Acórdão nº 1241/12.3GAVNF.G1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1241/12.3GAVNF.G1.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da douta sentença do extinto 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão que o condenou, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de cinco euros; pela prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1, e 155º, nº 1, a), do mesmo Código, na pena de oitenta dias de multa, à mesma taxa diária; em cúmulo, na pena de cento e cinquenta dias de multa, também à mesma taxa diária; assim como no pagamento à demandante C… da quantia de quatrocentos euros a título de indemnização de danos não patrimoniais.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões: «1.

Em 29 de Junho de 2013, caducou o direito de queixa da Ofendida/Demandante Civil relativamente a quaisquer outros factos que pudessem resultar na prática de um crime de ofensa à integridade física por parte do Arguido e que não constem do auto de denúncia a fls. 2 dos autos.

  1. Pelo que, ao ter “apreciado” e se pronunciado acerca dos factos constantes do n.º 8 do elenco da matéria de facto dada como Provada, violou o Tribunal “a quo”: a) A limitação inerente ao Princípio da Oficialidade do Processo Penal, na medida em que, a quem compete a iniciativa, ou o impulso processual, em caso de Crime Semi-Público, e por isso dependente de queixa, é somente à Ofendida; b) O Princípio do Acusatório, que assegura o carácter isento, objectivo, independente e imparcial da decisão judicial, retirando ao Juiz o poder de investigar e acusar, atribuindo-lhe apenas os poderes de apreciar os factos constantes do libelo acusatório, o qual define o objecto do processo; c) O Princípio do Contraditório, na medida em que ninguém poderá ser condenado sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de se defender.

  2. E assim, a pronúncia do Tribunal “a quo” acerca dos factos constantes de n.º 8 do elenco da matéria de facto dada como “Provada”, fere de nulidade a sentença proferida, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 alínea c) do Cód. Processo Penal, nulidade esta que deve ser conhecida e declarada, com todas as devidas e legais consequências.

    Caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, 4.

    O Tribunal “a quo”, ao incluir os factos constantes de n.º 8 do elenco da matéria de facto dada como provada, operou uma alteração dos factos constantes da acusação pública sem aplicar o disposto nos artigos 358.º e 359.º do Cód. Processo Penal, em clara violação dos Princípios Constitucionais do Direito de Defesa e do Contraditório previstos nos nºs 1 e 5 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.

  3. Assim, uma vez que o Tribunal “a quo” condenou o Arguido/Recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, padece a sentença proferida do vício de nulidade, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 alínea b) do Cód. Processo Penal, a qual deve ser conhecida e declarada, com todas as devidas e legais consequências.

    Por outro lado, 6.

    Escutados os depoimentos das testemunhas inquiridas ao longo da audiência de julgamento, gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, os mesmos não são de molde, criticamente analisados e confrontadas com as regras da experiência comum – regras essas que sempre se impõem ao julgador - a permitir o sentido dado pelo Tribunal “a quo” relativamente à decisão tomada quanto à matéria de facto.

  4. A produção de prova testemunhal pressupõe a obediência às regras e procedimentos constantes da lei processual que, se não forem aplicados, colocam em causa o resultado que ficará sujeito à livre apreciação do Tribunal.

  5. A prova testemunhal produzida no que concerne ao n.º 2 do elenco da matéria de facto dada como provada foi obtida através da utilização de métodos enganosos, os quais consistiram em sugerir às testemunhas o teor da expressão imputada ao Arguido, ou fazer-se crer às mesmas que tal expressão havia sido por si testemunhada, obtendo assim o seu assentimento para factos que as mesmas não declaram, desconheciam e até negaram.

  6. Deste modo, padece essa mesma prova testemunhal do vício de nulidade, nos termos do disposto nos arts. 125.º e 126.º n.º 1 e 2 alínea a) do Cod. Proc. Penal, nenhum efeito podendo decorrer da mesma para a sentença a proferir nos presentes autos, o qual deve ser conhecido e declarado pelo Tribunal “ad quem”.

    No entanto, caso assim não se entenda, 10.

    A conclusão resultante da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” no sentido de condenar o Arguido pelo crime de ameaça de que vem acusado, foi absolutamente contrária às premissas obtidas da prova testemunhal produzida.

  7. Atenta a forma como foi produzida a prova testemunhal, e o modo, mais do que sugestivo, como as questões foram colocadas às respectivas testemunhas, indicando-lhes e lendo-lhes a expressão que deveria ser comprovada pelas mesmas, não poderia nunca o Tribunal “a quo” dar como provado que o Arguido proferiu a expressão consta da acusação pública: “Vou-te pôr no cemitério à beira do teu homem”, até porque, nenhuma das testemunhas fez referência à expressão contida no n.º 2 do elenco da matéria de facto dada como provada, ou até confirmou que a mesma havia sido proferida.

  8. A Ofendida/Demandante Civil, conforme resulta das declarações por si prestadas e supra transcritas, atenta a ordem cronológica das mesmas: a) Em primeiro lugar afirma repetidamente que a expressão utilizada pelo Arguido foi “(…) ainda te hei-de fazer pior (…)”; b) Em segundo lugar, após a MMª Juíza ter sugerido que a expressão utilizada pelo Arguido poderia estar relacionada com o cemitério, a Ofendida responde “(…) Não, não, não, não, não (…) e que o Arguido “(…) nessa hora não falou nada do cemitério (…)”.

    1. Em terceiro lugar, após a frase constante de n.º 2 do elenco da matéria de facto dada como provada ter sido expressamente lida pela MMª Juíza do Tribunal “a quo” à Ofendida a mesma refere não se recordar ter ouvido a mesma.

    2. Em quarto lugar, após ter sido lido o conteúdo da denuncia apresentada pela Ofendia/Demandante Civil a fls. 2 dos autos, quando a MMª Juíza lhe pergunta se rectifica o depoimento “com o que está aqui dito”, e “quando disse isto no próprio dia”, resulta das declarações supra transcritas que a Ofendida/Demandante Civil, ao afirmar “Rectifico”, está apenas a confirmar que efectivamente apelidou o Arguido de “seu filho da puta” e que lhe deu “dois estalos na cara e um pontapé”, e não está a afirmar, ou simplesmente a confirmar que a frase proferida pelo Arguido foi “Vou-te pôr no cemitério à beira do teu homem”.

    3. Em quinto lugar, a Ofendida volta mais tarde a referir que a expressão repetidamente usada pelo Arguido foi “ainda te hei-de fazer pior”, confirmando o que supra se invocou na alínea d).

  9. Deste modo, resulta manifesto que, a expressão constante do n.º 2 do elenco da matéria de facto dada como provada, não resultou da prova testemunhal produzida, conforme supra se transcreveu e comprovou, e por isso, muito mal esteve o Tribunal “a quo” ao julgar provado algo que não foi declarado ou proferido por nenhuma testemunha, nem sequer para efeito de confirmação ou eventual rectificação de qualquer depoimento.

  10. Por sua vez, a testemunha de acusação e irmão da Ofendida/Demandante Civil, D…, no âmbito do seu depoimento, conforme supra transcrito: a) Afirma sempre que o Arguido utilizou a expressão “ainda te hei-de fazer pior”; b) E, apesar de não ter sido feita nenhuma menção ao falecido cunhado desta testemunha, no âmbito da inquirição da mesma, e de apenas resultar do depoimento pela mesma prestado em sede de inquérito que esta testemunha apenas ouviu a expressão “ainda te hei-de fazer pior”...

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