Acórdão nº 13/12.0GEVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2015
Magistrado Responsável | NETO DE MOURA |
Data da Resolução | 25 de Novembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 13/12.0 GEVFR.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 13/12.0 GEVFR, corre termos pela Instância Local de S.M. da Feira, Secção Criminal (Juiz 1), Comarca de Aveiro, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, o arguido B…, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática de factos susceptíveis de consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença (fls. 228 e segs.), datada de 07.02.2015 e depositado em 02.03.2015, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se absolver o arguido B… da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que lhe era imputado.
*Quanto aos bens apreendidos:
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Declara-se perdido a favor do Estado, ao abrigo do disposto no artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, todo o produto estupefaciente apreendido assim como a respetiva amostra que se encontra devidamente guardada, mais se determinando a sua destruição.
Cumpra-se o disposto no artigo 62.º, n.º 5 e n.º 6 do citado normativo legal.
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Determina-se a restituição do telemóvel apreendido ao arguido”.
Discordando da decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): 1. O parágrafo 4) dos factos provados, bem assim, os parágrafos e) e d) dos factos não provados foram incorrectamente julgados e, por isso, vão impugnados; 2. Da fundamentação da sentença resulta que o parágrafo 4) foi considerado provado em virtude das declarações do arguido mas são essas mesmas declarações que impõem uma decisão diversa quanto à materialidade contida no referido segmento fáctico - cfr. registo fonográfico armazenados no sistema citius media studio, sessão de 26.12.2014, passagens de 07:51 a 08:45, de 18:45 a 19:00, de 20:44 a 20:50; 3. De molde a que o §4 espelhe fidedignamente o conteúdo probatório produzido em sede de audiência de discussão e julgamento torna-se imperioso alterá-lo, eliminando a alusão aos "dois dias", passando a consagrar a seguinte redacção: «Normalmente o arguido consome uma tira de canabis similar à que lhe foi apreendida em 3 dias».
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Demonstrado que o arguido, ao tempo dos factos, necessitava de mais de dez dias para consumir aquela porção de 13,451 gramas - recordemos a redacção do §4 propugnada - importa elevar para a esfera de positivamente provados os factos constantes nos pontos e) e d) tidos por não provados; 5. O universo factológico citado, da forma como agora o concebemos, conjugado com aquele inicialmente tido por provado na sentença patenteia o preenchimento da totalidade dos elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de Consumo, p. e p. pelo art. 40º/1 e 2 do DL 15/93 com referência negativa ao art. 2º/1 da Lei 30/2000, de 29.11 e, portanto, o arguido deverá ser condenado pela prática do mesmo.
Sem prescindir: 6. Por força do Princípio da investigação, consagrado no art. 340º/1 do CPP, recai sobre o Tribunal o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova que considere essenciais à "descoberta da verdade material e à boa decisão da causa" independentemente da contribuição da acusação ou da defesa; 7. Vale por dizer que o Tribunal encontra-se obrigado a carrear toda a prova necessária à boa decisão da causa, de modo a que, finda a discussão e aberta a fase de julgamento da matéria de facto e de direito srictu sensu, esteja munido de todos os elementos essenciais para solucionar o caso concreto, quer em termos fácticos, quer em termos normativos; 8. In casu, o Tribunal a quo recorreu ao "critério da jurisprudência" presumindo, com absoluto desligamento do caso concreto, um grau diminuto de pureza da canabis, na ordem dos 2,2%, quando podia e devia ordenar exame de cariz toxicológico à substância apreendida em amostra-cofre, para determinação rigorosa do quantum percentual do princípio activo; 9. Não tendo assim actuado, demitiu-se da obrigação de investigar, à qual se encontra por lei adstrito, violou desse jeito o art. 340° do CPP, os art.s 40º/1 e 3, 71º/1-c) do DL 15/93, de 22.01, incorrendo em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; 10. E é justamente esse vício que assombra, atinge e degrada a sentença a quo – cfr. art. 410º/2-a) do CPP”.
