Acórdão nº 1643/15.3T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução19 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1643/15.3T8PRT.P1 Sumário do acórdão: I. O dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art.º 205/1 da CRP e no artigo 154.º do CPC, para além de legitimar a decisão judicial, constitui garantia do direito ao recurso, na medida em que só é viável uma eficaz impugnação da decisão se o destinatário tiver acesso aos seus fundamentos de facto e de direito.

  1. Tal dever cumpre-se sempre que a fundamentação da decisão judicial, apesar de algum eventual défice, permite ao destinatário a percepção das razões de facto e de direito, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» que a justifica.

  2. O art.º 64.º do CPC estabelece o princípio da competência material residual dos tribunais judiciais no confronto com as restantes ordens de tribunais constitucionalmente consagradas, a qual se determina atendendo, exclusivamente, ao pedido e à causa de pedir tal como o autor os configurou na petição.

  3. Invocando a autora um contrato escrito que as partes denominaram como “prestação de serviços”, no qual estipularam que a ré não poderia negociar por conta própria ou alheia a prestação de serviços objecto do contrato com quaisquer clientes da autora, sob pena de incorrer na obrigação de indemnizar em montante definido como “cláusula penal”, alegando o autor a violação contratual da ré e peticionando a sua condenação no pagamento da quantia correspondente à referida cláusula penal, o tribunal comum revela-se materialmente competente para dirimir a relação material controvertida.

  4. A conclusão enunciada no ponto anterior não obsta à possibilidade de o tribunal vir a concluir que a relação material estabelecida entre as partes consubstancia um contrato de trabalho, conclusão essa que já não poderá influir no juízo de competência, mas apenas no juízo de mérito, e que levará à absolvição do pedido.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B…, S.A., intentou em 22.01.2015 na Instância Local, Secção Cível (J9) da Comarca da Porto, ação declarativa de condenação contra C…, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.500,00, a título de ‘cláusula penal’ do contrato por esta alegadamente violado, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a interposição até integral pagamento.

    Alegou em síntese a autora: é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de cuidados individualizados e personalizados de saúde, incluindo enfermagem, sanitários e outros com estes conexos, no domicílio, a indivíduos e famílias, bem como a comercialização de materiais e produtos relacionados com os serviços prestados; em 30 de Abril de 2013 celebrou com a ré um contrato de prestação de serviços pelo qual esta se obrigou a prestar aos clientes daquela serviços de auxiliar de saúde; nos termos da cláusula 4.2 do referido contrato, durante a sua vigência a ré não poderia negociar por conta própria ou alheia ou mediante qualquer outra forma de intermediação, direta ou indireta, a prestação dos serviços objecto do contrato, com quaisquer clientes da autora; e nos termos da cláusula 5.2, “sem prejuízo de quaisquer outros direitos que sejam conferidos à Primeira Outorgante pela lei, ou pelo presente contrato (designadamente na cláusula anterior), o incumprimento pela Segunda Outorgante do disposto na cláusula 4.2 supra constitui esta na obrigação de indemnizar a Primeira Outorgante em virtude do mencionado incumprimento, a qual incluirá o montante que, a titulo de cláusula penal, desde já se fixa em € 7.500.00 (sete mil e quinhentos euros)”; a autora tinha como cliente a Senhora D. D…, desde há vários anos, pelo menos desde Julho de 2012, no que diz respeito à prestação de cuidados de higiene diária; a autora prestava os serviços especificados no artigo anterior, à cliente D… no seguinte horário: de 2ª a 6ª das 18h00 às 9h00, sábados e Domingos 24h sobre 24h e feriados das 14h00 às 9h00; no dia 26 de agosto do corrente ano, a ré pediu à diretora técnica, enfermeira E…, para se afastar da empresa porque se sentia muito cansada e precisava de tempo para ela; no dia 27 de Agosto de 2014, o senhor enfermeiro F…, colaborador da autora ligou para a filha da cliente (Sra. D. G…), para tentar saber o que se passava relativamente aos serviços prestados pela autora, e se era necessário algum planeamento, tendo aquela referido que a ré iria a título particular prestar os cuidados à mãe no período de férias da mesma na H…, onde ainda se encontravam; mais tarde, a ré em conversas com a administradora da autora Dra. I…, e com a senhora enfermeira E…, referiu ter tido consciência das consequências do seu ato, não obstante ter referido desde logo que não tinha dinheiro nem bens penhoráveis para fazer face à indemnização contratual; com a sua atitude, a ré incorreu na previsão do disposto na cláusula 5.2 do contrato celebrado com a autora, acima transcrita, pelo que se constituiu devedora, perante esta, da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), de que esta não prescinde; a autora escreveu à ré a resolver o contrato de prestação de serviços e a reclamar o pagamento dos € 7.500,00 devidos; a ré acatou a resolução, mas até hoje nada pagou.

    A ré veio contestar, invocando a exceção dilatória de incompetência do tribunal em função da matéria, com a alegação que se sintetiza: o que vigorou entre as partes desde agosto de 2011 foi um verdadeiro contrato de trabalho subordinado; desde então, a ré exerceu...

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