Acórdão nº 588/13.6TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 588/13.6TVPRT.P1 [Comarca do Porto / Inst. Central / Porto / Sec. Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, LDA., sociedade comercial com sede na Rua …, no Porto, presentemente com a denominação C…, S.A.

, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção judicial contra D…, com sede em …, Londres, Reino Unido, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €7.318.759,30 (sete milhões trezentos e dezoito mil setecentos e cinquenta e nove euros e trinta cêntimos) a título de indemnização de clientela e indemnização por danos emergentes e lucros cessantes.

Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de concessão comercial para comercialização do software produzido pela ré (D… anti-vírus, anti-spam e internet security) em Portugal, em regime de exclusividade, o qual perdurou durante cerca de 10 anos, sendo que a ré incumpriu de forma ilícita e culposa o referido contrato, gerando à autora os danos cuja indemnização esta pretende obter pela presente acção.

A acção foi contestada pela ré que refutou os factos alegados pela autora e entre a alegação de várias excepções, concluiu pela improcedência total do pedido.

Excepcionando, começou a ré por arguir a excepção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses com fundamento no acordo das partes, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, em atribuir aos Tribunais do Reino Unido a competência internacional exclusiva para resolver o litígio da presente lide, conforme cláusula 16.8 do contrato, segundo a qual “este Acordo reger-se-á e será interpretado de acordo com a Lei Inglesa e as Partes submeter-se-ão à exclusiva jurisdição dos Tribunais Ingleses”. Mais sustentou a ré que a referida cláusula é conforme ao direito comunitário e nacional e, por isso, válida e eficaz para as partes.

A autora respondeu que a referida cláusula do contrato é nula por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais contido no Decreto-Lei nº 445/86, de 25 de Outubro, pois não foi objecto de qualquer negociação entre as partes, não lhe foi comunicada atempadamente de forma adequada e efectiva, foi elaborada previamente pela ré que a impôs à autora sem lhe dar a oportunidade ou a possibilidade de influenciar o seu conteúdo, e envolve graves inconvenientes para a autora, sem que os interesses legítimos da ré justifiquem a escolha feita. Em consequência da nulidade dessa cláusula os tribunais portugueses são os competentes nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

Por outro lado, acrescentou, na 4ª Vara Cível deste Tribunal corre termos sob o nº 74910/12.6YIPRT, uma acção intentada pela aqui ré contra a aqui autora na qual aquela pede a condenação desta no pagamento de montantes que alegadamente seriam devidos em resultado da relação contratual celebrada entre as partes que constitui a causa de pedir da presente acção. Ao instaurar essa acção, a aqui ré renunciou à aludida cláusula, tendo mesmo defendido a competência dos tribunais portugueses quando o tribunal suscitou a questão do relevo da referida cláusula do contrato. A autora, por seu lado, aceitou tal derrogação por parte da ré ao previsto no contrato pois entendia que a cláusula é nula e que o foro português era o mais adequado para discutir quaisquer temas relacionados com o contrato. Esta posição de ambos os contraentes representa uma verdadeira revogação da cláusula e uma expressa substituição da mesma por novo acordo das partes quanto aos tribunais competentes. A não se entender assim então terá que se considerar que a posição da aqui ré de numa acção defender um regime e na outra outro regime quanto à competência internacional constitui um abuso de direito sob a veste de venire contra factum proprium.

Findos os articulados, conheceu-se desta excepção e decidiu-se julgar verificada a excepção de incompetência relativa do tribunal por violação de pacto privativo de jurisdição, absolvendo-se a ré da instância.

Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1ª Vem o presente recurso interposto do Despacho Saneador-Sentença com a ref. 347199709 CITIUS, que julgou verificada a excepção de incompetência relativa do Tribunal por violação de pacto privativo de jurisdição e, em consequência, absolveu a Ré da instância.

  1. Salvo o devido respeito, que muito é, não pode a Autora conformar-se com tal decisão, que fez errada aplicação do disposto nos artigos 7º, nº 6, 8º, nº 4 e 13º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 5°, nº 1, al. a), 23º, nº 1, 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001, dos artigos 1º, 3º e 6º da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, dos artigos 5º, 8º, al. a) e 19º, al. g) do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro e do artigo 334º do Código Civil.

  2. Os presentes autos têm por objecto o incumprimento, imputado pela Autora à Ré, de um contrato de concessão comercial, ao abrigo do qual a Autora promoveu, durante dez anos e em regime de exclusividade, a comercialização em Portugal de produtos de software produzidos pela Ré, tendo elevado os mesmos de um total desconhecimento do público português à liderança no mercado nacional.

