Acórdão nº 197/14.2TTGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução15 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 197/14.2TTGDM.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 454) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em …, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra C…, S.A., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, ….-… – …, Matosinhos, pedindo a condenação desta: a) a reintegrá-lo; b) a pagar-lhe as remunerações vencidas, quantificadas em 11.110,00€ – à razão de 1.010,00€ x 11 meses – computadas desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção; c) a pagar-lhe todas as remunerações que entretanto se vencerem, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, importância a apurar em sede de incidente de liquidação; d) a pagar-lhe os subsídios de alimentação vencidos, quantificados em 1.258,40€ – à razão de 114,40€ x 11 meses – computados desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção; e) a pagar-lhe os proporcionais de subsídios de férias referentes ao ano de 2013, quantificados em 589,16€, computados desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção; f) a pagar-lhe os proporcionais de subsídio de Natal vencidos e quantificados em 589,16€, referente ao ano de 2013, computado desde a data da denúncia do contrato de trabalho até à instauração da presente acção; g) a pagar-lhe o subsídio de Natal de 2014, no valor de 1.010,00€; h) a pagar-lhe as férias a 01 de Janeiro de 2014, no valor de 1.010,00€; tudo deduzido da importância de 2.164,28€ correspondente ao valor entretanto pago pela ré ao autor a título de créditos salariais pela denúncia do contrato de trabalho.

Alegou, em síntese, que foi contratado pela Ré em 01/02/1999 para prestar trabalho de coordenador de armazém, mediante retribuição mensal de 1.010,00€. No dia 13/05/2013, o administrador da ré acusou-o de ser o autor de “roubo” de material da Ré, dizendo-lhe que ou assinava uma declaração de denúncia do contrato de trabalho, ou seria instaurado um processo disciplinar e apresentada uma queixa crime contra si. Porém, tudo não passou de um mal entendido devido à forma como fazia o seu trabalho a pedido de um outro colega, tendo este (primo do administrador da Ré) dito para que o Autor ficasse descansado, pois iria esclarecer toda a situação. Uma vez que a situação nunca foi devidamente esclarecida, e porque estava a ser pressionado pela Ré e com receio do que pudessem inventar contra si, acabou por assinar a denúncia do contrato de trabalho.

Contudo, decorrido algum tempo foi consultar um Advogado e em 21/06/2012 remeteu uma carta à Ré dando sem efeito aquela denúncia, por ter sido feita num quadro de pressão, coação e ameaça, o que a Ré não aceitou. Entende que a denúncia por si assinada não é válida e que toda a situação foi isso sim um despedimento perpetrado pela ré, sem qualquer justa causa ou procedimento disciplinar.

Regularmente notificada para o efeito, a Ré contestou, negando qualquer coação ou pressão exercida sobre o Autor aquando da denúncia do contrato de trabalho. O Autor sabia o que estava a assinar e teve todo o tempo para reflectir na sua conduta. Além disso, a declaração de revogação da denúncia foi enviada muito depois de decorrido o prazo previsto no art.º 402.º do Código do Trabalho, pelo que nunca seria válida. Conclui pedindo a sua absolvição do pedido.

O autor não apresentou resposta.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, também dispensada a selecção da matéria de facto, e tendo sido fixado o valor da acção em 13.402,44€.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação, e seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré, condenando o Autor nas custas da acção.

Inconformado, interpôs o Autor o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões, cuja numeração respeitamos: 48.º O Recorrente encontrava-se vinculado por contrato de trabalho sem termo com a Recorrida há mais de catorze anos.

  1. O Recorrente desempenhava na Recorrida a função de coordenador de armazém e era considerado um trabalhador confiável e cumpridor das suas funções.

  2. O Recorrente denunciou o seu contrato de trabalho num enquadramento de pressão, coacção moral e medo.

  3. Enquadramento esse que resultou provado pelo depoimento da testemunha do Autor D… e, pelas próprias declarações de parte do Recorrente e, que não foram considerados condignamente pelo Tribunal a quo.

    Com efeito, 52.º O Recorrente no dia 13 de Maio de 2015 foi barrado pelo Senhor E…, seu superior hierárquico, que o impediu de entrar na empresa, tendo conversado com o Recorrente no interior da viatura em que aquele se deslocava, o seguinte: a) Acusou o Recorrente de roubar a Recorrida e, como tal, apenas teria duas hipóteses, ou denunciava o seu contrato de trabalho, ou seria-lhe instaurado um procedimento disciplinar e um processo-crime; b) Não apresentou qualquer prova desse facto, não obstante, referir que possuía provas nesse sentido; c) O Recorrente desconhecendo o teor das acusações, julgou que as mesmas podiam ter origem num pedido que o Senhor F… – trabalhador da Recorrida e primo do Senhor E… – lhe fizera, que consistia em remeter para o Cliente G… determinados materiais que não constavam da lista de encomenda; d) O Senhor E… não acreditou na referência feita ao primo; e) O Senhor E… perante as acusações proferidas ordenou que o Recorrente regressasse a casa, que não voltasse à empresa, que lhe entregasse as chaves do armazém e a viatura.

