Acórdão nº 646/11.1TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acção 646/11.1TBSTS do juiz 3 da 2ª Secção Cível da Póvoa de Varzim ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: B… e mulher intentaram uma acção contra C…, SA, pedindo que se declarasse resolvido, por culpa exclusiva e imputada à ré, o contrato-promessa celebrado entre eles e que se condene a ré a restituir-lhes a quantia recebida a título de sinal, em dobro, ou seja, 260.000€, acrescida de juros de mora desde a citação, até integral pagamento.

A ré contestou, impugnando o essencial da alegação dos autores e dizendo que ela resolveu o contrato devido ao incumprimento do mesmo pelos autores, e por isso concluiu que a acção devida ser julgada improcedente; e reconvencionou que se declarasse que foi legítima a resolução do contrato por parte da ré, por causa imputável aos autores, e que a ré tinha o direito de fazer seus os 130.000€ entregues pelos autores.

Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e procedente a reconvenção, condenando-se ainda os autores em multa como litigantes de má fé.

Os autores recorrem desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue improcedente a reconvenção – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. Aos autores não pode ser imputado um incumprimento definitivo e culposo, pois só este comina o regime previsto no artigo 442/2 do Código Civil. A lei não se basta com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja, da ocorrência da mora de qualquer dos contraentes, muito menos quando o próprio credor não reconhece a mora, como incumprimento definitivo; B) Para além das situações legalmente previstas em que se confere a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe definitiva e culposamente de cumprir a prestação lhe era exigível, o que como se explanou não se verificou – arts 798 e 801/2 do CC; C) A simples mora no cumprimento, não confere ao contraente cumpridor o direito de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento lhe causou – art. 804/1 do CC; D - Para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar o recurso à resolução por parte do credor, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou, dê origem à declaração inequívoca, objectiva e comunicada, do desinteresse na execução do contrato prometido, por parte do credor, comunicação essa que a ré não logrou provar; E) Tendo o comportamento contratual de ambas as partes contribuído para uma situação de impasse na actuação, com vista ao cumprimento de cada uma das obrigações subjacentes à relação contratual estabelecida, verifica-se uma situação de não cumprimento bilateral, pelo que, o contrato prometido deve ser resolvido sim, mas com base nas normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respectivos pressupostos – art. 570 do CC; F) Considerando-se que ambas as partes agiram com culpa e que contribuíram para que o contrato prometido não fosse cumprido, nos termos dos arts 433 e 434 do CC, a não conclusão daquele deverá ter os efeitos da resolução, o que no caso se traduz pela restituição do sinal recebido em singelo.

    A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

    *Questões que importa solucionar: se os autores têm direito à restituição das quantias que entregaram à ré (e isto quer dizer que os autores não estão a pôr em causa a improcedência do seu pedido, mais amplo, de restituição em dobro de tais quantias), o que implica também a questão contrária de saber se a ré não tem direito a fazer suas tais quantias.

    No caso importa dizer ainda o seguinte: as conclusões de um recurso delimitam o objecto do mesmo (: art. 635/4 do CPC: Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso). Ora, não constando das conclusões qualquer impugnação da decisão da matéria de facto esta não é objecto do recurso (apesar de os autores, no corpo das alegações, terem aduzido uma série de críticas a tal decisão, bem como à utilização dos depoimentos de testemunhas da ré). Tal como não é objecto do recurso, pela mesma razão, a condenação dos autores como litigante de má fé.

    *Da junção de um documento Com o recurso, os autores juntaram um documento, mas não invocaram qualquer razão para o fazer neste momento, nem, aliás, qualquer norma legal que lhes permitisse fazê-lo.

    Diz o art. 425/3 do CPC que após o limite temporal previsto no número anterior – isto é, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final - só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. O art. 651/1 do CPC acrescenta ainda o caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

    Ou seja, há pressupostos de facto que têm de ser alegados para que a parte possa apresentar documentos para serem juntos aos autos aquando de um recurso.

    Não os tendo alegado, a permissão legal não pode funcionar e, por isso, o documento em causa não pode ser agora junto.

    Assim, não se admite tal documento - que deve ser desentranhado do processo e devolvido aos autores, o que se determinará a final -, apesar de a ré também ter pretendido fazer uso do mesmo.

    *Para a solução das questões referidas importa ter agora presentes os factos que foram dados como provados, que são os seguintes (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos… o processo é anterior à reforma de 2013 do CPC; manteve-se a ordem que os factos apresentam na sentença, para que da alteração da ordem não se possam retirar consequências que os factos não permitem; a colocação dos factos, por ordem cronológica, depende sempre da certeza do momento em que cada um deles se verificou, certeza que nem sempre existe):

  2. A ré é uma sociedade anónima que se dedica, com fins lucrativos, à actividade da construção civil, construindo prédios urbanos, nomeadamente para submeter ao regime de propriedade horizontal, que destina à venda.

  3. Mediante acordo escrito denominado por contrato-promessa de compra e venda, datado de 30/05/2006, em que figuram como primeira outorgante a ré na qualidade de promitente vendedor e como segundos outorgantes os autores, na qualidade de promitentes compradores, aquela prometeu vender livre de qualquer ónus ou encargos e estes prometeram comprar, um apartamento tipo T3 duplex, nº …, no Bloco ., destinado a habitação, ao nível dos 7º e 8º andares, com garagem fechada para dois automóveis, do prédio de que são proprietários em fase de construção, constituído por garagem, comércio e habitação, sito no gaveto das Ruas … e …, freguesia e concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º 2920/20051116 e inscrito na matriz competente no art. 5503, denominado de D….

  4. Após a constituição da propriedade horizontal, foi a fracção correspondente ao apartamento designada pela letra A do prédio inscrito na matriz no artigo 5640 e a fracção da garagem designada pelas letras BJ do prédio inscrito na matriz no artigo 5471 ambos desta cidade.

  5. O preço acordado da prometida compra e venda foi de 300.000€, ficando a fazer parte do acordo referido em B) a planta respectiva e um mapa anexo onde estavam especificados os acabamentos daquele.

  6. Na data da outorga do acordo escrito referido em B), entregaram os autores à ré, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de 60.000€, que esta recebeu e da mesma deu quitação.

  7. Ainda no âmbito do acordo referido em B) ficou estabelecido que, a título de reforço de sinal, os autores pagariam em Dezembro de 2006 igual quantia de 60.000€, o que efectivamente os autores fizeram e a ré recebeu.

  8. Mais ficou acordado que o remanescente do preço, ou seja, 180.000€, seria pago no acto da escritura pública a titular o acordo celebrado.

  9. Ficou acordado que a outorga da escritura de compra e venda teria lugar, desde que a ré tivesse em seu poder toda a documentação necessária a esse fim, em dia, hora e Cartório Notarial do concelho da Trofa da conveniência da promitente vendedora, que de tal teria de avisar os promitentes compradores com pelo menos oito dias de antecedência.

  10. Após a conclusão da construção, a ré, por diversas vezes, afirmou pretender efectuar a escritura pública, tendo chegado a enviar pelo menos uma carta aos autores nesse sentido.

  11. Em 05/03/2009, a ré escreveu ao autor a carta junta aos autos a fls. 73 e 74, cujo teor no mais aqui se dá por integralmente reproduzido e na...

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