Acórdão nº 2117/13.2JAPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCASTELA RIO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 2117/13.2JAPRT-A.P1 vindo do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo No Inquérito 2117/13.2JAPRT do MP de VLG, o Mmo Juiz do 3JZVLG procedeu das 14:50 às 18:15 de 01.4.2014 ao I Interrogatório Judicial do Arguido Detido B…, findo o qual proferiu o seguinte DESPACHO que foi objecto de Recurso: «1- Da validade/invalidade da detenção do arguido: Pese embora o Ministério Público, conforme se alcança de fls. 249, tenha validado a detenção do arguido B…, entendemos que a apreciação da detenção do arguido (apreciação jurisdicional) compete ao Juiz de Instrução Criminal pelo que se passa a conhecer da validade / invalidade da detenção do arguido.

Antes de mais, apreciemos o que se entende por detenção, or questão de precedência lógica.

A detenção de alguém visa sempre as finalidades previstas no artigo 254°. Este artigo e os seguintes ocupam-se da detenção, a qual é efectuada ou — a) para, no prazo máximo de 48 horas o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para 1º interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou — b) para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual. Esta alínea b) compreende sempre a detenção fora de flagrante delito e concretiza, ao nível processual, a excepção contida na alínea f) do n° 3 do artigo 27° da Constituição.

Trata-se, neste caso, de uma medida de polícia do processo, permitida para evitar a perturbação dos trabalhos e as faltas sucessivas e é aplicável não só ao arguido, mas também a qualquer outra pessoa regularmente convocada para comparecer em diligência processual; neste caso, a detenção só poderá ser ordenada pelo juiz.

A detenção é uma medida cautelar, não é uma medida de coacção processual. A noção de detenção envolve um sentido de precaridade numa tripla ordem de considerações: pela possível natureza não judicial da ordem, pela medida do tempo de duração a que está imperativamente conformada e pela imediata finalidade processual que a justifica e faz com que nessa finalidade se esgote. A detenção tem, pois, finalidades específicas, cautelares e de polícia, que a distinguem de outras formas de privação da liberdade; não é necessariamente dependente de mandado judicial, não pressupõe a qualidade processual de arguido, e tem uma limitação temporal absolutamente inultrapassável. O rigor da análise das condições da detenção, e o estrito respeito por prazos legais curtos, está muito presente, por exemplo, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Cf. o Parecer n° 35/99 da PGR, publicado no DR—II Série de 24 de Janeiro de 2000.

A detenção, traduzindo-se, embora, numa privação da liberdade - e muitas vezes funciona como prelúdio da prisão preventiva - não constitui uma medida de coacção processual, como a prisão preventiva, mas antes uma medida meramente cautelar, votada a certos e exclusivos fins (cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2ª ed., 2000, p. 44). A detenção não deve ser confundida, como já se advertiu, com as medidas cautelares de polícia previstas no artigo 250°. Inclusive, a obrigação de identificação perante a autoridade competente não se considera medida de coacção (artigo 191°, n° 1). A detenção também não deverá confundir-se com a prisão preventiva. A detenção tem a ver com as fases preliminares do processo e a correspondente privação da liberdade só se prolonga se vier a ser confirmada por intervenção judicial, “isto para acentuar o carácter precário e condicional da detenção, sujeita à condição resolutiva da homologação judicial” (Maia Gonçalves, p. 521). A prisão preventiva é sempre imposta pelo juiz (artigo 202°, n° 1, do CPP).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, enquanto travejamento superior de toda a interpretação dos normativos que versem sobre direitos fundamentais — mandamento, aliás, acolhido no art. 16.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa — para além de proclamar, no seu art. 3°, que todo o indivíduo tem direito à liberdade, proíbe, no art. 9º, a prisão ou detenção arbitrária.

Por sua vez, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, prevê no art. 50, n.° 1, alínea c), que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se a prisão ou detenção ocorrer de harmonia com o procedimento legal, a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita de ter cometido uma infracção, ou motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de a cometer ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido.

Divisa-se, já aqui, um quadro bastante nítido dos requisitos exigíveis para a detenção fora das situações de flagrante delito, expectável se mostrando que o direito penal adjectivo interno português não possa menosprezar os indicados ditames.

