Acórdão nº 1480/07.9PCSNT.G1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr1480/07.9PCSNT.G1.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B.......

veio interpor recurso do douto acórdão do 2ºJuízo Criminal de Vila Nova de Famalicão que o condenou, pela prática de cada um de doze crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), do Código Penal, na pena três anos e dois meses de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do mesmo Código, na pena de três anos e dois meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena de oito anos de prisão.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso: «A. A Residencial C....... era uma casa onde se praticava o alterne e a prostituição está sobejamente provado nos autos, porém, a mesma já existia antes do arguido lá ter trabalhado, e continuou a existir depois da sua saída.

  1. O arguido, por lá trabalhar, auferia mensalmente a quantia de € 750, que era depositada na conta bancária constante da acusação e de onde fazia adiantamentos para pagar aos fornecedores do bar.

  2. Deverão ser considerados não provados os factos referidos nas alíneas e), l) e m) do nº 2, 17, 24, 25, alíneas b), d) e g), 39 e 40.

  3. Não se verificam as circunstâncias qualificativas do n.º 2 do art.º 170º do Código Penal, - no caso está apenas em causa o abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência económica ou de trabalho ou outra situação de especial vulnerabilidade - pois a disponibilidade e a decisão das mulheres, para a prática da prostituição, nas concretas condições apuradas, ocorreu em momento anterior a qualquer relação laboral, foi prévia e independente de qualquer actividade do agente tipificada no art.º 170º n.º 2 do Código Penal; E. O n.º 2 do art.º 170º do Código Penal, exige e pressupõe que é a partir dos meios ou atividades aí descritos que o agente fomenta, favorece ou facilita o exercício da prostituição. Assim não se verifica o tipo de ilícito qualificado pois as mulheres não foram levadas ao exercício da prostituição em virtude de relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho.

  4. Não há qualquer processo enganoso, o cenário que lhes foi pintado foi o que elas encontraram. E o mesmo se diga, valendo aqui mutatis mutandis as precedentes considerações.

  5. Vinha o arguido acusado da prática de quatro crimes, designadamente: um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º, nºs 1 e 2 da Lei nº 23/2007; um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.160º, nº 1, als. a) e d) e nº 6 do Código Penal (CP); um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169º, nºs 1 e 2, als. a) e d) do CP; um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1 e 2 do CP.

  6. Um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias (Professor Figueiredo Dias Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 145). Foi assim negado ao arguido um direito essencial (protesta juntar Parecer sobre este assunto até à Audiência) I. A douta sentença afirma que “Durante o julgamento, para os efeitos do art. 358º do Código de Processo Penal (CPP) foi transmitido aos arguidos que … (…) o Tribunal entende que é possível imputar aos arguidos (…) B......., outros crimes dessa natureza nos seguintes termos: Em relação ao B......., a coautoria desses mesmos crimes (10 crimes p. e p. pelo art. 160, nº 1, al. d) do CP)”.

  7. Ou seja, o Tribunal a quo entendeu que ao abrigo do artigo 358º do CPP poderia limitar-se a “adicionar” mais 15 crimes do que o único crime de tráfico de pessoas de que o arguido vinha acusado.

  8. Importa uma alteração substancial dos factos a acusação por um número de crimes substancialmente superior, quando esses factos não decorreram da audiência de julgamento, mas já eram conhecidos antes da douta Acusação. Ora, o Tribunal a quo no presente caso procedeu não ao julgamento por mais um crime, mas de mais 15 (QUINZE) crimes dos quais o arguido não vinha acusado, julgando tal tratar-se de uma alteração não substancial dos factos.

    L. Mas do que verdadeiramente se tratou foi da imputação ao arguido de 15 crimes diversos, numa desproporcional e manifesta violação dos artigos 358º e 359º do CPP, pois os factos que serviram de suporte a este ampliar já constavam dos autos e não decorreram da audiência de julgamento, o que não permitiu ao arguido apresentar contestação ou defesa para os mesmos.

  9. Pelo que no processo em curso, o arguido apenas poderia ser punido por um crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art. 160º CP, devendo os restantes factos ser objecto de novo processo, no qual sejam asseguradas as garantias de defesa do arguido, nos termos do disposto no artigo 32º da Constituição.

