Acórdão nº 1277/12.4TBFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução10 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1277/12.4TBFLG.P1 Do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Gondomar, onde deu entrada em 19/6/2012, entretanto extinto, pertencendo, agora, à Comarca do Porto, Instância Central de Penafiel, Secção Cível, J4.

*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B… instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a C… - Companhia de Seguros, SA, melhor identificadas nos autos, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe as quantias de 509.496,12 €, a título de danos patrimoniais, e a de 200.000,00 €, por danos não patrimoniais, acrescidas de juros, desde a citação até efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, que, no dia 24/6/2009, pelas 15,30 h, no …, freguesia …, o seu filho menor D… foi atropelado pelo veículo de matrícula ..-CE-.., conduzido por E…, por conta e no interesse da sua entidade patronal F…, Lda., que havia transferido a sua responsabilidade civil para a Companhia de Seguros G…, SA, incorporada na ré, quando circulava em excesso de velocidade, e, portanto, por culpa exclusiva deste condutor, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos, por ter de cuidar permanentemente daquele seu filho e de sofrer com ele pelo estado em que ficou devido ao acidente.

A ré contestou, por impugnação, alegando factos tendentes a imputar a responsabilidade na ocorrência do acidente ao menor ou a quem tinha o dever de o vigiar e que, não obstante, já pagou todos os prejuízos dele decorrentes, conforme acordo que celebrou com os pais do menor, sustentando não serem devidos os danos reclamados, por já terem sido pagos ou não serem indemnizáveis, concluindo pela improcedência da acção.

A autora replicou impugnando os factos alegados e os documentos juntos com a contestação, reiterando o que havia alegado e concluindo como na petição inicial.

Foi realizada a audiência preliminar, tendo sido proferido nela o despacho saneador tabelar e feita a condensação, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, sem reclamações.

Entretanto, foi apensa a esta outra acção ordinária, com o n.º 1228/12.6TBFLG, que H… instaurou contra a C… - Companhia de Seguros, SA, onde pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 50.000,00 €, acrescida de juros a partir da citação e até integral pagamento, com base no mesmo acidente e para o compensar pelos danos não patrimoniais que alega ter sofrido com o estado vegetativo em que ficou o mesmo menor, filho da mulher com quem vive em união de facto.

A ré contestou impugnando os factos alegados e defendendo que os danos reclamados não são indemnizáveis, por se tratar de danos reflexos ou indirectos e por o autor não ser parente ou afim a quem a lei conceda direito de indemnização, concluindo pela improcedência da acção.

O autor replicou nos mesmos termos da acção supra referida.

Na audiência preliminar a que se procedeu, foi proferido despacho saneador tabelar e foram seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória, de que não houve reclamações.

A audiência de discussão e julgamento foi feita conjuntamente e decorreu nos dias 4 e 24 de Outubro e 19 de Dezembro de 2013.

Finalmente, em 16/3/2014, foi elaborada douta sentença que decidiu: “I. Julgando a acção principal parcialmente procedente: a) condena(r) a Ré C… – Companhia de Seguros, S.A.

a pagar à Autora B1…, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 8.000, acrescida de juro à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento; b) absolve(r) a Ré do restante pedido formulado.

II. Julgando a ação apensa não provada e improcedente, absolve(r) a Ré C… – Companhia de Seguros, S.A.

do pedido deduzido pelo Autor H….” Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação e apresentou a respectiva motivação com as seguintes extensas e complexas conclusões: “A. Foi formulada a seguinte questão prévia: a A. pretendendo recorrer, impugnando a matéria de facto gravada, deparou-se a A. com uma gravação imperceptível relativamente ao depoimento das testemunhas que servirá de base ao presente recurso.

  1. De facto, ocorrem manifestas e sérias deficiências na gravação dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência, particularmente visíveis quanto à testemunha J…, porquanto várias partes do respectivo depoimento se apresentam completamente imperceptíveis, maxime, no que concerne às perguntas efectuadas pelos mandatários e pela Exma. Senhora Juiz ao mesmo e às respostas dadas durante o seu depoimento (mas também relativamente à testemunha K…).

  2. As falhas registadas na gravação impedem a cabal reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal superior, ao mesmo tempo que constituem um obstáculo intransponível para a parte impugnante quanto ao cumprimento do ónus de alegação especial previsto pelo art. 640.º do CPC, que vê assim arredado o seu direito de recurso sobre a matéria de facto legalmente consagrado D. O que constitui nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC, uma vez que se trata de uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, sendo hoje pacificamente aceite que a mesma pode ser suscitada até ao termo do prazo para apresentação das alegações de recurso.

