Acórdão nº 950/11.9PIVNG.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 950/11.9PIVNG.P2 Gondomar Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto - 2ª secção criminal – Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

I. RELATÓRIO No processo comum singular nº 950/11.9PIVNG, da instância local de Gondomar, secção criminal, juiz 2, da comarca do Porto, foi submetido a julgamento o arguido B…, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 5 de fevereiro de 2015 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:

  1. Condenar o arguido B…A como autor material de um crime de ameaça, previsto e punível pelo art. 153.º, n.º 1, do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão, pena de prisão suspensa pelo período de 1 (um) ano; b) Subordinar o período de suspensão a regime de prova e aos seguintes deveres e obrigações: pagamento, durante o período da suspensão, à assistente da quantia fixada na alínea d) deste dispositivo; obrigação de não contactar a assistente, por qualquer forma; c) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC; d) Condenar o demandado B… a pagar à demandante C… a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), quantia acrescida juros de mora a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4%; e) Não condenar em custas na parte cível por dela estarem isentos – art. 4.º, n.º 1, n), do RCP.

    *Após trânsito, envie boletim à DSIC e solicite a elaboração de plano à DGRS.

    *Após trânsito, abra vista para eventual cúmulo com a pena aplicada no processo n.º 949/10.2SLPRT, que correu termos na 4.ª vara criminal do Porto.

    *Deposite a presente sentença na secretaria deste tribunal – art. 372.º, n.º 5, do CPP.”*Inconformado, o arguido recorreu, apresentando a competente motivação, da qual extrai as seguintes conclusões: A. “O Recorrente deve ser absolvido do crime de ameaça por que foi condenado e julgado improcedente o pedido de indemnização civil.

    B.

    Os factos b) a k) e t) a v) devem ser julgados como não provados, o que resulta da reapreciação da prova produzida em audiência.

    1. A sentença recorrida reflete na fundamentação apenas uma parte da prova que foi produzida em audiência.

    2. Os factos acusados e consubstanciadores do crime de ameaça são situados imediatamente em frente da Esquadra da PSP de ….

    3. Tal ocorrência foi presenciada pelo Agente da PSP D…, que elaborou auto da ocorrência, que consta de fls. 4 do inquérito nº 1417/11.0PEGDM apenso a estes autos. Agente que ouvido em audiência de discussão e julgamento confirmou o teor do auto e que o que do mesmo consta corresponde ao que observou (cfr. acta da audiência de 12-01-2015, depoimento gravado com início pelas 16:52:52 e fim pelas 17:07:42).

    4. Relativamente a este auto da PSP, a Sentença recorrida não lhe dedica sequer uma linha.

    5. Nesse auto não são descritas quaisquer ações ou palavras observadas pelo senhor Agente, por parte do Recorrente, dirigidos à Ofendida.

    6. Os depoimentos das testemunhas E… (cfr. acta da audiência de 12-01-2015, depoimento gravado com início pelas 16:26:02 e fim pelas 16:42:07), F… (cfr. acta da audiência de 12-01-2015, depoimento gravado com início pelas 16:01:41 e fim pelas 16:26:00) e C… (cfr. acta da audiência de 12-01-2015, depoimento gravado com início pelas 15:20:30 e fim pelas 16:01:38) foram definidos na sentença como sendo credíveis e sinceros, mas na realidade não se mostram credíveis e foram contraditórios entre si e com o restante da prova produzida.

      I. A secretária da testemunha F…, E… afirma ter tido um papel meramente apaziguador da ocorrência e o auto da PSP refere que se envolveu em insultos e agarrões com o Recorrente; J. A prima da ofendida, F…, afirma que o Recorrente ainda dirigia palavras à ofendida, barafustava, gesticulava, sem auto-controlo quando regressou ao local com o agente da PSP vinda da esquadra dizendo que este “logo desceu as escadas”. Por sua vez, o mesmo agente da PSP não refere quaisquer ações concretas, palavras ou ameaças do Recorrente dirigidas à ofendida; K. A testemunha e ofendida C… depôs pormenorizadamente sobre as ações do Recorrente e da testemunha E… afirmando que esta não se envolveu em contactos físicos com o Recorrente (disse que esta estava do lado oposto do carro). Mais, nem sequer referiu que teve de se baixar no carro com a cabeça entre as pernas, ao contrário do que afirmaram as restantes testemunhas, o que contraria a fundamentação vertida na sentença de que este gesto serve como pedra de toque para demonstrar que a ofendida fora ameaçada.

      L. Tal como a prima F…, a ofendida C… afirmou que quando chegou o agente da PSP, o Recorrente, exaltado, gesticulava, e afirmava que tinha de falar com a ofendida. O agente da PSP não refere ações, palavras ou ameaças do Recorrente dirigidas à ofendida.

    7. Em decorrência, não é verdade que o Recorrente houvesse desistido dos seus propósitos face à ofendida aquando da chegada da Polícia, como referem os factos provados, quando o próprio agente não relatou ter observado esses intentos.