  10. Viola por isso, a sentença recorrida o disposto nos artigos 27º e 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os efeitos legais.

  11. Tendo o arguido sido, a final, punido por doze crimes de tráfico de pessoas, é nula a sentença na parte em que lhe imputa onze crimes que não constavam da acusação, devendo tais factos ser julgados, quando muito, noutro processo, mas nunca no processo em curso.

  12. Ora, da sentença não constam quaisquer factos concretizadores desta cláusula de especial vulnerabilidade, nem as alegadas vítimas se incluem em qualquer das situações abrangidas por aquele artigo, nomeadamente: idade, deficiência, doença ou gravidez.

  13. Foi afirmado em audiência por diversas testemunhas, nomeadamente pela testemunha D......., que muitas das alegadas vítimas do crime de tráfico de pessoas já exerciam a actividade de prostituição no Brasil, antes de virem para Portugal.

  14. O mesmo foi afirmado pela testemunha E......., afirmando a sentença que “trabalhava no Brasil em apartamento, como garota de programa”.

  15. As alegadas “vítimas” sabiam e tinham plena consciência de que vinham exercer a mesma actividade para Portugal.

  16. O arguido podia por isso, e quando muito, ser responsável pela prática de um crime de lenocínio, de que vinha acusado, p. e p. pelo artigo 169º do Código Penal.

  17. No presente caso, e tendo em atenção a matéria de facto dada como provada, apenas se poderia equacionar a punição do arguido pela prática de um crime de lenocínio, e não de doze crimes de tráfico de pessoas.

    V. A conta bancária do arguido era utilizada por este para depositar os seus salários, bem como para efectuar pagamentos de contas do estabelecimento onde trabalhava.

  18. Não tinha como objetivo dissimular a origem ilícita de tais fundos ou evitar que o dono do estabelecimento fosse criminalmente perseguido. Não se tendo demonstrado a intenção subjectiva do arguido, não poderia este ter sido punido pelo crime de branqueamento de capitais. Devendo por isso o arguido ser absolvido pela prática deste crime.

    X. O Instituto de Reinserção Social, no relatório que juntou ao processo considerada impensável e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, ao afirmar que o arguido deve, após o processo, “manter enquadramento laboral ou ocupacional regular”.

  19. O próprio Ministério Público, nas suas alegações, nem sequer pediu a aplicação de uma pena efectiva ao arguido, mas apenas de uma pena de prisão suspensa na sua execução. Pelo que deve considerar-se que é manifestamente desproporcional e grosseiramente desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido. Que nem sequer tem, até à data, quaisquer antecedentes criminais, tratando-se por isso de delinquente primário.

  20. Deve a pena aplicada ao arguido ser substituída por uma pena não detentiva da liberdade, atentas as necessidades de prevenção geral e especial no presente caso.

    Só, assim, se fazendo a mais elementar JUSTIÇA NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: Artigos 1º, nº 1, al. f), 358º e 359º do Código de Processo Penal.

    Artigos 160º, 169º e 368º-A do Código Penal Artigos 27º e 32º da Constituição da República Portuguesa.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso em relação às questões suscitadas, com exceção da qualificação jurídica dos factos provados, que considera ser a de doze crimes de lenocínio agravado, p. e p. pelos artigo 169º, nº 1 e 2, d) do Código Penal (não de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º, nº 1, d), como considera o douto acórdão recorrido, mas também não a de lenocínio simples, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do mesmo Código, como considera este recorrente). Partindo desta diferente qualificação jurídica, entende o Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que este arguido deveria ser condenado na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

    O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento deste recurso.

    O arguido F.......

    também veio interpor recurso desse acórdão, que o condenou, pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.

    São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso: «1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, que considerou, quanto ao arguido F......., ora Recorrente, a pronúncia procedente e o condenou na pena de três anos e seis meses de prisão, pela prática, como co-autor, de um crime de branqueamento de capitais, previsto e punido no art. 368ºA, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, suspensa na sua execução por igual prazo, a contar do trânsito da respectiva condenação, com a condição de essa ser sujeita a regime de prova e de cumprir os deveres que resultam do art. 54º, nº 3, do Cód. Penal, e ainda os que resultarem do...

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