No plano do direito interno e na vertente da detenção, a Constituição da República Portuguesa faz emergir dos seus arts. 18°, 27.°, 28.°, 30°, 31.° e 272.° um conjunto de princípios que balizam qualquer restrição da liberdade, fazendo-se notar aqui, com maior destaque, os da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, corolários do princípio da menor intervenção possível.

*No artigo 256° a lei distingue entre flagrante delito, quase flagrante delito e presunção legal de flagrante delito.

A detenção fora de flagrante delito só pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público, desde que verificadas alguma das circunstâncias previstas no n° 1 do art° 257° do CPP.

Por iniciativa das autoridades de polícia criminal (directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas reconhecerem aquela qualificação: artigo 1º, n° 1, alínea d)), a detenção fora de flagrante delito pode ainda realizar-se, se concorrerem os restantes pressupostos enumerados no n° 2 do artigo 257° do CPP (pressupostos de verificação cumulativa).

Fora de flagrante delito, a detenção por autoridade de polícia criminal terá que obedecer aos requisitos previstos nas al.s a), b) e c), do n° 2 do art° 257° do c.P.P..

Tais requisitos são de verificação cumulativa, pelo que na falta de qualquer um deles falece a autoridade de polícia criminal de legitimidade para ordenar a detenção de uma pessoa fora de flagrante delito.

*O art. 257.°, cuja epígrafe é “Detenção fora de flagrante delito”, antes da redacção da Lei n.° 48/2007, de 29 de Agosto, reproduzia o artigo do Projecto de cPP como a mesma identificação.

Com a revisão levada a cabo pela mencionada Lei e na redação actual introduzida pela Lei 26/ 2010, de 30 de agosto conta ali um segmento normativo, materializado no pequeno trecho que sujeita a detenção naquelas circunstâncias, para além do mais que já vinha da redacção anterior, à verificação de “fundadas razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente perante autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado”.

Trata-se de uma exigência genérica, por isso, aplicável em qualquer quadro fáctico-jurídico e qualquer que seja a entidade competente para ordenar a detenção diante da qual se manifeste a eventualidade do recurso a ela, sempre com o pressuposto regra de que a detenção é um acto da autoridade judiciária, assim se cumprindo o caracter estritamente excecional da detenção fora de flagrante delito, pelas autoridades de policia criminal.

Como é destacado em anotação ao artigo em causa no “Código de Processo Penal — Comentários e notas práticas, dos Magistrados do Ministério Público do distrito judicial do Porto — Coimbra Editora, a propósito da inovação acima transcrita: “Pode, (...) dizer-se que o aditamento ao n.° 1 do art. 257.º0trazido pela Lei n.° 48/2007, se, por um lado, restringiu significativamente o âmbito da detenção fora de flagrante delito, por outro, pretendeu garantir de um modo mais amplo e eficaz, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.° 109-X, de que proveio a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto — 15ª alteração do Código de Processo Penal — considerou-se que: “Tendo presente que a detenção só deve ser efectuada em casos de estrita necessidade, estabelece-se que ela só tem lugar, fora de flagrante delito, quando houver razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente para a realização de um acto processual.

” No dizer de GERMANO MARQUES DA SILVA, in Curso de Processo Penal, II, Nova edição revista, 2008, Verbo, pág. 273 “Pretendeu-se com este novo pressuposto material acabar com os espectáculos gratuitos de detenções em público e frequentemente frente às câmaras da televisão para apresentação à autoridade judiciária de arguidos que até ao momento da detenção sempre tinham cumprido escipulosamente as suas obrigações processuais, não existindo razões para considerar que não continuariam a cumprir. Era uma interpretação abusiva da lei, ofensiva da dignidade dos arguidos e do princípio da presunção de inocência;” Porém, a evidente imprecisão do conceito de “fundadas razões” quanto ao risco de não comparência, vindo para a norma através da revisão, pese embora a dificuldade da sua concretização, implica um acréscimo de rigor na avaliação da casuística, havendo que alegar/demonstrar as circunstâncias que fundamentam esse risco, não em jeito de formulas genéricas, como por vezes acontece, mas com detalhe, levando em linha de conta a natureza e gravidade do ilícito em causa, a eventual perspectiva ou mesmo tentativa de fuga sentida após o cometimento do crime, o paradeiro errático do visado, nomeadamente por falta de residência fixa e/ou de laços familiares enraizados, a hipótese de acolhimento fácil em país estrangeiro, entre outras circunstâncias que se...

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