Acórdão nº 848/13.6TAVRF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2015

Data da Resolução25 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 848/13.6TAVFR.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório 1.1. No Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 2º Juízo Criminal, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum (n.º 848/13.6TAVFR) e com intervenção do tribunal singular de B…, devidamente identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal.

1.2. A assistente C… deduziu acusação particular contra o arguido, aderindo à acusação pública e formulou igualmente pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 800 (oitocentos euros), a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos em virtude das condutas ameaçadora e injuriosa perpetradas pelo arguido (cfr. folhas 122 a 124).

1.3. Recebida a acusação pública, foi alterada a qualificação jurídica dos factos aí descritos, passando a imputar-se ao arguido a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º do Código Penal, e o de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, sendo também recebido o pedido de indemnização civil.

1.4. A audiência decorreu perante tribunal singular e com observância do formalismo legal. No final da audiência de julgamento, foi comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos que lhe eram imputados e, após ter sido concedido prazo suplementar para preparação da defesa, nada mais foi requerido.

1.5. Realizado o julgamento foi proferida sentença com a seguinte decisão: “ (…) Nos termos expostos, decido: 1) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de um ano de prisão.

2) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um mês e quinze dias de prisão.

3) Em cúmulo jurídico condenar o arguido B…, na pena única de treze meses de prisão.

4) Suspender a pena de prisão ora aplicada, pelo período de treze meses, com subordinação a regime de prova e condicionada: à obrigação de acompanhamento psicológico enquanto e se tal se revelar necessário; às regras de conduta de não contactar, por qualquer meio, com a assistente C… e não se aproximar da mesma a menos de cinquenta metros, sem prejuízo de se autorizar o acesso ao local da sua residência (anexo à habitação da assistente, sita na Rua…, Santa Maria da Feira), conquanto o arguido cumpra a proibição de contactos.

5) Condenar o arguido e demandado civil B… a pagar à demandante civil C… a quantia de € 500 (quinhentos euros), acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde o dia 19 de Fevereiro de 2014 até efectivo e integral pagamento.

6) Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando a taxa de justiça no mínimo legal.

7) Sem custas cíveis [artigo 4.º, n.º 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais] (…).

1.6. Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

  1. Nos termos do disposto no art° 50° do CPP, quando o procedimento criminal depender de acusação particular do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que estas se constituam assistentes e deduzam acusação particular.

  2. Dispõe o art° 285° do CPP que, findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular o Ministério Público notifica o assistente para que este, querendo, deduza acusação particular, à qual é aplicável o disposto nos nºs 3 e 7 do art° 283° do mesmo diploma legal (veja-se nº. 3, do art° 285° do CPP), isto é, tem a acusação particular de conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, para além do mais (veja-se al. b) e d) do nº. 3, do art 283° do CPP).

  3. No caso dos autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática de factos que em seu entender preenchem o tipo legal de "violência doméstica", posteriormente alterado para o de "ameaça agravada" e notificada a assistente para, querendo deduzir acusação particular, nomeadamente pelo crime de injúria, a assistente, usando da faculdade que lhe concede a al. a), do n.º 2, do art° 284° do CPP, veio (apenas e tão-somente) declarar (...) "aderir integralmente à acusação deduzida pelo Ministério Público" (...).

  4. Assim, inexiste qualquer acusação relativamente ao apontado "crime de injúria" porquanto o Ministério Público - até por carecer legitimidade para tal - não o faz, acusando o arguido (apenas) da prática do crime de "violência doméstica" (posteriormente alterado para o de "ameaça agravada") e a assistente também o não faz, limitando-se a aderir àquela acusação pública, tal como é ela se encontra deduzida pelo Ministério Público, não acusando, pois, o assistente pela prática de qualquer outro crime, maxime o de injúria, para além daquele.

  5. Aliás, nas respetivas acusações nem a assistente, nem obviamente o Ministério Público, indicam ou aludem a quaisquer disposições legais referentes ao crime de injúria, tal como o impunha o disposto na al. c), do n.º 3, do art 283° do CPP se acaso por tal crime também pretendessem acusar o arguido.