    8. A sentença recorrida afirma a existência de discrepâncias entre os depoimentos mas justifica-os pelo passar do tempo e que as mesmas não assumem carácter desvalioso. No entanto, a sentença recorrida não as descreve ou analisa para que se perceba o itinerário crítico que permite ao Tribunal chegar a tal conclusão. Nem sequer descreve ou analisa as concretas ações e palavras que as testemunhas atribuem ao Recorrente.

    9. Sendo estes depoimentos contraditórios impõem, para além da não prova directa dos factos h) a k), a não prova dos factos e) a g), e as afirmações neles contidas de “atitude persecutória” do Recorrente, perseguição automóvel deste e receio de que o Recorrente agredisse a ofendida.

    10. A testemunha G…, funcionário bancário na dependência de …, estando presente nos factos dados como provados b) a d) não afirmou que o Recorrente houvesse proferido quaisquer ameaças dirigidas à Ofendida. Confirmou que o Recorrente se deslocou aquela dependência tendo este realizado um depósito bancário – situação que foi confirmada pela própria Ofendida. Teve a percepção que o Recorrente também procurou falar com a Ofendida sobre assuntos não relacionados com o banco, afirmou que o Recorrente saiu daquela dependência pacificamente após ter lhe ter sido comunicado que assuntos particulares não poderiam ser falados dentro do banco.

    11. Por isso os factos provados b) a e) devem ser julgados como não provados quando deles se retira que o Recorrente se deslocou aquele banco apenas para tratar de assuntos particulares e que insistiu de forma anómala às regras da urbanidade, no contacto com a Ofendida, a qual se conclui da narração dada a esses factos provados.

    12. Em decorrência de tudo o exposto, quanto à impugnação da matéria de facto e à não existência de prova dos factos b) a k) quanto ao crime de ameaça, os factos t) a v) relativos a danos morais resultantes do crime de ameaça devem causalmente ser julgados não provados e o P.I.C. julgado improcedente.

    13. Nestes autos, o Recorrente foi inicialmente acusado por mais um crime de violência doméstica face à ofendida (crime pelo qual já havia sido julgado e condenado no Proc. 949/10.2SLPRT (4ª Vara Criminal do Porto) em 2 anos e seis meses de prisão suspensa na execução), tendo sido não pronunciado quanto ao mesmo e pronunciado agora quanto à prática de um crime de ameaça.

    14. Na Sentença recorrida, a condenação naquele processo volta a ser chamada à colação na fundamentação, como um dos índices para a condenação do Recorrente nestes autos, com a menção da certidão do acórdão condenatório por violência doméstica, autonomamente, nos factos provados e a menção da violência doméstica na fundamentação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de ameaça. Sendo mesmo dito que os factos destes autos não são “uma mera ameaça”.

    15. Os factos discutidos neste processo surgem três dias após os últimos que foram julgados no processo 949/10.2SLPRT.

      V. No Processo nº 949/10.2SLPRT foi atendido, quanto aos diversos episódios espaçados no tempo nele integrados (em período que situa entre 2003 e 2011), e concretamente até à data de 16/09/2011, o quadro de uma única – unidade - de intenção criminosa e afirmado um todo de sentido de desvalor jurídico-penal dominante: o crime de violência doméstica.

    16. Pelo que se afigura insofismável que o episódio destes autos nunca se pode enquadrar com autonomia face aqueles outros já julgados no Proc. 949, não se tratando de situação de concurso real de crimes, crime continuado ou renovação de intenção criminosa.

      X. O episódio discutidos nestes autos integra o mesmíssimo quadro motivacional do relacionamento entre os sujeitos processuais, que originou a condenação do Recorrente naquele processo por um crime de violência doméstica, assumindo este crime o todo de ilícito e de desvalor jurídico-penal dominante.

    17. Sendo evidente que a condenação do Recorrente em prisão, na medida de 10 meses, próximo do seu limite máximo (porque não é uma “mera ameaça” diz a Sentença), teve em conta de facto um novo julgamento que assimilou no processo cognitivo do julgador, os factos provados e o crime por que foi condenado no processo 949.

    18. Agravando desde logo a situação penal do Recorrente ainda a montante do cúmulo jurídico que ocorrerá posteriormente em virtude do funcionamento das regras do conhecimento superveniente do concurso (que agora já será real) de crimes!.

      AA. Na sentença é levada em conta tacitamente um novo sentido autónomo de ilicitude (sem que se afirme a causa da autonomia face ao processo 949 que se pressente ser apenas o atraso na tramitação deste último processo), situação que foi negada expressamente no processo nº 949/10.2SLPRT. Este que qualificou todas as condutas nele inseridas (2003 a 2011) como um crime unitário.

      BB. Pelo que os factos ora julgados teriam de ter sido integrados no Proc. 949/10.2SLPRT e objecto de decisão naquele processo pelo crime de violência...

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