*Admitido o recurso (despacho a fls. 275) e notificado o arguido, veio este responder à respectiva motivação, sintetizando assim a sua contra-alegação: 1. “Analisada a douta sentença recorrida, entende o recorrido que o tribunal a quo fundamentou e justificou de forma irrepreensível, as razões e convicções que levaram á verificação dos factos dados como provados e não provados.
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Mediante os elementos carreados para os autos, a prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo efectuou devidamente a análise crítica da prova produzida ou da ausência da mesma.
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Entende o recorrido que não deve ser alterada a matéria de fato dado como provado e não provada, acima referidas, devendo manter-se nos mesmos moldes que consta da douta sentença.
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Conforme consta da douta sentença, o arguido declarou que consome em, 2, 3 dias cada tira de canábis que foi apreendida.
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Ora conforme refere a douta sentença, não existe nos autos qualquer outra prova que contraria-se o afirmado pelo arguido.
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Para além de não existir qualquer elemento de prova que abalasse o depoimento do arguido, tais declarações estão sujeitas à livre apreciação do julgador que, naquele momento, ouve e tem perceção dos movimentos, expressões do arguido, etc.
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Em caso de dúvida sempre seria de aplicar o princípio "in dubio pro reo".
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Não foram violados quaisquer preceitos legais”.
*Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, secundando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, se manifesta pelo provimento do recurso.
*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem qualquer resposta.
* Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II – Fundamentação São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso, naturalmente sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insupríveis e dos vícios da sentença, estes previstos no n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal.
O Ministério Público/recorrente põe em crise a sentença absolutória impugnando a decisão sobre matéria de facto.
Fá-lo pelas duas vias legalmente possíveis: invocando um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal e erro de julgamento, por incorrecta apreciação e valoração da prova.
É no pressuposto da procedência dessa impugnação e da consequente alteração factual que o recorrente pugna pela condenação do arguido pela autoria do crime previsto e punível pelo artigo 40.º, n.
os 1 e 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Por isso são duas as questões a apreciar e decidir: - se a sentença recorrida está afectada pelo vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - se o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por incorrecta apreciação e valoração da prova;*Identificadas as questões a decidir, importa conhecer os factos considerados provados e os não provados: Factos provados: 1) No dia 7 de junho de 2012, cerca das 2.40 horas, o arguido encontrava-se na C…, sita no …, …, Santa Maria da Feira, onde decorria uma “rave party”; 2) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido detinha, repartidas por 4 tiras, guardadas no interior do bolso das suas calças, 13,451g de canabis (resina), que lhe foi apreendida; 3) O arguido detinha aquele produto exclusivamente para o seu consumo; 4) Normalmente, o arguido consome uma tira de canabis similar à que lhe foi apreendida em 2 ou 3 dias;B5) O arguido conhecia a natureza e características da substância estupefaciente que detinha, sabendo tratar-se de canabis, estando ciente que a sua detenção lhe estava vedada por lei; 6) Conhecia ainda os efeitos nefastos na saúde humana do produto estupefaciente por ele detido; 7) Em todos os sobreditos momentos, o arguido atuou livre, voluntária e conscientemente; 8) Sabia que a sua conduta era ilícita e reprovável, agindo com a consciência de que a mesma era, como ainda é, proibida e punida por lei; 9) Sabia ainda que a cedência de estupefacientes era conduta ilícita e reprovável, proibida e punida por lei; C1) Nas circunstâncias de tempo e lugar referido em 1), o arguido detinha ainda um telemóvel, marca …, branco e cor-de-rosa, com o IMEI …………….. e com o cartão D… n.º …………, que lhe foi apreendido; II11) Os pais do arguido estão separados; 12) O pai do arguido é vendedor de automóveis; 13) A mãe do arguido é doméstica, vivendo com um companheiro que trabalha numa fábrica de pás eólicas; 14) Tem dois irmãos: um germano, de 18 anos e uma irmã uterina de 17 anos; 15) O arguido vive com a mãe, dando-se bem com o companheiro desta; 16) Tem o 9.º ano de escolaridade, concluído apenas quando tinha 18 anos de idade; 17) O...
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