  3. Esta nulidade importa a anulação do acto viciado (art. 195.º, n.º 1 do CPC), na parte em que influencia a decisão da causa, bem como dos subsequentes actos daquele dependentes, designadamente, da decisão da matéria de facto e da douta sentença recorrida (art. 195.º, nº 2 do CPC).

  4. Em relação ao depoimento de praticamente todas as testemunhas, se mostra, no caso, acentuadamente verificado relativamente às testemunhas J… (depoimento de 24-10-2013, gravação áudio de 16:32:32 a 17:14:35), K… (depoimento de 24-10-2013, gravação áudio de 17:55:31 a 18:21:45.

  5. Esta situação processualmente anómala e irregular, é verdadeiramente impeditiva de uma autêntica e fundamentada impugnação da matéria de facto, por parte da aqui recorrente, violadora, pois, do direito legalmente consagrado às partes recorrentes, qual seja o de especificadamente impugnarem a matéria de facto decidida no processo.

  6. Ouvido o CD que contem a gravação dos depoimentos em causa, verifica-se que, de facto, partes relevantes dos depoimentos são imperceptíveis. Ou seja, não é possível ouvir as perguntas dos advogados e da juiz, sendo também inaudível o depoimento das testemunhas.

    I. pela testemunha J… foi referido que o veículo “vinha deslargado” (expressão que o mesmo usou para se referir à velocidade do mesmo e que na gravação não é possível ouvir). As testemunhas aqui referidas referem também que o veículo não desviou a sua marcha, contudo sendo os seus depoimentos inaudíveis, não é possível a transcrição dessas passagens.

  7. A gravação deve ser efectuada por sistema sonoro, nos termos que constam do art. 155.º do CPC.

  8. Como se pode ler no Acórdão do STJ de 13/01/2009, in www.dgsi.pt:“..., a deficiência da gravação, a existir, constitui uma nulidade secundária, uma vez que tal deficiência integra uma omissão de um acto prescrito na lei (art. 7.°, n.º 2, do Dec.- Lei n.º 39/95, de 15/2), que pode nitidamente influir na decisão da causa por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de facto pelas partes com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pela Relação. Como tal, deve ser arguida pela parte que nisso tenha interesse.

    L. Uma vez que a apelante pretende impugnar tal julgamento, pelo que, em consequência, se requer a anulação dos actos viciados, bem como dos termos subsequentes que deles dependam absolutamente repetindo-se os depoimentos das identificadas testemunhas e anulando-se todos os termos posteriores do processo, designadamente, a decisão que incidiu sobre a matéria de facto e a sentença recorrida.

    Sem prescindir: M. A este respeito surgem três versões relatadas por três testemunhas: 1. E… (condutor); 2. J… (testemunha presencial); 3. L… (GNR que se deslocou ao local do sinistro); N. O Tribunal a quo desvalorizou o depoimento do condutor do veículo, pois entendeu que em todo o seu depoimento demonstrou falta de objectividade e falta de isenção. De facto, devia o Tribunal analisar de forma crítica todo o seu depoimento, apurando-se uma maior responsabilidade do condutor pela produção do sinistro.

  9. Quanto à testemunha J… (testemunha presencial), o mesmo refere que o menor D… vinha de mão dada com a avó (que o segurava), sendo que esta levava também pela mão o neto desta testemunha (que é portador de uma deficiência) e que todos seguiam pelo passeio. Refere ainda que o menor largou a mão da avó começando a correr e que ele próprio (a testemunha) correu atrás dele e chamou-o.

    P.

    Contudo, narrou sem qualquer dúvida que nesse momento passou o veículo segurado da Ré e que o mesmo “vinha deslargado” – expressão que utilizou para afirmar que o veículo vinha a grande velocidade (contudo tal é imperceptivel na gravação como acima já se expôs).

    Esclareceu que naquele momento não circulavam quaisquer outros veículos naquele local e que o condutor do veículo segurado da Ré não desviou a sua marcha. Afirmou também que o D… se encontrava bem visível e que pôs um pé na estrada.

  10. O menor foi projectado 7 metros de distância e que o embate apenas se deu com a óptica direita do veículo.

  11. Salvo o devido respeito, o Tribunal de 1.ª Instância, na apreciação dos factos e na aplicação de direito aos presentes autos, argumentou com base em suposições e não analisou criticamente a prova gravada, pois que a Douta sentença de que se recorre assenta numa errada e superficial apreciação da prova, sem a devida valoração crítica.

  12. O Tribunal não valorou devidamente o depoimento das testemunhas arroladas pela Autora, ignorando as suas razões de ciência relativamente à matéria controvertida, como se pode comprovar pelas partes do depoimento das mesmas, que não se transcreveu em...

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