  4. Perante, tal factualidade e totalmente atónito com o que se estaria a passar, o Recorrente tentou contactar por diversas vezes com o Senhor F… no sentido deste o ajudar e explicar toda a situação à Recorrida, ou seja, que não tinha praticado qualquer irregularidade e apenas tinha cumprido o que aquele lhe pedira.

  5. Numa primeira face o Senhor F… apresentou-se tranquilo e prestável, assegurando que tudo se iria resolver, todavia, nunca chegou a confirmar a verdadeira história à Recorrida, designadamente, à pessoa do Senhor E…, nem pessoalmente, nem através de qualquer carta conforme aceitara fazer.

  6. O Senhor E… tendo tomado conhecimento das conversações entre o Recorrente e o seu primo (Senhor F…) ameaçou o Recorrente, proibindo-o de falar com aquele e persistindo nas ameaças de instauração de acções e procedimento disciplinar, caso o Recorrente não denunciasse o seu contrato de trabalho.

  7. Situação aquela, que deixou o ora Recorrente em pânico, sem saber como reagir e, com medo de ficar sem emprego e, em consequência com receio de não conseguir prover a subsistência do seu agregado familiar.

  8. Dúvidas não há que Recorrida recorreu à coacção moral para obter a denúncia do contrato de trabalho do Recorrente.

  9. A Recorrida pretendeu com o seu comportamento perturbar, destabilizar e intimidar, hostilizar o Recorrente, levando o mesmo a temer pela manutenção do seu posto de trabalho, porquanto encontrava-se a defender a verdade sozinho.

  10. Com efeito, a Recorrida pretendeu que o Recorrente se despedisse sem que tivesse que suportar o pagamento de qualquer indemnização.

  11. E como tal, as ameaças da Recorrida em instaurar procedimento disciplinar e apresentar queixa-crime contra o Recorrente, consubstanciaram os meios que aquela sabia muito bem que atentos na pessoa do Recorrente, seriam ameaças e intimidações para que este denunciasse o seu contrato de trabalho.

  12. E foi nesse enquadramento de medo e de pressão que o Recorrente denunciou o seu contrato de trabalho. Ora, 62.º A denúncia do contrato de trabalho constitui uma declaração negocial receptícia, sujeita, nomeadamente, ao regime geral dos vícios da vontade.

  13. Acontece que a vontade do trabalhador em fazer cessar o contrato de trabalho deve ser uma vontade séria, inequívoca e bem formada.

  14. Compreendendo-se que não valham como denúncia comportamentos e declarações do trabalhador que sejam ambíguos, tomados no calor de uma discussão, num estado de incapacidade acidental ou quando o trabalhador foi vítima de um erro ou agiu sob coacção.

  15. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração (art. 255º, nº 1, do Código Civil).

  16. São requisitos para que se verifique a coacção: a ameaça deve ser a causa determinante do ato, deve ser grave, injusta, actual ou iminente, que traga justo receio de grave prejuízo e que o prejuízo recaia sobre a pessoa, seus bens, a pessoa de sua família ou aos bens desta.

  17. Mas, o vício do negócio, no caso da coacção moral não é propriamente a coacção, mas antes o medo.

  18. A decisão negocial que é determinada ou extorquida por medo está viciada por falta de liberdade suficiente.

  19. O Recorrente agiu condicionado por medo, pelo receio das consequências não queria ter aquele tipo de conduta e, senão fosse o receio do que contra si viesse a surgir não teria denunciado o contrato de trabalho em momento algum.

  20. Como consequência, a vontade do Recorrente estava viciada, porque ele não agiu livremente, mas dominado pelo medo das consequências de uma conduta que não praticou mas que não conseguiria demonstrar por falta de provas e de testemunhas, tendo tão só e unicamente a sua palavra.

  21. Reformulando, do Tribunal a quo ao não considerar como provada a pressão que o Recorrente sentiu para denunciar o seu contrato de trabalho configurou uma incorrecta a factualidade exposta.

  22. Pois que, resultou inequivocamente dos depoimentos prestados em sede de julgamento, que o Recorrente, denunciou o contrato de trabalho num quadro de coacção moral praticado pela Recorrida que dessa forma violou do estatuído no artigo 29.º do Código do Trabalho 73.º Pelo exposto, o tribunal a quo...

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