  3. Com a cessação, ilícita e culposa, da relação contratual que vigorava entre as partes, constituiu-se a Ré devedora à Autora de uma indemnização de clientela e de uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, no valor global de € 7.318.759,30 (sete milhões trezentos e dezoito mil setecentos e cinquenta e nove euros e trinta cêntimos), a que acrescem os juros vincendos até integral pagamento, montante esse que a Autora, pela presente acção, pretende ver-lhe reconhecido e ressarcido.

  4. Não chegou o Tribunal a quo a apreciar o mérito da pretensão da Autora, entendendo na decisão recorrida que a cláusula 16.8 do Contrato celebrado entre as partes a 1 de Janeiro de 201015, de acordo com a qual o contrato em causa se regeria e seria interpretado de acordo com a Lei inglesa e as partes se submeteriam à exclusiva jurisdição dos Tribunais Ingleses, configurava um pacto válido no sentido da competência exclusiva do foro anglo-saxónico, em prejuízo da competência dos Tribunais Portugueses.

  5. Tal cláusula – que consta, efectivamente, da redacção do contrato em apreço – é nula e, como tal, de nenhum efeito.

  6. Na sua Petição Inicial – mais concretamente, nos artigos 79º a 87º daquela peça processual –, relatou a Autora as circunstâncias em que foi firmado entre as partes o Contrato de 1 de Janeiro 2010, que substituiu o contrato que anteriormente vigorava, de 1 de Novembro de 2006.

  7. Este último contrato havia estabelecido condições mais favoráveis para a primeira do que as que decorriam do contrato inicial celebrado entre as partes no ano de 2003, designadamente subindo a margem prevista de 45% para 50%, dos quais, durante o primeiro ano de vigência do contrato, 2% a título de comparticipação nas despesas da Autora com um técnico de suporte informático.

  8. Apesar de tal aparente vantagem formalmente concedida, a Ré logo no início de 2007 deu início a um conjunto de actuações, que se detalham nos artigos 57º e seguintes da Petição Inicial, que visaram realizar um verdadeiro bypass à actividade da Autora, designadamente junto dos sub-distribuidores por esta contratados, a quem a Ré ofereceu margens superiores às que a Autora podia, por força do teor do Contrato vigente, oferecer.

  9. Tal degradação efectiva das condições contratuais da Autora veio a concretizar-se também formalmente no contrato de 1 de Janeiro de 2010, no qual a Ré forçou a Autora a aceitar a redução da sua margem de desconto na aquisição dos produtos para os 45%, assim reconduzindo os valores auferidos pela Autora aos praticados no contrato de distribuição celebrado em 2003, em que o volume de vendas atingido era de € 4.000,00 (quatro mil euros), 11ª Quando, no ano de 2009, imediatamente anterior à celebração desse contrato de 1 de Janeiro de 2010, o volume de vendas obtido pela Autora havia sido de €2.385.052,20 (dois milhões trezentos e oitenta e cinco mil e cinquenta e dois euros e vinte cêntimos), dos quais cerca de €1.804.255,53 (um milhão oitocentos e quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) entregues à Ré a título de pagamento do preço devido.

  10. A Autora foi obrigada a aceitar este novo e agravado contrato de distribuição sob a ameaça da imediata cessação da relação comercial que vigorava entre as partes, à qual a Autora tinha subordinado toda a sua estrutura operativa e os seus investimentos nos sete anos anteriores, com todos os prejuízos inerentes a esse abandono, e os necessários custos da súbita desafectação dos recursos da Autora desse negócio que havia criado de raiz para a Ré no nosso país.

  11. Não foi dada à Autora qualquer possibilidade de negociar o teor das várias cláusulas que nele foram apostas por parte da Ré, que se limitou a impô-las em bloco.

  12. O Legal Representante da Autora, Senhor Eng.º E…, não só não interveio na formação e elaboração do contrato, como não pôde discutir ou comentar qualquer das suas cláusulas, designadamente a Cláusula 16.8 aqui em apreço, que prevê o referido pacto privativo de jurisdição.

  13. Pacto esse que, aliás, e como resulta evidente, servia unicamente os interesses da Ré, em prejuízo manifesto dos da Autora, afastando a competência dos Tribunais portugueses quando toda a relação de distribuição se processava em território nacional, onde (i) os produtos eram previamente comprados pela Autora e (ii) aí eram efectivamente vendidos, (iii) tendo o pagamento dos respectivos impostos vindo a ser feito em Portugal.

  14. Atento tal contexto negocial (rectius, ausência de qualquer negociação), entendeu a Autora, como entende ainda, que tal pacto de aforamento é nulo, em face do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, consagrado no Decreto-Lei nº 445/86...

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