTS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Uma vez que a finalidade da relação de liquidação emergente da resolução contratual é a de colocar as partes na situação em que se encontravam quando celebraram o contrato, a obrigação de restituição prevista no nº 1, do artigo 8º do decreto-lei nº 143/2001, ao invés do direito de indemnização e à semelhança do cumprimento contratual, não depende da existência de culpa do obrigado à restituição ou da causação de qualquer dano na esfera jurídica do consumidor credor da importância que entregou ao fornecedor.

  1. A obrigação de devolução em dobro prevista no nº 2, do artigo 8º do decreto-lei nº 143/2001 tem carácter sancionatório da mora do obrigado à devolução, dependendo dos pressupostos gerais do nascimento da obrigação de indemnização, salvo no que respeita a demonstração da existência e extensão do dano, que são legalmente ficcionadas pela própria lei em montante igual ao da devolução.

    ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] A 09 de Julho de 2013, no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, B… instaurou acção declarativa com processo experimental contra “C…, S.A.

    ”, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.998,00, acrescida dos juros de mora vencidos, os quais, até à data da petição, liquida em € 374,01, bem como nos vincendos até integral pagamento.

    Para fundamentar as suas pretensões, o autor alega que em 30 de Novembro de 2011 efectuou uma compra sob encomenda na loja on-line da ré, correspondente a dois televisores da marca Samsung, no valor total de € 5.998,00; em 10 de Dezembro de 2011 foi efectuada, pela ré, a entrega dos televisores na sua residência; o pagamento foi efectuado pelo autor através de cartão de crédito; acontece que o Autor, a 14 de Dezembro de 2012, decidiu exercer o seu direito de livre resolução, pelo que nessa mesma data enviou uma carta registada com aviso de recepção à ré, recepcionada na sede da mesma a 15 de Dezembro de 2011; nessa missiva, o autor solicitou ainda que lhe comunicassem como e quando pretendia a ré proceder à recolha dos televisores; contudo, o autor não obteve uma resposta rápida da parte da ré, tendo por diversas vezes interpelado a mesma por e-mail e telefone; só a 09 de Janeiro de 2012, por telefone, o autor foi autorizado pela ré a devolver os televisores ao balcão da loja da ré em … – Coimbra; a 08 de Fevereiro de 2012, sem que tivesse ainda sido reembolsado do montante relativo ao preço pago pelos televisores devolvidos, o autor enviou um e-mail à ré a solicitar uma justificação para o atraso; não obteve resposta, e a esse e-mail outros se seguiram, sempre com o propósito do autor, de saber a razão do atraso na devolução/reembolso; a ré apenas procedeu à devolução/reembolso do montante pago pelo autor a 16 de Março de 2012, mais de 90 dias após a resolução do contrato celebrado; em 26 de Setembro de 2012 o autor enviou uma carta à ré, a solicitar o reembolso do valor em falta (mais € 5.998,00), por incumprimento do prazo de 30 dias para reembolsar o autor pelo preço pago pelos televisores.