  6. Assim, inexistindo nos autos acusação (particular) quanto ao apontado crime de injúria não pode o Mmo Juiz a quo condenar o arguido pela prática desse mesmo crime. Tendo-o feito entende o arguido, ora recorrente, que a douta Sentença recorrida conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, sendo nula nos termos do disposto na al. a), do nº 1, do art 379° do CPP, o que se requer seja declarado, com as consequências da lei.

  7. A douta Sentença recorrida condena ainda o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos art°s 153°, nº 1 e 155°, n" 1, al. a), ambos do CP, fundamentando tal decisão no facto de se ter provado nos autos que o arguido proferiu as seguintes expressões: (...) "faço explodir isto tudo, abro a garrafa do gás e isto vai tudo pelos ares" (...), entendendo o Mmo Julgador que ( ... ) "em face de tais palavras dirigidas pelo arguido à ofendida não subsiste qualquer dúvida quanto ao bem jurídico ameaçado: a vida da ofendida e também a sua integridade física" ( ... ) - lê-se na douta Sentença recorrida. Ora, H) Nem se vê que com as sobreditas expressões tenha sido ameaçada a vida da ofendida e/ou a sua integridade física, uma vez que elas se referem ao local onde o arguido se encontrava nesse momento (interior da habitação comum) e não à pessoa da ofendida, I) Nem se vê que tais expressões importem a ameaça de um mal futuro. Na verdade, J) Para que se considere preenchido o tipo objetivo do crime de ameaça é necessário, desde logo, que o mal ameaçado seja futuro e não iminente, pois neste caso estar-se-á perante uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal.

  8. ln casu, as sobreditas expressões que são apontadas ao arguido, apesar de traduzirem a ameaça de um mal, não traduzem a ameaça de um mal futuro e, por isso, não preenchem o tipo objetivo de ilícito previsto nos art°s 153°, nO 1 e 155°, nº 1, aI. a), ambos do C.P.

  9. Assim, por não se verificar preenchido um dos elementos objetivos do tipo de ilícito em questão (ameaça de um mal futuro), impunha-se a absolvição do arguido. Ao não ter assim decidido, entende o recorrente que na douta Sentença recorrida foi efetuada errada interpretação e qualificação jurídica dos factos provados nos autos, violando as citadas disposições da lei.

*O MP junto do Tribunal de 1ª instância respondeu à motivação do recurso, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões (transcrição): 1 – O recorrente invoca ilegitimidade do Ministério Público e inexistência de acusação quanto ao crime de injúria, procedendo a uma interpretação formal e formalista da lei.

2 – Na acusação imputam-se factos ao arguido, e não crimes, e os factos pelos quais o arguido foi condenado na douta sentença recorrida são exatamente os mesmos que se encontram plasmados na acusação do Ministério Público e da assistente.

3 – Por despacho proferido em 13 de Janeiro de 2014, constante de fls. 144 a 151, procedeu-se à alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público. A fase processual relativa à dedução de acusação havia já sido ultrapassada.

4 – Não tendo os factos sido enquadrados, em sede de inquérito, no tipo de ilícito de injúria, mas sim no de violência doméstica, que reveste natureza pública, inexiste qualquer nulidade consubstanciada na omissão da narração dos factos, que é apontada à acusação particular, porquanto foi deduzida acusação pública pelo Ministério Público.

5 – Ainda que assim não se entenda, a assistente deduziu efetivamente acusação contra o arguido, pelos mesmos factos que constam da acusação pública, por remissão, a qual não deixa de consubstanciar uma manifestação de vontade processualmente válida e que deve ser atendida e interpretada no contexto daquela fase processual, em que os factos foram qualificados como integradores de um crime público.

6 – O Ministério Público e o assistente, na fase de inquérito, não podem ficar “reféns” da qualificação jurídica que seja efetuada em ulteriores fases processuais, nem é exigível que se multipliquem os procedimentos tendentes à dedução de várias...

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