    Efectuada a citação da ré, esta veio contestar alegando que no dia 06 de Janeiro de 2012 o autor contactou a “Linha de Apoio ao Cliente C…”, informando o funcionário que o atendeu de que havia procedido ao envio, no dia 14 de Dezembro de 2011, de uma carta registada com aviso de recepção para a sede da ré, tendo esta o objectivo de exigir a devolução dos dois artigos encomendados a 30 de Novembro e entregues a 10 de Dezembro, mais tendo informado que pretendia exercer o direito que a lei lhe faculta; o autor foi informado, nesse mesmo contacto telefónico, de que o pedido de devolução iria ser tratado com a maior brevidade possível; de acordo com os “Termos de Uso relativos às Devoluções”, o consumidor dispõe de um prazo de quinze dias para proceder à devolução da sua encomenda, devendo, para o efeito, dirigir-se a uma loja física da C… ou contactar a linha de apoio C… através do número ………; contudo, o autor optou por solicitar a devolução através de carta registada com aviso de recepção para a sede da ré; no dia 9 de Janeiro de 2012, na sequência de um e-mail enviado pelo próprio, a ré, através dos seus funcionários, entrou em contacto telefónico com o autor de forma a agendar o levantamento dos dois televisores logo no dia 10 de Janeiro, em hora marcada, possibilidade liminarmente recusada pelo autor, tendo esclarecido que os bens teriam de ser devolvidos até ao final daquele mesmo dia 9 de Janeiro; uma vez informado que naquela data não havia disponibilidade do carro bombeiro necessário ao transporte dos artigos em causa, o autor reiterou a sua intenção de entregar os televisores naquela data, tendo exigido deslocar-se, ele próprio, a uma loja C… para o efeito; não obstante tal situação consubstanciar um “desvirtuamento” dos procedimentos relativos às devoluções, a exigência do autor levou a que tivesse sido acordada a sua deslocação à loja C… Coimbra …, para devolver os dois televisores, tendo o próprio solicitado que a devolução do preço pago pelos mesmos fosse efectuada no seu cartão de crédito, através da C1…, isto, não obstante a indicação do NIB na sua carta de 14 de Dezembro de 2011 e a possibilidade, que lhe foi apresentada, da realização da devolução do montante pago pela loja C… Coimbra … aquando da entrega dos artigos; a entrega dos artigos foi concretizada pelo autor no dia 9 de Janeiro de 2012, tendo-se constatado que os dois televisores devolvidos ainda se encontravam selados, o que criou na ré a necessidade de acautelar a inexistência de qualquer tentativa de fraude, tendo em conta o meio de pagamento utilizado, o elevado valor dos artigos em causa e o facto de o autor ter aceite a encomenda sem reservas e, logo em seguida, ter exigido a respectiva devolução; concluída a análise da situação e confirmado o bom estado dos equipamentos devolvidos, a ré desenvolveu as medidas necessárias à concretização da devolução do montante pago, sendo que, uma vez tentada a mesma através da C1…, foi detectada a impossibilidade técnica por força do elevado valor em causa e do meio de pagamento utilizado; isto porque o cartão Mastercard titulado pelo Autor não permitiu a devolução do valor em causa, o que se continuou a verificar nos dias seguintes e que obrigou a que fosse aberto registo no Help Desk com a informação “devolução Mastercard gera erro ao tentar processar”; de forma a resolver a situação, os funcionários da ré sentiram necessidade de proceder à articulação com o Departamento Financeiro, de forma a alcançar um meio alternativo através do qual fosse permitida a devolução do valor pago pelo autor, sendo que tal devolução teve de ser validada pela D…, S.A. e comunicada à E…, S.A., diligências que se mostraram morosas e que levaram a que a devolução do valor de € 5.998,00 ao autor apenas tivesse sido possível a 15 de Março de 2012; na presente situação e não obstante o aparente preenchimento dos requisitos que, à partida, justificariam o exercício do direito que o autor visa agora reclamar, há que atender às circunstâncias do caso concreto e que estiveram na base da devolução do montante de € 5.998,00 para além dos trinta dias legalmente previstos; considera, face ao exposto, que a presente acção e o pedido formulado pelo autor consubstanciam um abuso de direito e uma tentativa de enriquecimento sem causa.

    Após ter sido notificado para, querendo, responder, o autor apresentou resposta à contestação impugnando a matéria de excepção invocada pela ré e pronunciando-se pela sua total improcedência.

    As partes foram notificadas para, querendo, oferecer as suas provas e ambas ofereceram as suas provas.

    Fixou-se o valor da causa no montante de € 6.372,01 e proferiu-se saneador tabelar.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

    A 03 de Novembro de 2014, foi proferida sentença que julgando procedente a acção condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 5.998,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde 04 de Fevereiro de 2014 até efectivo e integral pagamento.

    A 20 de Novembro de 2014, o autor veio requerer a rectificação do ano do termo inicial de contagem dos juros de mora, pretensão que foi deferida, devendo ler-se “2012” onde ficou escrito “2014”.

    A 01 de Dezembro de 2014, “C…, S.A.

    ”, inconformada com a sentença, interpôs recurso de apelação[2], terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A. Conforme o disposto no n.º 2 do artigo 483.º do Código Cívil “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”, B. Ora, da lei não resulta a objetividade da obrigação de devolver em dobro prevista no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/2001, de 26 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas posteriormente, o que implica que a mesma seja integrada no regime geral previsto no Código Civil no que respeita à obrigação de indemnizar, C. Assim, a Recorrente só estaria obrigada a devolver em dobro o montante pago pelo Autor/Recorrido, caso a ultrapassagem do prazo legalmente previsto no n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/2001, de 26 de abril, com as alterações que lhe foram introduzidas posteriormente, tivesse resultado de culpa sua, a qual terá de ser apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil, D. Prevendo o do n.º 1 do artigo 790.º do Código Civil que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor, e o o n.º 1 do artigo 792.º que “se a impossibilidade for temporária o devedor não responde pela mora no cumprimento”, E. “A impossibilidade a que se refere os arts. 790º e segts., é aquela...

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